sábado, 18 de maio de 2013

O Estado de Necessidade Administrativa


Em momentos de normalidade encontra-se a Administração adstrita ao cumprimento de um procedimento obrigatório, ao qual, os actos por si praticados se encontram vinculados. Todavia, situações de excepcionalidade surgem, questionando-se se perante tais, continua a Administração vinculada ao cumprimento de tal procedimento, e é a esta questão à qual se queda o presente texto, no qual, o principal intento será demonstrar o modo de actuação da Administração em casos excepcionais, concretamente no caso de estado de necessidade.
Entenda-se “Estado de Necessidade” enquanto conceito constitucionalmente previsto no artigo 19º, nº2 da Lei Fundamental. Como clarificar o conceito? Tome-se “Estado de Necessidade” como o principio geral de Direito, dependente da verificação de certos pressupostos que possibilitam afastar a aplicação de qualquer norma legal, relacionando-se estes pressuposto com: o perigo (verificando-se aqui a ameaça iminente ao interesse público); o carácter excepcional da gravidade da situação  (isto é, a excepcionalidade da situação) e urgência da situação (advindo daqui o facto de não ser possível seguir a aplicação das regras legais, aplicadas na rotina diária da Administração).
Estes são os pressupostos seguidos pela maioria da doutrina, embora com alguns acrescentos por parte de alguns autores, por exemplo, Freitas do Amaral afirma o pressuposto da ausência de alternativas menos gravosas (evidenciando-se aqui o principio da proporcionalidade), enquanto que Mauro Esteves de Oliveira, na esteira de Marcello Caetano, evidencia a exigência de não ter sido o agente causador da situação reclamada.
Focando nos pressupostos que de forma geral são defendidos pela doutrina, tome-se o perigo enquanto catalisador do fenómeno ocorrido, bem como a justificação da actuação da Administração em preterição das regras prescritas no CPA (veja-se o artigo 3º/2 do mesmo diploma), isto é, em desconformidade com o Principio da Legalidade; por sua vez, remete “o carácter excepcional da gravidade da situação” para a perturbação da segurança da colectividade que em circunstâncias normais não se verificaria, e só devido a esta perturbação é que o Principio da Legalidade pode ser relegado para um segundo plano em prol da protecção do interesse público; por fim, a urgência da situação , aqui,  Vieira de Andrade caracteriza-a como o fundamento de todas as “alterações do normativo de competências”.
Ao observar o artigo 3º/2 do CPA, pode suscitar-se uma questão: o que se entende por “preterição das regras estabelecidas neste Código (…)” ?  A resposta prende-se por questões procedimentais, isto é, regras procedimentais, em caso de Estado de Necessidade, podem ser inobservadas em detrimento da reposição da normalidade social, contudo, não pretende este artigo conferir plenos poderes à Administração em casos de Estado de Necessidade, pois no que concerne aos princípios basilares da Administração devem estes ser minimamente tidos em consideração.
Exemplo paradigmático de uma norma procedimental susceptivel de inobservância em casos extremos é a fundamentação dos actos da Administração, matéria tratada por Vieira de Andrade na obra “O dever de fundamentação expressa de actos administrativos”. Nesta obra, o autor assume que em determinadas circunstâncias a imperiosidade da situação é um impedimento ao cumprimento das formalidades obrigatórias em períodos de normalidade, ou seja, existem situações incompatíveis com a investigação dos factos e com as ponderações minuciosas que a fundamentação dos actos exige, desta feita pode a formalidade da fundamentação ser preterida. Pode acontecer, como no caso do ordenamento francês, que posteriormente a Administração seja obrigada por lei a fundamentar o acto, no entanto, o que importa salientar, é que a preterição da fundamentação do acto não incorpora um vicio de forma mas sim uma excepção, ou nas palavras de  um outro autor, Freitas do Amaral, o estado de necessidade é “uma causa de exclusão da ilicitude”.
Assim, mediante as condições e características anteriormente enaltecidas, em observação do preenchimento dos pressupostos do artigo 3º/2 do CPA, estes actos, praticados em estado de necessidade administrativa, são tidos como válidos, não se confunda “actos” com “todos os actos”, isto porque existem actos que mesmo em circunstância de urgências são insusceptiveis de recepção pelo nosso ordenamento jurídico, como acontece com os actos irregulares (que já em situação de normalidade encontram forma de aproveitamento, não sendo o estado de necessidade o fundamento de tal aproveitamento) e os actos inexistentes (estes por sua via, já em situações normais padecem de tamanhos vícios, que o estado de necessidade não lhes poderia conferir validade).
Como foi referido, os princípios fulcrais pelos quais se rege a Administração devem ser respeitados, desta feita, no que toca ao já enunciado o Principio da Legalidade, somente as normas procedimentais podem ser inobservadas em função da prossecução do interesse pública (refira-se aqui os princípios da Prossecução do interesse público e o da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos- contantes no artigo 4º do CPA); face ao Principio da Igualdade (5º/1 CPA) revela-se a ideia da proibição da discriminação mesmo em situações de estado de necessidade; no Principio da Proporcionalidade (5º/2 CPA) afirma-se o agir adequadamente da Administração face às circunstâncias anormais que lhe são apresentadas; seguidamente o Principio da Justiça (6º CPA), expressando que não deve a Administração descurar-se de agir justamente sempre que lhe for possível, no mesmo artigo é também tratado o Principio da Imparcialidade, aqui, afirma Luis de Queiroz Fraz que o pretendido, é a “busca permanente da neutralidade, no sentido de não favorecer ou prejudicar alguém deliberadamente”; vários são os princípios espelhados no CPA, termine-se esta enumeração enunciando o Principio da Boa Fé (6º-A CPA), principio este directamente correlacionado com o Principio da prossecução do interesse público, com o da proporcionalidade e com o da justiça, segundo Mário Esteves de Oliveira, este principio vida alicerçar a relação Estado-Particular, impedindo condutas desleais por parte do primeiro em protecção do segundo.
Conclui-se que a norma principal focada no presente texto prende-se com o artigo 3º/2 do CPA, um último reparo ao mesmo, relaciona-se com  a sua última parte:  “(…) mas os lesados terão o direito de ser indemnizados nos termos gerais da responsabilidade da Administração”, independentemente da validade dos actos das Administração, após o preenchimento dos devidos pressupostos, numa situação de estado de necessidade, não ficarão prejudicados os lesados, pelo contrário serão ressarcidos. A indemnização conferida aos particulares ,nestes termos, encontrará a sua base na Lei 67-2007, despoletando uma indemnização pelo sacrifício, desde modo, embora sendo licita a acção da Administração proceder-se-á, sempre, a uma reparação na justa medida dos prejuízos originados.

Por: Cátia Ferrage (SubTurma 1 / Aluna nº 22026)
Bibliografia:
- Amaral, Diogo Freitas do – Curso de Direito Administrativo Volume II
-Andrade, José Carlos Vieira de – O dever de fundamentação expressa de actos administrativos
- Fraz, Luís Otávio de Queiroz – Estado de Necessidade como limite aos direitos, liberdades e garantias

0 comentários:

Enviar um comentário