domingo, 19 de maio de 2013

A Pugnaz Questão da Existência e Inexistência do Acto Administrativo

Os requisitos de existência dos actos administrativos baseiam-se em exigências relativas aos aspectos estruturais do próprio conceito de acto administrativo, tal como resulta do artigo 120.º CPA, dispondo este que se consideram actos administrativos «as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta». Por conseguinte, para que se registe um determinado quid enquanto acto administrativo, tem obrigatoriamente que ser um acto jurídico «positivo, imaterial, unilateral, não normativo, praticado por um órgão da administração no exercício da função administrativa», como expressam André Salgado de Matos e Marcelo Rebelo de Sousa.
A nulidade do acto administrativo tem sido tradicionalmente assimilada quer pela doutrina como pela jurisprudência pelo lado da excepcionalidade, apresentando-se como regra de invalidade do acto a anulabilidade. Tal ideia advém não única e exclusivamente da necessidade do direito administrativo se autonomizar face ao direito civil e do seu regime jurídico típico de invalidade – a nulidade -, como também da influência do direito administrativo francês, baseado no princípio pas de nullité sans texte.
Com a entrada em vigor do CPA, a relevância jurídico-administrativa da inexistência sofreu uma erosão colossal, quer pela vasta amplitude dos casos de nulidade objecto de previsão normativa, que abrangem situações que, de outro modo, seriam consideradas como se de inexistência se tratassem, quer pelas consequências directamente associadas ao seu regime, cuja radicalidade se aproxima em grande medida do regime da inexistência. Até então, vigorava entre nós o princípio da tipicidade dos actos nulos, regra que foi quebrada especialmente com o estabelecimento de uma cláusula geral (artigo 133.º/1 CPA), a chamada nulidade por natureza ou virtual, cláusula essa de natureza civilista. Assim, embora com diferentes ressonâncias na doutrina, acabou por se verificar a absorção da inexistência pela nulidade do acto administrativo. Em suma, a inexistência jurídica era - e é - equiparada, nos seus efeitos jurídicos, à figura da nulidade do acto administrativo.
Apesar da aparente confusão legislativa entre a inexistência e a nulidade, os artigos 137.º, 1 e 139.º, 1 a) CPA referem-se expressamente à inexistência, o que supõe a sua relevância autónoma em face da nulidade. A título exemplificativo, apontam-se os actos praticados por membros dos órgãos colegiais notificados aos destinatários como se fossem deliberações daqueles, os actos não praticados mas notificados aos destinatários, as licenças não emitidas mas tituladas por alvará, os actos praticados por meros agentes sem delegação de poderes ou ao abrigo de delegações ineficazes, bem como os actos praticados por usurpadores de funções públicas (pessoas que se comportam como se fossem titulares de um órgão administrativo, embora tal não corresponda à realidade). Nos três primeiros casos, não existe sequer qualquer suporte ontológico da aparência do acto administrativo; nos dois últimos, do ponto de vista meramente material, não existe efectivamente um acto, que não reúne os requisitos mínimos necessários para a sua imputação a uma pessoa colectiva administrativa. Para todos os efeitos, a jurisprudência reconhece o fenómeno de absorção da inexistência pela nulidade depois do CPA, embora continue a afirmar a relevância da categoria em causa.
O CPA não contém um regime global dos actos administrativos inexistentes, limitando-se a referir – em parelha com os actos nulos - a sua insanabilidade mediante ratificação, reforma ou conversão (art. 137.º CPA) e a sua irrevogabilidade [art.139.º, 1, a) CPA]. O art. 58.º, 1 CPTA estabelece que a impugnação de actos inexistentes não está sujeita a qualquer prazo. Atendendo à noção de inexistência como consequência da falta de verificação de requisitos mínimos de identificabilidade, não é possível que deixe de se aplicar aos actos administrativos inexistentes, por maioria de razão, o regime dos actos nulos – especialmente, o constante do art. 134.º, 3 CPA. Há quem afirme que o número 3 do referido artigo não é susceptível de ser aplicado aos actos inexistentes, mas importa referir que tal não é claro, na medida em que o regime aí previsto visa salvaguardar situações de confiança que podem gerar-se independentemente da existência jurídica do acto. Como tal, o art. 369.º CC, por exemplo, considera como autênticos – e consequentemente dotados de força probatória – os documentos exarados por quem exerça publicamente as funções de autoridade ou oficial público que não as detém, desde que os intervienientes ou beneficiários não conhecessem a sua incompetência ou a irregularidade da sua investidura. O regime dos actos administrativos inexistentes não diverge, assim, fundamentalmente, daquele identificado para os actos jurídicos inexistentes em geral. André Salgado de Matos e Marcelo Rebelo de Sousa afirmam que o que o distingue em relação ao regime da nulidade é apenas a não formação de caso julgado sobre actos inexistentes. Diogo Freitas do Amaral parece concordar, reiterando posteriormente que, na prática, os regimes jurídicos da inexistência e da nulidade se assemelham, aplicando-se, por regra, o regime jurídico desta à primeira - embora, como já se aferiu, não haja uma identificação completa entre ambos.

Diogo Ilyas Baig, n.º 21955

Bibliografia
- REBELO DE SOUSA, Marcelo, «Direito Administrativo Geral», Vol. III, 1ª ed., Lisboa, 2006
- FREITAS DO AMARAL, «Curso de Direito Administrativo», Vol. II, 2ª ed., Coimbra, 2011
- OTERO, Paulo, »Legalidade e Administração Pública, O Sentido de Vinculação Administrativa à Juridicidade», Coimbra, 2003
- ANTUNES, Colaço, Revista do Ministério Público, «O Mistério da Nulidade do Acto Administrativo», 2010

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