domingo, 19 de maio de 2013

Revogando o Acto Administrativo


A revogação do acto administrativo enquanto mecanismo, acarreta, na sua génese, duas teorias. Para alguns autores, a  natureza da revogação  prende-se com um acto de natureza negativa ou destrutiva, através do qual, por ilegalidade, inconveniência ou por via sancionatória, um órgão administrativo cessa os efeitos de um acto prévio; em oposição a esta corrente, outros autores defendem a revogação enquanto um acto de natureza positiva ou construtiva, assim nesta perspectiva, a revogação  comportaria um efeito repristinatório, na medida que, a revogação estaria associada a um não acompanhamento da extinção do acto anterior de uma nova decisão, embora seja possível acompanhar o acto anterior com uma nova decisão, e aqui, evidencia-se a característica construtiva desta corrente.
Pergunta-se se nos deparamos com uma regra geral, isto é, a revogação será sempre acompanhada de um efeito repristinatório?  Negativamente responde o Professor Freitas do Amaral, para quem, só se verificará um efeito repristinatório em situações em que haja duas revogações consecutiva, para efeitos elucidativos atente-se no artigo 146º do CPA, o qual dispõe:
Artigo 146
Efeitos repristinatórios da revogação
A revogação de um acto revogatório só produz efeitos repristinatórios se a lei ou o acto de revogação assim expressamente o determinarem.

Nem sempre foi o CPA o diploma responsável pelo funcionamento da revogação, antes deste encontrava-se na LOSTA, particularmente no seu artigo 18º, o funcionamento da mesma. Neste diploma somente se distinguia entre o regime de revogação dos actos constitutivos de direitos  e o regime dos actos não constitutivos de direitos, constata-se então, que a especificação do regime da revogação ocorreu com o CPA, no qual se procede à destrinça (com base nos artigos 139º a  141º do CPA) do regime de revogação dos:
- actos  insusceptíveis de revogação;
- actos válidos;
- actos inválidos.

No respeitante ao regime de revogação dos actos insusceptiveis de revogação, seja de observar o artigo 139º do CPA, o qual enumera os mesmos. São portanto actos insusceptiveis de revogação: os actos nulos ou inexistentes (por não terem qualquer tipo de efeitos jurídicos não se verifica procedente a revogação de um acto, à partida sem efeitos); os actos anulados contenciosamente (nestes também faltando, previamente, efeitos jurídicos a revogar), e por fim, os actos revogados com eficácia retroactiva . Todavia, no nº2  do mesmo artigo, conclui-se uma execepção, esta é, os actos cujos efeitos tenham caducado ou se encontrem esgotados podem ser objecto de revogação com eficácia retroactiva.
Já nos actos válidos é de tomar consciência que o artigo 140º do CPA não dispõe de um regime uniforme para este tipo de actos, distinguindo entre: actos livremente revogáveis; actos de revogação proibida (140º/1/a  e 140/1/c CPA) e actos de revogação condicionada (140º/1/b e 140º/2). Esmiuçando as alíneas do artigo 140º/1, verifica-se no proémio do número 1 do artigo 140º que nos deparamos com a regra geral, directamente correlacionada com o principio da prossecução do interesse público pela Administração (artigo 4º CPA); a alínea a) remete para a proibição da revogação dos actos anteriormente praticados pela Administração sob pena de ilegalidade, se tal proibição não for obedecida, então, rumar-se-á  para o desvalor jurídico da ilegalidade do conteúdo, por fim, a alinea b) trata da revogação condicionada no que concerne a actos constitutivos de direitos e actos constitutivos de interesses legalmente protegidos, estes actos são susceptiveis de revogação mediante certas circunstâncias (circunstâncias estas expressas no nº2 do artigo em questão). Resta solucionar a questão referente à distinção entre actos constitutivos de interesses legalmente protegidos e actos que não o sejam, face a isto, responde Freitas do Amaral que se deve atender ao artigo 6º-A do CPA, referente ao principio da Boa Fé, verificando deste modo os actos que merecem tutela face à livre revogabilidade da Administração.
Por sua via, nos actos inválidos, tende o Direito Administrativo português a defender que o regime será mais simples que o regime de revogação dos actos válidos, dado que, o acto inválido por si só, já é um acto ilegal, como tal, o propósito da revogação será somente liberar o ordenamento de um acto jurídico ilegal; contudo, este regime tem particularidades face aos demais, nomeadamente o facto do fundamento exclusivo da revogação residir unicamente na invalidade do acto anterior (por exemplo, não poderá ser fundamento da revogação , a pretensa invalidade da qual possa padecer o acto anterior); quanto à competência para revogar estes mesmos actos, terá de ser de acordo com o artigo 142 do CPA), por último, quanto ao prazo de revogação, terá este de ser um prazo reduzido.
Como é de constatar o regime da revogação não é uno e exige conhecimento do tipo de acto que se pretende revogar, daí a complexidade do mesmo. Tal característica também se adequa à forma (e formalidades) bem como a competência para revogar actos administrativos, como será seguidamente enunciado.
No ordenamento administrativo português não prima a regra da livre forma do acto de revogação, este está sujeito ao principio da identidade ou paralelismo das formas, através do qual o acto revogatório deve ter a mesma forma que o acto revogado. Todavia que tipo de forma? A forma legalmente prevista do acto revogado ou a forma efectivamente adoptada por este?  No que diz respeito à forma, deve este ser a forma devida, isto é, a forma legalmente prevista (veja-se o artigo 143º do CPA), embora existam excepções, ou seja, situações para as quais o acto revogatório não necessita de ter a forma devida do acto revogado, nomeadamente (a negrito):
Artigo 143.º
Forma dos actos de revogação
1 - O acto de revogação, salvo disposição especial, deve revestir a forma legalmente prescrita para o acto revogado.
       2 - No entanto, deve o acto de revogação revestir a mesma forma que tiver sido utilizada na prática do acto revogado quando a lei não estabelecer forma alguma para este, ou quando o acto revogado tiver revestido forma mais solene do que a legalmente prevista
.

Já nas formalidades, tal é disposto no artigo 144º do mesmo diploma, o qual prescreve a observância das formalidades adoptadas para a prática do acto revogado, havendo, à semelhança da forma, excepções: quando é disposto legalmente coisas diferente e implicitamente, quando as formalidades se relacionam somente com o acto revogado e como tal não deverão ser abrangidas pelo acto revogatório.
Face à competência, observe-se o artigo 142º , o qual enumera os agentes competentes para tal. Comece-se pelo autor do próprio acto, o competente em primeira instância, fundamentando-se isto na competência dispositiva do autor do acto. Trata Freitas do Amaral da situação de um acto praticado por um órgão incompetente, nesse caso quem teria competência para revoga-lo? O mesmo autor defende a posição de o autor efectivo ser realmente o agente competente para revogar o acto, embora o CPA não se pronuncie veemente por uma posição concreta. Ao autor do acto, segue-se o superior hierárquico do mesmo, advindo a competência deste de um poder se supervisão; o delegante também ele competente, não se alicerçando o fundamente de tal competência no poder de supervisão advindo da relação hierárquica, que possa existir, entre o delegante e o delegado, mas sim, como afirma Marcello Caetano das “(…) posições relativas do delegante e do delegado”, continuando o primeiro a ter maior preponderância face ao segundo; enumera-se por último, a competência dos  órgãos tutelares, todavia esta competência, consagrada no artigo 142º/3, é limitada na medida  em que tal competência deve estar inserida na competência geral elencada nos poderes tutelares.
Na revogação, como foi possível constatar, denota-se uma complexidade enquanto mecanismo, do qual não podem deixar de ser associados determinados efeitos jurídicos.  Finalizando, diferencie-se neste ponto a revogação anulatória e a revogação ab-rogatória.
 Na primeira, os efeitos do acto revogado são tidos como não produzidos, devido ao facto desta revogação ser retroactiva ao momento da prática do acto revogado; na segunda, os efeitos produzidos pelo acto revogado são protegidos, mais concretamente, mantêm-se inalterados, operando esta revogação no âmbito futuro, isto é, cessam para o futuro os efeitos que dado acto ainda estivesse apto a produzir.

Por: Cátia Ferrage (SubTurma 1 / Aluna nº 22026)
Bibliografia:
-Amaral, Diogo Freitas do – Curso de Direito Administrativo Volume II




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