Os
requisitos de existência dos actos administrativos baseiam-se em
exigências relativas aos aspectos estruturais do próprio conceito de acto
administrativo, tal como resulta do artigo 120.º CPA, dispondo este
que se consideram actos administrativos «as decisões dos órgãos
da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem
produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta».
Por conseguinte, para que se registe um determinado quid enquanto
acto administrativo, tem obrigatoriamente que ser um acto jurídico
«positivo, imaterial, unilateral, não normativo, praticado por um
órgão da administração no exercício da função administrativa»,
como expressam André Salgado de Matos e Marcelo Rebelo de Sousa.
A
nulidade do acto administrativo tem sido tradicionalmente assimilada quer
pela doutrina como pela jurisprudência pelo lado da
excepcionalidade, apresentando-se como regra de invalidade do acto a
anulabilidade. Tal ideia advém não única e exclusivamente da
necessidade do direito administrativo se autonomizar face ao direito
civil e do seu regime jurídico típico de invalidade – a nulidade
-, como também da influência do direito administrativo francês,
baseado no princípio pas de nullité sans texte.
Com
a entrada em vigor do CPA, a relevância jurídico-administrativa da
inexistência sofreu uma erosão colossal, quer pela vasta amplitude
dos casos de nulidade objecto de previsão normativa, que abrangem
situações que, de outro modo, seriam consideradas como se de
inexistência se tratassem, quer pelas consequências directamente associadas ao
seu regime, cuja radicalidade se aproxima em grande medida do regime
da inexistência. Até então, vigorava entre nós o princípio da
tipicidade dos actos nulos, regra que foi quebrada especialmente com
o estabelecimento de uma cláusula geral (artigo 133.º/1 CPA), a
chamada nulidade por natureza ou virtual, cláusula essa de natureza
civilista. Assim, embora com diferentes ressonâncias na doutrina,
acabou por se verificar a absorção da inexistência pela nulidade
do acto administrativo. Em suma, a inexistência jurídica era - e é - equiparada, nos seus efeitos jurídicos, à figura da nulidade do
acto administrativo.
Apesar
da aparente confusão legislativa entre a inexistência e a nulidade,
os artigos 137.º, 1 e 139.º, 1 a) CPA referem-se expressamente à
inexistência, o que supõe a sua relevância autónoma em face da
nulidade. A título exemplificativo, apontam-se os actos praticados
por membros dos órgãos colegiais notificados aos destinatários
como se fossem deliberações daqueles, os actos não praticados mas
notificados aos destinatários, as licenças não emitidas mas
tituladas por alvará, os actos praticados por meros agentes sem
delegação de poderes ou ao abrigo de delegações ineficazes, bem
como os actos praticados por usurpadores de funções públicas
(pessoas que se comportam como se fossem titulares de um órgão
administrativo, embora tal não corresponda à realidade). Nos três
primeiros casos, não existe sequer qualquer suporte ontológico da
aparência do acto administrativo; nos dois últimos, do ponto de
vista meramente material, não existe efectivamente um acto, que não reúne os requisitos mínimos necessários para a sua
imputação a uma pessoa colectiva administrativa. Para todos os
efeitos, a jurisprudência reconhece o fenómeno de absorção da
inexistência pela nulidade depois do CPA, embora continue a afirmar
a relevância da categoria em causa.
O
CPA não contém um regime global dos actos administrativos
inexistentes, limitando-se a referir – em parelha com os actos
nulos - a sua insanabilidade mediante ratificação, reforma ou
conversão (art. 137.º CPA) e a sua irrevogabilidade [art.139.º, 1,
a) CPA]. O art. 58.º, 1 CPTA estabelece que a impugnação de actos
inexistentes não está sujeita a qualquer prazo. Atendendo à noção
de inexistência como consequência da falta de verificação de
requisitos mínimos de identificabilidade, não é possível que deixe de se aplicar aos actos administrativos inexistentes, por maioria de
razão, o regime dos actos nulos – especialmente, o constante do
art. 134.º, 3 CPA. Há quem afirme que o número 3 do referido
artigo não é susceptível de ser aplicado aos actos inexistentes, mas importa
referir que tal não é claro, na medida em que o regime aí previsto
visa salvaguardar situações de confiança que podem gerar-se
independentemente da existência jurídica do acto. Como tal, o art.
369.º CC, por exemplo, considera como autênticos – e
consequentemente dotados de força probatória – os documentos
exarados por quem exerça publicamente as funções de autoridade ou
oficial público que não as detém, desde que os intervienientes ou
beneficiários não conhecessem a sua incompetência ou a
irregularidade da sua investidura. O regime dos actos administrativos
inexistentes não diverge, assim, fundamentalmente, daquele
identificado para os actos jurídicos inexistentes em geral. André
Salgado de Matos e Marcelo Rebelo de Sousa afirmam que o que o
distingue em relação ao regime da nulidade é apenas a não
formação de caso julgado sobre actos inexistentes. Diogo Freitas do
Amaral parece concordar, reiterando posteriormente que, na prática, os regimes
jurídicos da inexistência e da nulidade se assemelham,
aplicando-se, por regra, o regime jurídico desta à primeira - embora, como já se aferiu, não haja uma identificação completa entre ambos.
Diogo
Ilyas Baig, n.º 21955
Bibliografia
- REBELO
DE SOUSA, Marcelo, «Direito Administrativo Geral», Vol. III, 1ª
ed., Lisboa, 2006
- FREITAS
DO AMARAL, «Curso de Direito Administrativo», Vol. II, 2ª ed.,
Coimbra, 2011
- OTERO,
Paulo, »Legalidade e Administração Pública, O Sentido de
Vinculação Administrativa à Juridicidade», Coimbra, 2003
- ANTUNES,
Colaço, Revista do Ministério Público, «O Mistério da Nulidade
do Acto Administrativo», 2010
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