domingo, 19 de maio de 2013

As operações materiais da Administração: que direito aplicar?

Durante muito tempo, entendeu-se que a actividade administrativa, compreendia apenas três categorias de actos juridicos: o acto unilateral normativo (o regulamento), a decisão unilateral de um caso concreto (acto administrativo) e o acordo bilateral produtor de efeitos jurídicos (o contrato administrativo).

Com a evolução do conceito de Direito Administrativo, passou-se a considerar como também fazendo parte da actuação da Administração Pública, as operações materiais realizadas por ela. 

O Prof. Freitas do Amaral define as operações materiais como “quaisquer tipos de actuação física levada a cabo pela Administração Pública, ou em seu nome ou por sua conta, para conservar ou modificar uma dada situação de facto no mundo real.”

As operações materiais são portanto uma actividade não jurídica, mas contrariamente ao que se julgava, não estão isentas de valor jurídico.

Pelo art 2º nº5 do CPA vemos que os princípios que regem a actividade (jurídica) da Administração, aplica-se a “toda e qualquer actuação da Administração Pública, ainda que meramente técnica ou de gestão privada.”
O que nos leva a afirmar que também a actividade não jurídica está sujeita aos dois princípios basilares do art. 266º CRP. Nomeadamente, ao princípio da prossecução do interesse publico e do princípio da legalidade.

As operações materiais, ganham também relevância jurídica por via da responsabilidade civil (art.22º e 271º CRP). No caso de a Administração provocar algum dano por violação de forma ilícita de direitos de um particular, tem o particular o direito de pedir uma indemnização pelo dano sofrido.

A questão põe-se, podendo as operações materiais incluir-se tanto no âmbito da actividade administrativa de gestão pública como de gestão privada, que regime se aplicaria numa e noutra situação. A que tribunal poderia recorrer o particular, ao cível ou ao administrativo.

Segundo o prof. Vasco Pereira da Silva, a Administração quando é responsável por um dano, responde independentemente do fio condutor. Deve haver um regime único, pois se o dano é produzido na função administrativa, responde a Administração. 

Com a reforma do contencioso em 2004, veio remeter-se o tratamento de todas as questões relativas à responsabilidade da Administração para os tribunais administrativos.  Com efeito, o novo ETAF concentrou nos tribunais administrativos a competência para conhecer da responsabilidade civil contratual resultante do incumprimento de contratos sujeitos ao procedimento administrativo. Idêntica solução foi adoptada quanto à responsabilidade civil extracontratual.

Mais difícil que encontrar o tribunal competente, é o de decidir qual o regime jurídico a aplicar.
Para o Prof. Vasco Pereira da Silva, as operações materiais são unas, não fazendo sentido qualificar uma operação material como de gestão privado ou pública, para distinção do regime a aplicar. Pois um acto material é igual quer seja de gestão privada ou gestão publica. Tomemos por exemplo a actuação de um médico, os procedimentos a seguir e o dever de cuidado, são idênticos quer numa ou noutra situação.

No art. 1º nº5 da lei 67/2007, que aprovou em 31 de Dezembro 2007, o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas (RCEEP), encontramos referido:
“As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade
civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo. “

O critério para a aplicação do direito público numa situação de responsabilidade civil extracontratual, não é o facto de o dano ter sido praticado no âmbito de uma actuação de gestão pública, mas sim no exercício da função administrativa. Sendo este um conceito vasto e indeterminado, dificilmente se encontra uma actuação que não seja no exercício da função administrativa, até porque como referido anteriormente, o art 2º nº 5 do CPA vem sujeitar qualquer actuação da Administração Pública, “ainda que meramente técnica ou de gestão privada” aos princípios gerais do Direito Público.

O que torna, na minha opinião, irrelevante nos dias de hoje, a dicotomia de gestão pública / gestão privada. Fazendo maior sentido a unificação do regime.

Sandra Pina


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