1. Contextualização da responsabilidade Civil Administrativa extracontratual
Convém começar por fazer uma referência ao regime da responsabilidade civil administrativa e ao seu regime no ordenamento jurídico português.
Tal como acontece no direito civil, surgiu a necessidade de ressarcir os danos que a actividade administrativa pudesse causar aos particulares e/ou outras entidades públicas. Assim sendo, a responsabilidade civil administrativa consiste no conjunto de circunstâncias, que fazem emergir para a Administração e para os titulares ds seus órgãos, funcionários ou agentes, a obrigação de indemnizar pelos danos causados no exercicio da sua actividade. Desta feita, e como acontece no Direito civil, a responsabilidade civil administrativa visa, na maioria dos casos, a reparação dos danos causados pela actividade administrativa.
Pergunta-se, neste contexto que regime deverá ser aplicável as pessoas colectivas de direito privado. Como sabemos a Administração pública em sentido orgânico, pode ser composta também por empresas de Direito privado. Assim sendo, às pessoas colectivas de Direiro Privado que façam parte integrante da Administração Pública e tomando como pressusposto que actuam no âmbito da actividade administrativa, aplicar-se-à o regime da responsabilidade civil administrativa ( artigo 4º, 1, i) CPTA).
A responsabilidade civil Administrativa pode ser classificada atendendo a três critérios distintos : ao título de imputação do prejuízo, à natureza da posição jurídica subjectiva violada, e ao ramo de direito pelo qual é regulada.
2. A Responsabilidade civil da Administração Pública por actuação dos seus agentes.
Imaginemos a seguinte situação : um doente desloca-se a um hospital, queixando-se de dores no peito. São lhe feitos inúmeros exames, que não indicam nenhum tipo de problema cardiovascular. O médico dá a indicação que se trata apenas de um problema muscular e receita uma injecção intramuscular. O enfermeiro que fica encarregue de o fazer, atinge o nervo ciático, provocando uma paralesia permanente na perna esquerda do doente, o que o impede de praticar a sua profissão. Pergunta-se, nesta circunstância quem teria de responder pelos danos causados ao doente. Responderia somente o Hospital? Somente o enfermeiro? Ou o Hospital solidariamente com o enfermeiro? E que regime seria aplicável nesta circunstância? O dispositivo do artigo 501º do Código Civil, ou a regime da Lei da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado (LRCEE)?
Esta é uma questão que tem suscitado inumeras dificuldades de determinação no seio da doutrina, na medida em que ela se centra na querela entre gestão pública e gestão privada, e no regime aplicável em casos de fronteira. Cabe, neste sentido, analisar as posições dos mais importantes elementos da doutrina.
Para os professores Marcelo Caetano e Freitas do Amaral, é gestão pública a actividade da Administração regulada pelo Direito Público e Gestão Privada a actividade da Administração regulada pelas normas de Direito Privado, podendo dizer-se que reveste a natureza de Gestão Pública toda a actividade da Administração que seja regulada por uma lei que confira poderes de autoridade para a prossecução do interesse público.
No entanto, e de acordo com o professor Menezes Cordeiro, as alíneas g) e h) do nº1 do artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), dão aos tribunais de jurisdição administrativa a competência para apreciar as acções de responsabilidade civil administrativa do Estado e dos seus funcionários, bem como dos sujeitos privados aos quais se aplique o mesmo regime, concluindo, desta forma, que esta norma determinou o fim da distinção entre Gestão Pública e Gestão Privada, já que tudo segue o foro administrativo.
Assim, e tal como refere o professor Vasco Pereira da Silva, a conjugação dos actuais regimes do CPA, da LRCEE e do ETAF, permite concluir que hoje em dia, a grande maioria das situações de responsabilidade civil da Administração Pública são reconduzíveis a actos de gestão pública, respondendo esta solidariamente no caso do dano ter sido provocado por um mero funcionário ou agente. Daqui decorre também o facto de que a maioria das regras relativas à responsabilidade civil do Estado se encontram em leia avulsas e não no Código Civil ou no CPA.
Assim,
Nos termos do artigo 1º, nº4 : "As disposições da presente lei são ainda aplicáveis à responsabilidade civil dos demais trabalhadores ao serviço das entidades abrangidas, considerando -se extensivas a estes as referências feitas aos titulares de órgãos, funcionários e agentes". Assim sendo, e prevendo a tutela dos danos causados ao doente do exemplo dado, o artigo 2º da mesma lei prevê que quando um dano exceda os custos próprios da vida em sociedade, e que seja manifestamente grave, é aplicável este regime em detrimento do regime civil.
Neste caso, e partido do pressuposto que a actuação do enfermeiro foi pautada por uma negligência grosseira (equiparada à culpa grave), aplicar-se-ia o artigo 8º da mesma lei que prevê a responsabilidade solidária do Hospital relativamente ao agente negligente (sabendo que o enfermeiro teria agido no exercício da sua função e que o dano foi causado por esse exercicio). Assim sendo o Hospital estaria obrigado a indemnizar o doente, tentando reconstituir a situação que existia antes do dano provocado (artigo 3º). Contudo, e nos termos do artigo 8º, nº3, sempre que a entidade pública satisfaça qualquer indemnização, tem direito de regresso contra os titulares dos órgãos, funcionários ou agentes responsáveis, sem prejuízo do procedimento disciplinar que terá de ser instaurado contra o agente. Neste sentido, e apesar de o dano ter sido provocado por um puro procedimento técnico, o Hospital teria de responder solidariamente, tendo posteriormente direito de regresso sobre o agente culposo nos termos do artigo 7º da mesma lei : "O exercício do direito de regresso, nos casos em que este se encontra previsto na presente lei, é obrigatório, sem prejuízo do procedimento disciplinar a que haja lugar."
Em suma, apesar de estarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil realativamente ao enfermeiro, o Hospital responderia solidariamente, pagando uma indemnização ao lesado. Contudo, por se tratar de um caso de negligência grosseira, e de um dano manifestamente grave, o Hospital teria direito de regresso sobre o enfermeiro, sem prejuízo do processo disciplinar interno que lhe pudesse vir a ser instaurado.
Beatriz Gonçalves
Aluna nº21960
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