sábado, 18 de maio de 2013


Acto administrativo definitivo

 
 
Conceito originário da doutrina clássica da Escola de Lisboa que tem marcado ao longo dos tempos o Direito Administrativo é o de acto administrativo definitivo.
 
Seguindo a perspectiva de Otto Mayer e Hariou, Marcello Caetano, propugnando um carácter restrito de acto administrativo, reúne neste, entre outras, uma característica essencial, de excelência da qual emana uma ideia de poder, de autoridade administrativa: a definitividade.
 
Constituindo o núcleo do acto administrativo, na óptica deste professor, bem como de grande parte da doutrina, a definitividade do acto constitui pressuposto e garantia do recurso contencioso. Assim sendo, de acordo com esta perspectiva, o direito que os particulares têm de recorrer para os tribunais administrativos contra os actos ilegais da Administração fica dependente da existência desta característica nos actos em questão.

 
Mas em que consiste a definitividade do acto administrativo?
 
Ora, em primeiro lugar a definitividade pretende exaltar a actuação da administração enquanto “ultima palavra”, enquanto “resolução final” que correspondendo à ideia de definição do direito.
 
Segundo Freitas do Amaral, a definitividade tripartia-se em três critérios (Vasco Pereira da Silva denomina-os, com razão, “princípio da tripla definitividade”, na medida em que estes são cumulativos para que se verifique a possibilidade de recurso):
 

(a)   localização temporal do acto no procedimento – o acto administrativo é a sua conclusão, a solução final;
(b)   localização hierárquica do autor do acto – o acto é definitivo quando praticado pelo órgão mais elevado na hierarquia;
(c)    definição material, conteúdo do acto – o acto tem de ter por conteúdo a definição de situações jurídicas (ou da própria Administração, ou a dum particular que está em relação à Administração).

 
Ora, como não podia deixar de ser, Vasco Pereira da Silva, na esteira de uma perspectiva ampla de acto administrativo,  opõe-se em peso à ideia de definitividade e refuta a tese da tripla definitividade.

 

(a)   Quanto à definitividade em sentido horizontal o Professor diz-nos que tal concepção “assenta numa visão ultrapassada, actocentrica, que esquecendo a relevância autónoma do procedimento, se preocupa apenas com o resultado final da actuação administrativa” e que “tão ou mais importante que o produto final da vontade Administração é todo o procedimento decisório que conduz à sua emissão, o qual não apenas deve ser contenciosamente controlado aquando da prática do acto final, como pode ser objecto da autónoma impugnação quando se trate de actuações procedimentais imediatamente lesivas”, ideia esta sustentada da mesma forma por Rogério Soares que considera que é a lesão de direitos dos particulares (que pode ocorrer a qualquer altura do procedimento) que determina o acesso ao juiz, e não o critério da definitividade horizontal. Esta doutrina subjectivista ganhou terreno aquando da revisão constitucional de 1989 que veio garantir aos particulares, no seu artigo 268º nº4, o recurso contencioso contra quaisquer actos administrativos, deitando por terra a definitividade horizontal enquanto requisito qualitativo do acto administrativo lesivo para recorrer ao juiz;

 

(b)   Outro problema é o da definitividade vertical, correspondente à ideia de que o acto verticalmente definitivo é aquele que é praticado por um órgão no topo da hierarquia, cuja decisão constitui a última palavra, sendo que dos actos do subalterno não cabe recurso directo, tendo o particular lesado primeiro de recorrer para o superior hierárquico e só da decisão deste é que pode recorrer para um tribunal. Este critério tem subjacente a ideia de que quem dá a ultima palavra e compromete a Administração é o superior e não o subalterno.

 
Mais uma vez, o Professor Vasco Pereira da Silva considera esta acepção de definitividade vertical desprovida de sentido, na medida em que não existem diferenças de natureza entre o acto do superior e o do subalterno, pelo que, sendo as actuações administrativas de um e do outro materialmente idênticas e uma vez lesivas de direitos dos particulares devem ser ambas, imediata e directamente recorríveis. Esta perspectiva é mais uma vez constitucionalmente sustentada pelo artº 268º nº4 que não exige o recurso hierárquico prévio ao contencioso.

 
(c)    Segundo o Professor Freitas do Amaral a definitividade em sentido material representa a característica do acto administrativo que, no exercício do poder administrativo, “define a situação jurídica do particular perante a Administração, ou da Administração perante um particular”, definição esta que já é inerente ao próprio conceito restrito de acto administrativo propugnado pelo autor.

 

Ora, Vasco Pereira da Silva, apoiado pela jurisprudência, criticou desde sempre esta perspectiva, na altura apoiada quer pelo legislador quer pela doutrina, na medida em que, este critério, subjacente a uma Administração autoritária que decidia de forma unilateral, ao delimitar substancialmente a possibilidade de acesso ao juiz por parte dos particulares deixava de fora actuações administrativas carecidas de tutela (nomeadamente os actos lesivos não reguladores). Para o Professor este critério tornava-se então desprovido de sentido por deixar fora do alcance do controlo jurisdicional a maior parte das actuações administrativas, por não se encaixarem nesta ideia de “definição do Direito”, acabando por se desproteger os particulares mediante actuações lesivas por parte da Administração Pública. Invocando desde cedo o descabimento deste pressuposto da recorribilidade, desadequado à realidade administrativa mais moderna, em 1989, a revisão constitucional acabou por dar razão ao Professor, na reformulação do artigo 268º nº4.

 
Desta forma, pode concluir-se que, estando um passo à frente, não só da doutrina da altura, mas também do próprio legislador, Vasco Pereira da Silva tornou obsoleta esta característica claramente de espírito objectivista enquanto requisito para a recorribilidade do acto administrativo. De facto, parece-nos que a razão esteve e está com o Professor, na medida em que o triplo critério de definitividade (propugnado pelo próprio legislador constitucional!) “balizava” de forma bastante restrita a possibilidade de os particulares se defenderem perante os actos administrativos lesivos da Administração, não havendo, de todo, uma protecção integral dos direitos e interesses dos cidadãos. De qualquer das formas, sublinhe-se que a revisão constitucional de 1989, assumindo uma posição subjectivista veio assegurar uma protecção efectiva dos direitos dos particulares perante a Administração Pública.
 
 
 
Rafaela Aragão Pimenta
nº21994

 

 

 

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