Acto administrativo definitivo
Conceito originário da doutrina clássica da Escola de Lisboa
que tem marcado ao longo dos tempos o Direito Administrativo é o de acto administrativo definitivo.
Seguindo a perspectiva de Otto Mayer e Hariou, Marcello
Caetano, propugnando um carácter restrito de acto administrativo, reúne neste,
entre outras, uma característica essencial, de excelência da qual emana uma ideia
de poder, de autoridade administrativa: a definitividade.
Constituindo o núcleo do acto administrativo, na óptica deste
professor, bem como de grande parte da doutrina, a definitividade do acto constitui
pressuposto e garantia do recurso contencioso. Assim sendo, de acordo com esta
perspectiva, o direito que os particulares têm de recorrer para os tribunais
administrativos contra os actos ilegais da Administração fica dependente da
existência desta característica nos actos em questão.
Mas em que consiste a definitividade do acto administrativo?
Ora, em primeiro lugar a definitividade pretende exaltar a
actuação da administração enquanto “ultima palavra”, enquanto “resolução final”
que correspondendo à ideia de definição do direito.
Segundo Freitas do Amaral, a definitividade tripartia-se em
três critérios (Vasco Pereira da Silva denomina-os, com razão, “princípio da
tripla definitividade”, na medida em que estes são cumulativos para que se
verifique a possibilidade de recurso):
(a)
localização
temporal do acto no procedimento – o acto administrativo é a sua conclusão, a
solução final;
(b)
localização
hierárquica do autor do acto – o acto é definitivo quando praticado pelo órgão
mais elevado na hierarquia;
(c)
definição
material, conteúdo do acto – o acto tem de ter por conteúdo a definição de
situações jurídicas (ou da própria Administração, ou a dum particular que está
em relação à Administração).
Ora, como não podia deixar de ser, Vasco Pereira da Silva, na
esteira de uma perspectiva ampla de acto administrativo, opõe-se em peso à ideia de definitividade e
refuta a tese da tripla definitividade.
(a)
Quanto
à definitividade em sentido horizontal o Professor diz-nos que tal concepção
“assenta numa visão ultrapassada, actocentrica, que esquecendo a
relevância autónoma do procedimento, se preocupa apenas com o resultado final
da actuação administrativa” e que “tão ou mais importante que o produto final
da vontade Administração é todo o procedimento decisório que conduz à sua
emissão, o qual não apenas deve ser contenciosamente controlado aquando da
prática do acto final, como pode ser objecto da autónoma impugnação quando se
trate de actuações procedimentais imediatamente lesivas”, ideia esta sustentada
da mesma forma por Rogério Soares que considera que é a lesão de direitos dos
particulares (que pode ocorrer a qualquer altura do procedimento) que determina
o acesso ao juiz, e não o critério da definitividade horizontal. Esta doutrina
subjectivista ganhou terreno aquando da revisão constitucional de 1989 que veio
garantir aos particulares, no seu artigo 268º nº4, o recurso contencioso contra
quaisquer actos administrativos, deitando por terra a definitividade horizontal
enquanto requisito qualitativo do acto administrativo lesivo para recorrer ao
juiz;
(b)
Outro
problema é o da definitividade vertical, correspondente à ideia de que o acto
verticalmente definitivo é aquele que é praticado por um órgão no topo da
hierarquia, cuja decisão constitui a última palavra, sendo que dos actos do
subalterno não cabe recurso directo, tendo o particular lesado primeiro de
recorrer para o superior hierárquico e só da decisão deste é que pode recorrer
para um tribunal. Este critério tem subjacente a ideia de que quem dá a ultima
palavra e compromete a Administração é o superior e não o subalterno.
Mais uma vez, o Professor Vasco
Pereira da Silva considera esta acepção de definitividade vertical desprovida
de sentido, na medida em que não existem diferenças de natureza entre o acto do
superior e o do subalterno, pelo que, sendo as actuações administrativas de um
e do outro materialmente idênticas e uma vez lesivas de direitos dos
particulares devem ser ambas, imediata e directamente recorríveis. Esta
perspectiva é mais uma vez constitucionalmente sustentada pelo artº 268º nº4
que não exige o recurso hierárquico prévio ao contencioso.
(c)
Segundo
o Professor Freitas do Amaral a definitividade em sentido material representa a
característica do acto administrativo que, no exercício do poder
administrativo, “define a situação jurídica do particular perante a
Administração, ou da Administração perante um particular”, definição esta que
já é inerente ao próprio conceito restrito de acto administrativo propugnado pelo
autor.
Ora, Vasco Pereira da Silva, apoiado
pela jurisprudência, criticou desde sempre esta perspectiva, na altura apoiada
quer pelo legislador quer pela doutrina, na medida em que, este critério,
subjacente a uma Administração autoritária que decidia de forma unilateral, ao
delimitar substancialmente a possibilidade de acesso ao juiz por parte dos
particulares deixava de fora actuações administrativas carecidas de tutela
(nomeadamente os actos lesivos não reguladores). Para o Professor este critério
tornava-se então desprovido de sentido por deixar fora do alcance do controlo
jurisdicional a maior parte das actuações administrativas, por não se
encaixarem nesta ideia de “definição do Direito”, acabando por se desproteger
os particulares mediante actuações lesivas por parte da Administração Pública.
Invocando desde cedo o descabimento deste pressuposto da recorribilidade,
desadequado à realidade administrativa mais moderna, em 1989, a revisão
constitucional acabou por dar razão ao Professor, na reformulação do artigo
268º nº4.
0 comentários:
Enviar um comentário