Durante muito tempo, entendeu-se
que a actividade administrativa, compreendia apenas três categorias de actos
juridicos: o acto unilateral normativo (o regulamento), a decisão unilateral de
um caso concreto (acto administrativo) e o acordo bilateral produtor de efeitos
jurídicos (o contrato administrativo).
Com a evolução do conceito de
Direito Administrativo, passou-se a considerar como também fazendo parte da
actuação da Administração Pública, as operações materiais realizadas por ela.
O Prof. Freitas do Amaral define
as operações materiais como “quaisquer tipos de actuação física levada a cabo
pela Administração Pública, ou em seu nome ou por sua conta, para conservar ou
modificar uma dada situação de facto no mundo real.”
As operações materiais são
portanto uma actividade não jurídica, mas contrariamente ao que se julgava, não
estão isentas de valor jurídico.
Pelo art 2º nº5 do CPA vemos que os princípios que regem a actividade
(jurídica) da Administração, aplica-se a “toda e qualquer actuação da Administração Pública, ainda
que meramente técnica ou de gestão privada.”
O que nos leva a afirmar que
também a actividade não jurídica está sujeita aos dois princípios basilares do
art. 266º CRP. Nomeadamente, ao princípio da prossecução do interesse publico e
do princípio da legalidade.
As operações materiais, ganham
também relevância jurídica por via da responsabilidade civil (art.22º e 271º
CRP). No caso de a Administração provocar algum dano por violação de forma
ilícita de direitos de um particular, tem o particular o direito de pedir uma
indemnização pelo dano sofrido.
A questão põe-se, podendo as
operações materiais incluir-se tanto no âmbito da actividade administrativa de
gestão pública como de gestão privada, que regime se aplicaria numa e noutra
situação. A que tribunal poderia recorrer o particular, ao cível ou ao
administrativo.
Segundo o prof. Vasco Pereira da
Silva, a Administração quando é responsável por um dano, responde
independentemente do fio condutor. Deve haver um regime único, pois se o dano é
produzido na função administrativa, responde a Administração.
Com a reforma do contencioso em
2004, veio remeter-se o tratamento de todas as questões relativas à
responsabilidade da Administração para os tribunais administrativos. Com efeito, o novo ETAF concentrou nos
tribunais administrativos a competência para conhecer da responsabilidade civil
contratual resultante do incumprimento de contratos sujeitos ao procedimento
administrativo. Idêntica solução foi adoptada quanto à responsabilidade civil extracontratual.
Mais difícil que encontrar o
tribunal competente, é o de decidir qual o regime jurídico a aplicar.
Para o Prof. Vasco Pereira da
Silva, as operações materiais são unas, não fazendo sentido qualificar uma
operação material como de gestão privado ou pública, para distinção do regime a
aplicar. Pois um acto material é igual quer seja de gestão privada ou gestão
publica. Tomemos por exemplo a actuação de um médico, os procedimentos a seguir
e o dever de cuidado, são idênticos quer numa ou noutra situação.
No art. 1º nº5 da lei 67/2007, que aprovou em 31 de Dezembro 2007, o
regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas
(RCEEP), encontramos referido:
“As disposições que, na presente
lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem
como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos
decorrentes do exercício da função
administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade
civil de pessoas colectivas
de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos
sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que
adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam
reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo. “
O critério para a aplicação do direito público numa situação de
responsabilidade civil extracontratual, não é o facto de o dano ter sido
praticado no âmbito de uma actuação de gestão pública, mas sim no exercício da
função administrativa. Sendo este um conceito vasto e indeterminado,
dificilmente se encontra uma actuação que não seja no exercício da função
administrativa, até porque como referido anteriormente, o art 2º nº 5 do CPA vem sujeitar qualquer actuação da Administração
Pública, “ainda que
meramente técnica ou de gestão privada”
aos princípios gerais do Direito Público.
O que torna, na minha opinião, irrelevante
nos dias de hoje, a dicotomia de gestão pública / gestão privada. Fazendo maior
sentido a unificação do regime.
Sandra Pina
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