sexta-feira, 17 de maio de 2013

A Responsabilidade Civil Administrativa de um Hospital Público pela actuação de um agente.


1. Contextualização da responsabilidade Civil Administrativa extracontratual

Convém começar por fazer uma referência ao regime da responsabilidade civil administrativa e ao seu regime no ordenamento jurídico português.

Tal como acontece no direito civil, surgiu a necessidade de ressarcir os danos que a actividade administrativa pudesse causar aos particulares e/ou outras entidades públicas. Assim sendo, a responsabilidade civil administrativa consiste no conjunto de circunstâncias, que fazem emergir para a Administração e para os titulares ds seus órgãos, funcionários ou agentes, a obrigação de indemnizar pelos danos causados no exercicio da sua actividade. Desta feita, e como acontece no Direito civil, a responsabilidade civil administrativa visa, na maioria dos casos, a reparação dos danos causados pela actividade administrativa.

Pergunta-se, neste contexto que regime deverá ser aplicável as pessoas colectivas de direito privado. Como sabemos a Administração pública em sentido orgânico, pode ser composta também por empresas de Direito privado. Assim sendo, às pessoas colectivas de Direiro Privado que façam parte integrante da Administração Pública e tomando como pressusposto que actuam no âmbito da actividade administrativa, aplicar-se-à o regime da responsabilidade civil administrativa ( artigo 4º, 1, i) CPTA).

A responsabilidade civil Administrativa pode ser classificada atendendo a três critérios distintos : ao título de imputação do prejuízo, à natureza da posição jurídica subjectiva violada, e ao ramo de direito pelo qual é regulada.

2. A Responsabilidade civil da Administração Pública por actuação dos seus agentes.

Imaginemos a seguinte situação : um doente desloca-se a um hospital, queixando-se de dores no peito. São lhe feitos inúmeros exames, que não indicam nenhum tipo de problema cardiovascular. O médico dá a indicação que se trata apenas de um problema muscular e receita uma injecção intramuscular. O enfermeiro que fica encarregue de o fazer, atinge o nervo ciático, provocando uma paralesia permanente na perna esquerda do doente, o que o impede de praticar a sua profissão. Pergunta-se, nesta circunstância quem teria de responder pelos danos causados ao doente. Responderia somente o Hospital? Somente o enfermeiro? Ou o Hospital solidariamente com o enfermeiro? E que regime seria aplicável nesta circunstância? O dispositivo do artigo 501º do Código Civil, ou a regime da Lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado (LRCEE)?

Esta é uma questão que tem suscitado inumeras dificuldades de determinação no seio da doutrina, na medida em que ela se centra na querela entre gestão pública e gestão privada, e no regime aplicável em casos de fronteira. Cabe, neste sentido, analisar as posições dos mais importantes elementos da doutrina.

Para os professores Marcelo Caetano e Freitas do Amaral, é gestão pública a actividade da Administração regulada pelo Direito Público e Gestão Privada a actividade da Administração regulada pelas normas de Direito Privado, podendo dizer-se que reveste a natureza de Gestão Pública toda a actividade da Administração que seja regulada por uma lei que confira poderes de autoridade para a prossecução do interesse público.

No entanto, e de acordo com o professor Menezes Cordeiro, as alíneas g) e h) do nº1 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), dão aos tribunais de jurisdição administrativa a competência para apreciar as acções de responsabilidade civil administrativa do Estado e dos seus funcionários, bem como dos sujeitos privados aos quais se aplique o mesmo regime, concluindo, desta forma, que esta norma determinou o fim da distinção entre Gestão Pública e Gestão Privada, já que tudo segue o foro administrativo.

Assim, e tal como refere o professor Vasco Pereira da Silva, a conjugação dos actuais regimes do CPA, da LRCEE e do ETAF, permite concluir que hoje em dia, a grande maioria das situações de responsabilidade civil da Administração Pública são reconduzíveis a actos de gestão pública, respondendo esta solidariamente no caso do dano ter sido provocado por um mero funcionário ou agente. Daqui decorre também o facto de que a maioria das regras relativas à responsabilidade civil do Estado se encontram em leia avulsas e não no Código Civil ou no CPA.

Assim,

Nos termos do artigo 1º, nº4 : "As disposições da presente lei são ainda aplicáveis à responsabilidade civil dos demais trabalhadores ao serviço das entidades abrangidas, considerando -se extensivas a estes as referências feitas aos titulares de órgãos, funcionários e agentes". Assim sendo, e prevendo a tutela dos danos causados ao doente do exemplo dado, o artigo 2º da mesma lei prevê que quando um dano exceda os custos próprios da vida em sociedade, e que seja manifestamente grave, é aplicável este regime em detrimento do regime civil.

Neste caso, e partido do pressuposto que a actuação do enfermeiro foi pautada por uma negligência grosseira (equiparada à culpa grave), aplicar-se-ia o artigo 8º da mesma lei que prevê a responsabilidade solidária do Hospital relativamente ao agente negligente (sabendo que o enfermeiro teria agido no exercício da sua função e que o dano foi causado por esse exercicio). Assim sendo o Hospital estaria obrigado a indemnizar o doente, tentando reconstituir a situação que existia antes do dano provocado (artigo 3º). Contudo, e nos termos do artigo 8º, nº3, sempre que a entidade pública satisfaça qualquer indemnização, tem direito de regresso contra os titulares dos órgãos, funcionários ou agentes responsáveis, sem prejuízo do procedimento disciplinar que terá de ser instaurado contra o agente. Neste sentido, e apesar de o dano ter sido provocado por um puro procedimento técnico, o Hospital teria de responder solidariamente, tendo posteriormente direito de regresso sobre o agente culposo nos termos do artigo 7º da mesma lei : "O exercício do direito de regresso, nos casos em que este se encontra previsto na presente lei, é obrigatório, sem prejuízo do procedimento disciplinar a que haja lugar."

Em suma, apesar de estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil realativamente ao enfermeiro, o Hospital responderia solidariamente, pagando uma indemnização ao lesado. Contudo, por se tratar de um caso de negligência grosseira, e de um dano manifestamente grave, o Hospital teria direito de regresso sobre o enfermeiro, sem prejuízo do processo disciplinar interno que lhe pudesse vir a ser instaurado.


Beatriz Gonçalves
Aluna nº21960

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