Quando abordamos
o tema da Responsabilidade Civil, temos como ideia fulcral a existência de um
comportamento que afectou outrem, que não era o seu autor, e da sujeição de
quem praticou esse comportamento às suas consequências, através da restituição
da situação que existia ou através de uma indemnização ao lesado, quando tal
não for possível. Mas qual o regime aplicável no caso da expropriação por
utilidade pública? Será o regime da responsabilidade, pois é violado um direito
fundamental (direito da propriedade privada)? Ou não existirá responsabilidade,
pois as consequências da expropriação já se encontram previstas na lei? E qual
o interesse que prevalece, quando existe um conflito entre um interesse
colectivo e o interesse de um proprietário em conservar o seu património?
Aprendemos que consoante os valores atingidos,
poderemos estar perante responsabilidade criminal ou penal (resultante da
prática de um crime), responsabilidade disciplinar (ilícito de natureza
disciplinar) ou, ainda, perante responsabilidade civil, que pode ser contratual
ou extracontratual, dependendo do prejuízo causado.
Contudo, sobre os actos de gestão pública recai
responsabilidade civil extracontratual, se a pessoa colectiva, cuja actuação
deveria respeitar as regras de direito público, causar prejuízos aos
particulares. Esta responsabilização pode ser objectiva ou subjectiva.
O objectivo da responsabilização do Estado e de
outras entidades que exercem actividades administrativas públicas é a
transferência do dano sofrido que o cidadão sofreu para o seu causador, através
do pagamento de uma indemnização. Pois, como demonstram os artigos 18º nº1 e
266º nº1 CRP (e também o principio da legalidade), existe a proibição da
violação de posições jurídicas subjectivas alheias e deve existir o seu
ressarcimento, no caso de já terem ocorrido.
O instituto da expropriação visa solucionar os
conflitos entre interesse público e interesse privado. Porém, frequentemente,
verifica-se a prevalência do interesse público sobre o interesse privado, com o
ressarcimento dos prejuízos causados a este último.
MENEZES CORDEIRO considera que a expropriação por
utilidade pública é o evento através do qual se extinguem direitos reais sobre
bens imóveis, dando lugar a novos direitos cujos titulares serão pessoas que prosseguem
o interesse público e através do “pagamento de justa indemnização”. MARCELO
CAETANO considera que a expropriação por utilidade pública é uma relação
jurídica. Nesta relação, o Estado pela conveniência que determinados bens
imóveis demonstram para a concretização de um fim específico de utilidade
pública, decide extinguir os direitos subjectivos sobre eles constituídos e transfere-os
definitivamente para o património da pessoa que esteja a cargo da prossecução
desse fim de utilidade pública, não descurando de uma indemnização que será
paga ao titular dos direitos extintos.
Deste modo, podemos concluir que a expropriação por
utilidade pública consiste na restrição da titularidade de direitos de
propriedade sobre um dado bem imóvel (e dos direitos a este inerentes) e na
transferência desse bem para o património da pessoa colectiva expropriante ou
de outra pessoa colectiva, através de uma “prévia e justa” indemnização, por
parte da Administração com o intuito de prosseguir um fim de interesse público.
Porém, esta indemnização só tem lugar com a existência de uma violação do
conteúdo essencial do direito de propriedade privada.
A competência para a expropriação cabe a uma
autoridade administrativa, que será a entidade expropriante competente e
titular do poder de expropriar (artigo 14º do C.E.). A entidade expropriante é
aquela sobre a qual recai a realização dos fins e a necessidade de utilidade
pública, que justificam a expropriação (artigo 1º do C.E.) e, em princípio,
esta será a beneficiária da expropriação. Os “interessados” sobre os quais deve
recair a indemnização estão previstos no art. 9º do C.E.
De salientar, a possibilidade de existir uma expropriação
urgente e uma expropriação urgentíssima. Estas podem levar a uma diminuição das
garantias dos direitos dos titulares dos bens e dos direitos que foram
afectados1. A urgente encontra-se prevista no art. 15º, nº1 e 2 C.E.,
ocorre principalmente em casos em que a expropriação urge para que se realizem
obras no local. A urgentíssima, art. 16 º do C.E., verifica-se em casos de
calamidade pública ou com imposições de segurança interna ou de defesa
nacional.
Assim, verificamos que apesar de o direito de
propriedade privada ser uma das “pedras basilares” do nosso sistema
constitucional e da sua consagração ser essencial para a dignidade e liberdade
dos seus titulares, este direito pode ser restringido ou mesmo extinto através
de decisões administrativas legítimas (como demonstram os artigos 62º, nº2 e
165º nº1 alínea b) e e) da CRP).
Poderemos estar perante uma responsabilidade por
facto lícito ou pelo sacrifício?
Segundo FREITAS DO AMARAL, a expropriação por
utilidade pública implica a existência de uma responsabilidade objectiva por
acto lícito ou pelo sacrifício, pois existe a violação ou sacrifício de um
direito ou interesse. Assim, deve a Administração indemnizar os prejuízos
especiais e anormais que causou aos particulares.
Como salientam REBELO DE SOUSA e SALGADO DE MATOS,
a responsabilidade por facto lícito decorre do “princípio da justa distribuição
dos encargos públicos” (que encontra justificação nos artigos 2º e 13º da CRP)
que considera que os prejuízos causados por uma actividade que prossegue o interesse
colectivo, devem ser suportados por esta colectividade e não apenas pelo
lesado.
Normalmente, os particulares que viram as suas
posições subjectivas violadas por condutas administrativas, têm o direito a que
essas condutas sejam eliminadas e que sejam reconstituídas nas suas esferas
jurídicas “in natura”, ou seja, como se aquele dano não tivesse ocorrido (artigo
3º, nº1 RRCEC). No caso da expropriação por utilidade pública tal não acontece,
os particulares são indemnizados por uma eventual violação nos seus direitos
subjectivos, por motivos de prossecução de interesse público que se sobrepõem
aos seus direitos subjectivos.
Contudo, REBELO DE SOUSA e SALGADO DE MATOS
consideram que o regime da expropriação por utilidade pública não se enquadra
na lógica do artigo 16º RRCEC (responsabilidade por facto lícito), mas sim, decorre do artigo 62º nº2 CRP, que não
exige a necessidade de especialidade e anormalidade supra indicadas. Existindo, porém, uma pretensão indemnizatória por
actos de expropriação (artigos 1º e 23º a 32º C.E.) com a verificação de
requisitos semelhantes ao da responsabilidade civil por facto lícito, ou seja,
a existência de um facto voluntário, a conformidade jurídica desse facto, um
dano e respectivo nexo de causalidade. Salientam também, a necessidade de
existir uma indemnização contemporânea do sacrifício.
Face ao exposto, apesar de concordar com a posição
de REBELO DE SOUSA e SALGADO DE MATOS, reconheço que a distinção apresentada é
apenas teórica, já que a indemnização que recai sobre os proprietários lesados
deve ser justa e de acordo com os bens envolvidos, o que será possível, à
partida, através da aplicação de qualquer um dos dois regimes.
Bibliografia Utilizada:
- REBELO DE SOUSA e SALGADO DE MATOS. Direito Administrativo Geral.
Tomo III.
- FREITAS DO AMARAL. Curso de Direito Administrativo. Vol. II
- CAUPERS, João. Introdução ao Direito Administrativo.
-ROCHA, Elisabete. Expropriações por Utilidade Pública: Procedimento Expropriativo.(1)
Joana Rodrigues da Silva nº 21880
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