Em momentos de
normalidade encontra-se a Administração adstrita ao cumprimento de um
procedimento obrigatório, ao qual, os actos por si praticados se encontram
vinculados. Todavia, situações de excepcionalidade surgem, questionando-se se
perante tais, continua a Administração vinculada ao cumprimento de tal
procedimento, e é a esta questão à qual se queda o presente texto, no qual, o
principal intento será demonstrar o modo de actuação da Administração em casos excepcionais,
concretamente no caso de estado de necessidade.
Entenda-se “Estado
de Necessidade” enquanto conceito constitucionalmente previsto no artigo 19º,
nº2 da Lei Fundamental. Como clarificar o conceito? Tome-se “Estado de
Necessidade” como o principio geral de Direito, dependente da verificação de
certos pressupostos que possibilitam afastar a aplicação de qualquer norma
legal, relacionando-se estes pressuposto com: o perigo (verificando-se aqui a
ameaça iminente ao interesse público); o carácter excepcional da gravidade da
situação (isto é, a excepcionalidade da
situação) e urgência da situação (advindo daqui o facto de não ser possível
seguir a aplicação das regras legais, aplicadas na rotina diária da Administração).
Estes são os
pressupostos seguidos pela maioria da doutrina, embora com alguns acrescentos
por parte de alguns autores, por exemplo, Freitas do Amaral afirma o
pressuposto da ausência de alternativas menos gravosas (evidenciando-se aqui o
principio da proporcionalidade), enquanto que Mauro Esteves de Oliveira, na
esteira de Marcello Caetano, evidencia a exigência de não ter sido o agente
causador da situação reclamada.
Focando nos
pressupostos que de forma geral são defendidos pela doutrina, tome-se o perigo
enquanto catalisador do fenómeno ocorrido, bem como a justificação da actuação
da Administração em preterição das regras prescritas no CPA (veja-se o artigo
3º/2 do mesmo diploma), isto é, em desconformidade com o Principio da
Legalidade; por sua vez, remete “o carácter excepcional da gravidade da
situação” para a perturbação da segurança da colectividade que em
circunstâncias normais não se verificaria, e só devido a esta perturbação é que
o Principio da Legalidade pode ser relegado para um segundo plano em prol da
protecção do interesse público; por fim, a urgência da situação , aqui, Vieira de Andrade caracteriza-a como o
fundamento de todas as “alterações do normativo de competências”.
Ao observar o
artigo 3º/2 do CPA, pode suscitar-se uma questão: o que se entende por
“preterição das regras estabelecidas neste Código (…)” ? A resposta prende-se por questões
procedimentais, isto é, regras procedimentais, em caso de Estado de
Necessidade, podem ser inobservadas em detrimento da reposição da normalidade
social, contudo, não pretende este artigo conferir plenos poderes à
Administração em casos de Estado de Necessidade, pois no que concerne aos
princípios basilares da Administração devem estes ser minimamente tidos em
consideração.
Exemplo
paradigmático de uma norma procedimental susceptivel de inobservância em casos
extremos é a fundamentação dos actos da Administração, matéria tratada por
Vieira de Andrade na obra “O dever de fundamentação expressa de actos
administrativos”. Nesta obra, o autor assume que em determinadas circunstâncias
a imperiosidade da situação é um impedimento ao cumprimento das formalidades
obrigatórias em períodos de normalidade, ou seja, existem situações
incompatíveis com a investigação dos factos e com as ponderações minuciosas que
a fundamentação dos actos exige, desta feita pode a formalidade da
fundamentação ser preterida. Pode acontecer, como no caso do ordenamento
francês, que posteriormente a Administração seja obrigada por lei a fundamentar
o acto, no entanto, o que importa salientar, é que a preterição da
fundamentação do acto não incorpora um vicio de forma mas sim uma excepção, ou nas
palavras de um outro autor, Freitas do
Amaral, o estado de necessidade é “uma causa de exclusão da ilicitude”.
Assim, mediante as
condições e características anteriormente enaltecidas, em observação do
preenchimento dos pressupostos do artigo 3º/2 do CPA, estes actos, praticados
em estado de necessidade administrativa, são tidos como válidos, não se
confunda “actos” com “todos os actos”, isto porque existem actos que mesmo em
circunstância de urgências são insusceptiveis de recepção pelo nosso
ordenamento jurídico, como acontece com os actos irregulares (que já em
situação de normalidade encontram forma de aproveitamento, não sendo o estado
de necessidade o fundamento de tal aproveitamento) e os actos inexistentes
(estes por sua via, já em situações normais padecem de tamanhos vícios, que o
estado de necessidade não lhes poderia conferir validade).
Como foi referido,
os princípios fulcrais pelos quais se rege a Administração devem ser
respeitados, desta feita, no que toca ao já enunciado o Principio da
Legalidade, somente as normas procedimentais podem ser inobservadas em função
da prossecução do interesse pública (refira-se aqui os princípios da
Prossecução do interesse público e o da protecção dos direitos e interesses dos
cidadãos- contantes no artigo 4º do CPA); face ao Principio da Igualdade (5º/1
CPA) revela-se a ideia da proibição da discriminação mesmo em situações de
estado de necessidade; no Principio da Proporcionalidade (5º/2 CPA) afirma-se o
agir adequadamente da Administração face às circunstâncias anormais que lhe são
apresentadas; seguidamente o Principio da Justiça (6º CPA), expressando que não
deve a Administração descurar-se de agir justamente sempre que lhe for
possível, no mesmo artigo é também tratado o Principio da Imparcialidade, aqui,
afirma Luis de Queiroz Fraz que o pretendido, é a “busca permanente da
neutralidade, no sentido de não favorecer ou prejudicar alguém
deliberadamente”; vários são os princípios espelhados no CPA, termine-se esta
enumeração enunciando o Principio da Boa Fé (6º-A CPA), principio este
directamente correlacionado com o Principio da prossecução do interesse
público, com o da proporcionalidade e com o da justiça, segundo Mário Esteves
de Oliveira, este principio vida alicerçar a relação Estado-Particular,
impedindo condutas desleais por parte do primeiro em protecção do segundo.
Conclui-se que a
norma principal focada no presente texto prende-se com o artigo 3º/2 do CPA, um
último reparo ao mesmo, relaciona-se com
a sua última parte: “(…) mas os
lesados terão o direito de ser indemnizados nos termos gerais da
responsabilidade da Administração”, independentemente da validade dos actos das
Administração, após o preenchimento dos devidos pressupostos, numa situação de
estado de necessidade, não ficarão prejudicados os lesados, pelo contrário
serão ressarcidos. A indemnização conferida aos particulares ,nestes termos,
encontrará a sua base na Lei 67-2007, despoletando uma indemnização pelo
sacrifício, desde modo, embora sendo licita a acção da Administração
proceder-se-á, sempre, a uma reparação na justa medida dos prejuízos
originados.
Por: Cátia Ferrage
(SubTurma 1 / Aluna nº 22026)
Bibliografia:
- Amaral, Diogo
Freitas do – Curso de Direito Administrativo Volume II
-Andrade, José
Carlos Vieira de – O dever de fundamentação expressa de actos administrativos
- Fraz, Luís Otávio
de Queiroz – Estado de Necessidade como limite aos direitos, liberdades e
garantias
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