quarta-feira, 1 de maio de 2013


Acto administrativo tácito


Tour do instituto e considerações


Continuação
Continuamos agora a análise do que a lei fora de Portugal tem vindo a consagrar face a matéria em apreço.
No que a Itália diz respeito, é de notar a ausência de uma regra geral, de uma orientação unívoca no tratamento da acção por omissão da Administração Pública.
Assim, podemos encontrar três figuras distintas no ordenamento jurídico italiano. O silenzio-rigetto, o silenzio-accoglimento e o silenzio-inadempimento. O primeiro, diz respeito ao nosso indeferimento tácito; o segundo ao deferimento. O terceiro é uma figura suis generis com efeitos distintos. É de facto no campo dos efeitos que este silenzio-inadempimento ou rifiuto se ditingue. Assim, quando não há qualquer resposta da Administração Pública não há as típicas aceitação ou rejeição, mas antes a criação na esfera jurídica do particular de um interesse legítimo directamente decorrente da omissão. Este reconduz-se a um direito de ver o porquê da falta de resposta justificado. Mais ainda, aqui desencadear-se-á novo processo pelo qual a Administração terá de eliminar o silenzio-rifiuto.
Há, ainda, mais uma particularidade. No caso de estramos perante uma actuação discricionária da Administração o Tribunal apenas condenará a mesma a decidir; se por outro lado o acto for vinculado, o Tribunal poderá indicar exactamente o acto que quer ver praticado, correspondendo tal actuação uma certa ingerência na orla da Admnistração Pública (esta é uma orientação recente, consagrada num conjunto de sentenças do Consiglio di Stato de 10 de Março de 1978 e de 26 de Janeiro de 1982).
Não havendo qualquer previsão legal sobre a regra geral a seguir, os Tribunais parecem ter fixado a jurisprudência no silenzio –inadempimento. Esta situação teve eco do ponto de vista positivo em 1990 e 1995, quando dois decretos-lei vieram a cristalizar uma solução. Em primeiro lugar, nasce uma verdadeira obrigação da publiche amministrazione decidir expressamente das contendas que lhe chegasse; depois, a estipulação de um prazo de trinta para que a mesma decida e no fim do qual o particular tem a possibilidade de passar à via contenciosa. As restantes soluções foram penetrando o ordenamento tendo conseguido a sua consagração expressa.
Desta feita, há que olhar para o que sucede na Alemanha. O ponto de partida, uma acção interposta por um particular com vista a condenar a Administração à produção de um acto. É a chamada Untätigkeitsklage, que se apresenta como uma variante da Verflichtungsklage.
A ideia subjacente aos institutos mencionados decorre do artigo 113.5 da Verwaltungsgerichtsgdrung que dispõe sobre os poderes do Tribunal:
Quando o indeferimento ou a omissão do acto administrativo for ilegal e o demandante tiver sido lesado nos seus direitos, o Tribunal declara a obrigação da autoridade administrativa emitir o acto solicitado, desde que, a questão possa ser decidida pelo Tribunal. Caso contrário, este declarará a obrigação genérica de decidir sobre o pedido tendo em conta a fundamentação jurídica do Tribunal (tradução de João Almeida da Silveira).

Assim, o course of action do Tribunal variará consoante este seja ou não capaz de decidir, consoante tenha ou não condições para o fazer.
Caso esteja, o Tribunal, condena a Administração à prática de um acto de conteúdo determinado. Não estando, efectuará uma investigação oficiosa por meio a permitir reunir estas condições para orientar de forma concreta e definida o conteúdo do acto administrativo. Se tal não for possível, o Tribunal condenará a Administração à prática de um acto cujo conteúdo não é determinado mas antes balizado por limites legais impostos judicialmente e inultrapassáveis.
A grande questão aqui seria definir a locução “em condições de ser decidida pelo Tribunal”. Aqui, podemos correr o risco de entrar numa lógica de dupla administração, permitindo que o Tribunal sindique qualquer movimento da Administração. Assim, apresentam-se dois limites à determinação específica por parte do Tribunal sobre a actuação administrativa. Primeiramente, estão vedadas áreas em que se requeira do Tribunal certo conhecimento técnico que deva ser à partida dominado pela Administração (tentando-se de facto não contribuir para a constituição de uma para-administração ou uma dupla administração). Em segundo lugar, apresentam-se como limite as situações em que a Administração seja dotada de poder de decisão discricionário. Nesta fase há que encarar duas hipóteses: uma primeira, na qual a discricionariedade pode ser reduzida a zero, sendo que, nestes casos, o acto passa a ter um grau intenso de vinculatividade  e não mais do que uma aparente discricionariedade. Aqui o Tribunal é “totalitário” e define o conteúdo do acto; há, depois, um segundo caso, no qual existe verdadeira discricionariedade, já que esta não se consegue reduzir a zero. Aqui, não se definirá o conteúdo do acto obrigando-se apenas à sua prática, a Administração faltosa.
Vista que está a questão do deferimento e indeferimento no direito comparado e em Portugal, há que aprofundar o estudo em questão. Aqui olhámos em especial para a tese de André Gonçalves Pereira, Erro e Ilegalidade no Acto Administrativo.
O Professor começa por referir a definição de Marcello Caetano de acto administrativo, que o vê como uma conduta, quer positiva, quer negativa, atribuindo valor quer à acção quer ao “silêncio”. Ora Gonçalves Pereira tem visão diferente e não atribui ao acto tácito a qualidade de acto.
Primeiramente distingue duas realidades, o acto tácito, por um lado, e o acto implícito, por outro. Apenas o segundo parece ser qualificável como acto. O acto tácito será o silêncio e o acto implícito será algo que decorre dos facta concludentia, ou seja, das circunstâncias. Imagine-se o caso em que dois particulares concorrem a uma concessão exclusiva e a Administração responde a um deles deferindo o seu requerimento, é lógico que o pedido do outro particular se dá como indeferido.
Em seguida, o Professor, distingue entre acto tácito interno e acto tácito externo. Esta é a lógica hoje consagrada nos artigos 108º e 109º do Código do Procedimento Administrativo. O acto interno corresponde ao seu homólogo acto de deferimento e o externo ao de indeferimento.
Todavia, porque considera o Professor não se poder incluir o acto tácito na classe dos actos administrativos? Explica-o na página 88 da sua tese. A seu ver, o caso do particular poder servir-se do contencioso administrativo é um caminho alternativo que a lei lhe faculta resultante da própria lei e na pendência de se verificar a inexistência da prática de um acto. A omissão não é acto, não é ficção de um acto é antes um mero pressuposto do recurso contencioso administrativo. Este é um “pressuposto processual alternativo”.
O Professor revela alguns argumentos. Do ponto de vista procedimental são bem diferentes a impugnação do acto tácito e do expresso. Não é possível alegar-se um qualquer vício de forma no acto tácito, ou usurpação de poder ou incompetência. Pode, tão somente, alegar-se violação de lei. Essa violação não consistirá no indeferimento mas sim na ausência de acção quando a lei o impunha. O problema do qual se recorre é da violação da lei pela ausência de acção.
Não se detecta aqui um conteúdo representativo da vontade da administração que permita do ponto de vista da forma e das formalidades caracterizar este acto como administrativo. Exemplifica o Professor:
                                  Suponhamos que um particular remete um pedido à Administração Pública. Reúnem-se as condições para que esta defira o pedido. No entanto, passa o prazo e o mecanismo do indeferimento tácito é accionado. Entretanto, o particular em vez de seguir a via contenciosa que aquela “decisão” lhe proporcionaria, desinteressa-se e não prossegue, deixando passar o prazo. Algum tempo depois, a Administração dá deferimento ao pedido do particular através de acto expresso de deferimento o que resultaria na revogação do acto tácito e, sendo o primeiro constitutivo de direitos bem se sabe que isso não é possível, a revogação seria ilegal.

Assim, se confirma, na óptica de André Gonçalves Pereira, a inexistência de um verdadeiro acto com conteúdo substantivo, havendo antes um mero pressuposto contencioso administrativo.
Freitas do Amaral vê a situação de outra forma, colocando outra questão: se a lei prevê que para uma conduta ilegal da Administração o particular afectado possa impugnar o acto que expressamente a concretizar, quer dizer que a Administração incorre numa ilegalidade pelo facto de omitir a conduta positiva devida? Que acto devia o particular impugnar se a ilegalidade consistia na omissão do mesmo?
A resposta mostra Freitas do Amaral foi a criação dessa lógica ficcional de interpretação do silêncio da Administração. Numa primeira instância o silêncio foi negativamente interpretado. Ou seja, quando a Administração nada dizia significaria que tacitamente indeferia. Mais tarde evoluiu-se para a consagração do silêncio como mecanismo de deferimento nos casos previstos na lei.
Assim, a tese do indeferimento era muito importante para o particular, já que, permitia partir para a via contenciosa vendo como possível a impugnação da dita ficção. Solução mais equilibrada, lógica e dogmaticamente mais coerente foi a apresentada na Alemanha ou no Reino Unido nações nas quais o particular não impugna ficções antes penaliza pela via contenciosa o silêncio da Administração. No RU através do mandamus (ordem dada a uma autoridade que se recusa a cumprir um dever para que cumpra); Na Alemanha temos a já falada Verpflchtungsklage. Claro que não podemos ser incoerentes e não ver que o problema prático com o acto tácito, o tempo, não se resolve com alternativas que necessitam do mesmo pressuposto para operar: Que se esgote o prazo para a Administração decidir. Há que fazer duas coisas; tornar mais célere o processo de decisão e mais eficaz o recurso ao contencioso administrativo.
Mas onde se posiciona o Professor Freitas do Amaral? O professor parece rever-se na caracterização de André Gonçalves Pereira a cima vertida. Reconhece a dificuldade teórica de ter aqui um acto administrativo proprio sensu  mas não vai tão longe ao ponto de dizer que não há um acto. Ele existe sobre a forma de ficção legal. É a conformação do Professor à lógica da ficção legal.
Por fim, dizer onde nos posicionamos. Recebemos com agrado a posição de Gonçalves Pereira que parece ser aquela que do ponto de vista da teoria administrativa mais sentido faz. Este “acto” híbrido não é acto, é pressuposto. Porque a realidade das coisas é esta, pelo menos do lado do indeferimento. Não há outro efeito jurídico senão a concessão da faculdade de impugnar. Activa-se o pressuposto e surge a consequência. Esta é uma corrente que deve depois propugnar pela adopção da solução alemã, de condenação à prática de uma acto devido e não só à mera impugnação. Isto sim, seria o reconhecimento da não existência de um verdadeiro acto porque se exige a condenação à prática do acto devido. Esta é a solução que parece começar a surgir na lei portuguesa, mormente no CPTA.
Todavia, esta inclinação teórica parece perder mérito face ao acto de deferimento. Este, em princípio não corre o risco de impugnação, pelo menos não do particular que tinha direito à decisão. Assim, haveria um acto, já que se produziriam efeitos jurídicos com uma enorme relevância prática, por exemplo a construção de um empreendimento. Então e o que sucederia se outro particular ou o Ministério Público impugnassem o acto? Qual a posição do primeiro particular? E será que aqui seria impugnado um acto ou se accionaria na mesma um mero pressuposto? São questões de difícil resposta e cuja satisfação não encontrámos, ainda.
Para uma melhor compreensão do tema do ponto de vista casuístico deixa-se importante fonte: Comentário de Marcello Caetano na Revista O Direito, ano 68, página 114 e seguintes, subordinado ao tema Poderá o acto administrativo tácito ser alvo de impugnação contenciosa.

Ricardo Lira Gonçalves
21964,

PEREIRA, André Gonçalves, O Erro e Ilegalidade no Acto Administrativo, Ática 1952
MACHETE, Rui de, O acto confirmativo de acto tácito de indeferimento e as garantias de defesa contenciosa dos administrados, Ática 1973
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo II, Almedina, 2ª Edição, 2011
SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral III, Actividade Administrativa, Dom Quixote, 1ª Edição 2007
SILVEIRA, Tiago Almeida de, O Deferimento Tácito, Tese de Mestrado, Outubro de 1999
CAETANO, Marcello, Poderá o Acto Tácito ser alvo de Impugnação Contenciosa?in Revista o Direito, ano 68, 1936

0 comentários:

Enviar um comentário