A partir das duas últimas décadas do século XX, ocorreu uma progressiva ocupação, pelo direito administrativo, de zonas de regulação anteriormente deixadas ao direito privado no domínio contratual, o que ditou uma aproximação significativa entre os contratos administrativos e os contratos da administração regidos pelo direito privado. Este movimento foi em grande medida influenciado pelo direito internacional do comércio e, sobretudo, pelo direito comunitário da concorrência, que exigem a subordinação de grande parte dos contratos da administração, independentemente de terem a natureza de contratos administrativos, a um corpo mínimo de regras de direito público. Para além disto, foi aprovado, em 2008, o Código dos Contratos Públicos, que veio revogar o capítulo III do Código de Procedimento Administrativo, referente aos contratos administrativos.
Esta evolução veio pôr em crise o conceito de contrato administrativo, enquanto realidade distinta do contrato de direito privado da administração, suscitando-se a questão da sua eventual dissolução numa categoria mais ampla de "contratos da administração" ou "contratos públicos" ou, no mínimo, o reequacionamento dos critérios identificadores da figura do contrato administrativo. Este dilema coexiste com outros de origem anterior, ainda radicados na velha desconfiança acerca da contratualização do exercício do poder administrativo, tendo todos eles levado já a que se dissesse que "até hoje ainda não se conseguiu encontrar em lugar apropriado para o contrato de direito administrativo no instrumentário jurídico da administração".
Por um lado, surge-nos Freitas do Amaral, Sérvulo Correia e Marcelo Rebelo de Sousa, entre outros, a defender a autonomia do contrato administrativo. Freitas do Amaral define contrato administrativo com adesão ao critério ao objecto, defendendo que se há-de de definir contrato administrativo em função da sua subordinação a um regime jurídico de direito administrativo, sendo que a relação jurídica de direito administrativo será aquela que confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante os particulares, ou que atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a mesma Administração. Já Sérvulo Correia segue-se pelo critério do objecto com o critério estatutário para o definir. Por fim, Marcelo Rebelo de Sousa parte do pressuposto que o contrato administrativo é uma espécie de contrato e que o que autonomiza os contratos administrativos é o facto de o interesse público prosseguido pela Administração Pública não só se deve encontrar presente como, também, prevalecer sobre os interesses privados em presença, sendo a questão do regime apenas o efeito e não a causa dessa autonomização. Outros argumentos utilizados por quem a defende são, por exemplo, o facto do artigo 278º do CCP autonomizar o contrato administrativo. Há, na verdade, uma epígrafe referente a ele, portanto faz todo o sentido que este seja autónomo e não uma mesma coisa que os contratos públicos. Para além disto, o CCP acabou por dar ainda mais autonomia aos contratos administrativos, uma vez que designou um capítulo apenas referente a eles.
Por outro lado, assiste-se hoje a tendências negativistas da autonomia do contrato administrativo, pretendendo a unificação entre todos os contratos da Administração. Maria João Estorninho, por exemplo, diz-nos que o contrato administrativo seria resultado de um "acaso", fruto de uma especial interpretação do princípio da separação de poderes e do princípio da repartição jurisdicional de competências; assim, verificou-se primeiro a autonomização processual de certos contratos da Administração e, só num segundo momento terá tido início a substantivação da figura do contrato administrativo. Outro argumento usado por esta autora é que existe dificuldade em ser encontrado, pela doutrina, do critério perfeito da autonomização do contrato administrativo. Por fim, considera que o regime jurídico do contrato administrativo é, em si mesmo, compatível com o Direito contratual comum.
Outros argumentos utilizados por esta corrente de pensamento prendem-se com o facto de o CCP ter vindo unificar os dois termos, tornando-os num só: contratos públicos, sendo que a União Europeia ganha com esta unificação. Para além disto, defendem que o termo “contrato administrativo” utilizado no CCP refere-se à terminologia antiga, não lhe conferindo, por isso, existência.
Sendo esta uma questão de difícil resposta, inclinar-mos-emos para a posição que defende a autonomia do contrato administrativo. A verdade é que, não tendo desaparecido totalmente do CPA (ainda que revogado, existe a epígrafe e todos os artigos a eles referentes), os contratos administrativos são uma figura que torna a aparecer no próprio CCP, sendo que nos parece que o CCP veio apenas organizar melhor esta mesma distinção.
Ana Rita Santos
nº 21035
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