terça-feira, 21 de maio de 2013

A Responsabilidade Objectiva do Estado : um exemplo de boa técnica legislativa


Em 1967 é publicado, pela primeira vez no nosso país, um regime jurídico regulador da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas.
Hoje, mais de 40 anos depois, o lapso temporal já nos permite fazer algumas considerações sobre o mesmo. 
Proponho-me a fazer algumas considerações acerca da responsabilidade objectiva presente nesse mesmo Decreto-lei, uma vez que a considero um exemplo legislativo.

O artigo 8º do DL 48 051 representou a primeira cláusula geral de responsabilidade objectiva presente no nosso ordenamento jurídico. Ora vejamos:

“O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem pelos prejuízos especiais e anormais resultantes do funcionamento de serviços administrativos excepcionalmente perigosos ou de coisas e actividades da mesma natureza, salvo se, nos termos gerais, se provar que houve força maior estranha ao funcionamento desses serviços ou ao exercício dessas actividades, ou culpa das vítima ou de terceiro, sendo neste caso a responsabilidade determinada segundo o grau de culpa de cada um. “

Até então, a doutrina sustentou que, em direito administrativo, a responsabilidade por factos ilícitos era de carácter geral e a responsabilidade objectiva se remetia a casos excepcionais. A letra da lei contrariou a doutrina. Tais considerações tiveram que ser abandonadas. 
Se é certo que em termos de responsabilidade por factos ilícitos o DL 48 051 deixou muito a desejar, uma vez que se manteve totalmente “do lado do Estado”, em termos de responsabilidade objectiva foi aplaudido pela doutrina. Alguns consideraram-no mesmo mais avançado do que o moderno e “acabadinho de sair” Código Civil de 1966, uma vez que, até este parecia indicar que as responsabilidades pelo risco e pelo sacrifício seríam subsidiárias da responsabilidade por factos ilícitos. Sustentavam-no com base no artigo 483/2 do Código Civil, que prevê uma enumeração taxativa. Não querendo entrar em querelas de direito civil, hoje verificamos que a doutrina trabalhou tais conceitos e, parece ser unânime que as duas últimas figuras não são subsidiárias da responsabilidade delitual. Não é desejável confundir o número de ocorrências com supletividade; também não é correcto confundir uma enumeração taxativa com supletividade.
Em períodos conturbados, onde tudo decorria muito repentinamente, como referido, esta cláusula geral de responsabilidade objectiva do Estado foi bem acolhida; especialmente com a entrada em vigor da CRP´76, na qual o seu artigo 22º constituiu uma folecral base de legitimação do regime da responsabilidade civil do Estado. 
Não sendo a interpretação do artigo em causa unânime, autores consideram que o artigo 22º CRP´76 consagra em termos amplos um princípio geral da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas. Podendo dizer-se que consagra um dever geral do Estado de reparar os danos que a sua actuação provoca. Assim, a CRP´76 só não distinguiria, no âmbito do princípio geral da responsabilidade do Estado e demais entidades públicas, entre a responsabilidade por factos ilícitos, lícitos e pelo risco, porque lei ordinária anterior, especificamente o DL em análise já tinha anteriormente aprofundado essas mesmas tipologias.( opinião do Prof. CABRAL DE MONCADA )
Mas também surgiram vozes discordantes, considerando que a responsabilidade pelo risco não caberia na letra lei do art.22º CRP´76.(Prof. RUI MEDEIROS).
Tendo consciência que é mais fácil tomar partido na querela agora do que nos anos 70, época em que os Profs. se pronunciaram, considero que o artigo 22º CRP´76 pretendeu englobar todas as responsabilidades possíveis de indemnizar danos aos particulares. Considero argumentos importantes: uma interpretação histórica e sistemática do preceito, que me leva a concluir que o objectivo do nosso sistema Constitucional na vigência da actual Constituição é a máxima igualdade de todos os particulares perante a Administração Pública; considero também que, sendo todo o instituto da responsabilidade civil “importado” do direito privado ( talvez à excepção da responsabilidade pelo sacrifício), poderá também ser “importado” o princípio de quem danifica deve tornar indmne. Por fim, penso que sendo a CRP´76 uma Constituição nascida para a criação de um Estado Social, a crescente intervenção do Estado na sociedade deverá ser acompanhada por uma crescente responsabilização de ambos os lados – do lado do Estado e do lado da Sociedade. Será esta uma manifestação do princípio da segurança jurídica? Talvez.
Enveredando por uma ampla legitimação constitucional deste instituto de responsabilidade, cabe passar à sua efectivação: Qual o sistema de pressupostos a verificar perante o art.8º do DL 48 051?
Como pressupostos essenciais deve-se extraír (1) o “prejuízo anormal e essencial” , (2) “decorrente de actividades/serviços administrativos excepcionalmente perigosos”.
Perante tal sistema perguntamo-nos: Sob a capa de uma cláusula geral não estaremos perante uma cláusula altamente limitativa da responsabilidade pelo risco do Estado e demais entidades públicas?
Não o considero. É um facto que os pressupostos limitam a aplicação da responsabilidade pelo risco, é outro facto que poderíam ser menos limitativos mas, tendo em conta que o preceito foi redigido numa Estado ditatorial, que é inovador e que põe em prática um instituto com menos de 30 anos de “vida”, o sistema de pressupostos parece-me ser de considerar justo. E será que foi eficaz? A Dra. CARLA AMADO GOMES apresenta como causa de eficácia deste preceito o facto de, contrariamente ao Código Civil que procede a uma enumeração taxativa, o art.8º estabelecer uma clásula geral. É uma consideração interessantíssima, que em grande parte justifica o sucesso deste artigo.
Parece-me ser o momento ideal para justificar porque gira toda a minha argumentação em torno do sucesso do instituto da responsabilidade objectiva no DL 48 051, apresento como resposta o novo artigo que prevê a responsabilidade objectiva do Estado e demais entidades públicas, o artigo 11º da lei 67/2007:

"1 — O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público respondem pelos danos decorrentes de actividades, coisas ou serviços administrativos especialmente perigosos, salvo quando, nos termos gerais, se prove que houve força maior ou concorrência de culpa do lesado, podendo o tribunal, neste último caso, tendo em conta todas as circunstâncias, reduzir ou excluir a indemnização.

2 — Quando um facto culposo de terceiro tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos, o Estado e as demais pessoas colectivas de direito público respondem solidariamente com o terceiro, sem prejuízo do direito de regresso"

41 anos depois, marcados pela rápida evolução da sociedade ( a todos os níveis!), verificamos que o legislador em muito pouco alterou a previsão da responsabilidade objectiva. 
De facto, houve uma alteração positiva: o conceito qualitativo de dano foi ampliado, deixou de reportar a danos “especiais e anormais” para qualquer tipo de dano. O segundo requisito foi mantido.
Contrariamente, na responsabilidade por factos ilícitos, verificou-se uma profunda e bastante corajosa alteração do instituto, que, doutrinariamente foi bastante aplaudida, jurisprudencialmente ainda pouco, uma vez que são raríssimas as decisões no âmbito da mesma.
Note-se que apesar do justo leque de situações que a responsabilidade pelo risco do Estado pode abranger, esta não é absoluta: o artigo 11º apresenta três causas de exclusão/diminuição da responsabilidade, a culpa do lesado, a culpa de terceiro e o motivo de força maior.
Se a doutrina é unânime quanto à maior justiça deste novo regime de responsabilidade ( agora considerando a subjectiva e objectiva), também revela um acrescer de preocupações quanto à sustentabilidade do mesmo. A solução passará por um maior controlo a priori, tentando alcançar uma maior eficiência em todos os sectores da Administração Pública. A responsabilização “0” da Administração penso que será impossível de se alcançar, nem considero que seja esse o objectivo do sistema, uma vez que dada a ratio da responsabilidade pelo risco, será responsabilizado o Estado ( em sentido estrito) pelas situações em que este prosseguindo o interesse público ( agora Estado em sentido amplo) provoca, sem culpa e ilicitude, danos aos particulares. Se sustentamos um Estado interventor, temos que prever adequadamente as “consequências” decorrentes desse constante trabalho de intervenção.
Concluíndo, verificámos que de 1966 para cá, muito mudou em termos de responsabilidade civil, especialmente em termos de responsabilidade subjectiva. Como principal causa dessa mudança ( em 2007) considero a vontade política, ou melhor, a falta de vontade política dos inúmeros Governos anteriores. Esta nova lei é uma lei, como se compreende, “caríssima” para o Estado.
Aproveito para clarificar que a o regime se aplica a todo o SPA, que aumentou exponencialmente desde a elaboração do regime de responsabilidade extra-contratual do Estado de 1966. 
Quanto à responsabilidade objectiva, que aprofundei, considero que a evolução foi muito menos relevante do que na anterior, mas sendo, de qualquer modo, de valorizar. Como causas desta maior coerência referi e reitero: a óptima técnica legislativa adoptada em 1967, avançada para a época, que a história demonstrou ser bastante astuta.
Tendo como principais objectivos a mais eficiente possível prossecução dos príncipios da igualdade entre cidadãos e da justiça cumutativa e distributiva, considero a lei 67/2007 um exemplo legislativo. 
Do ponto de vista económico tem a desvantagem acima referida.
Nos tempos difíceis em que vivemos, as críticas à corrente lei têm aumentado; infelizmente estas críticas não sedevem à sua ineficiência mas à sua eficiência, que certos sectores consideram excessiva. Penso que ( ou melhor, tenho a certeza) que não foi objectivo do legislador desperdiçar o dinheiro dos contribuintes em indemnizações aos particulares, nem por responsabilidade subjectiva nem objectiva. 
Reitero que, na minha opinião, o caminho passa por um maior controlo na fase de prevenção e não na fase de remediação. Uma maior técnica de responsabilização dos orgãos praticantes dos actos lesivos para o Estado também seria bem-vinda; na responsabilidade subjectiva claro.


BIBLIOGRAFIA :  FREITAS DO AMARAL, DIOGO  Curso de Direito Administrativo Vol.II
                             
                              GOMES CANOTILHO, J.J             O Problema da Responsabilidade do Estado por actos lícitos
                              AMADO GOMES, CARLA              A Responsabilidade pelo Risco na Lei 67/2007



                                                                                                      Afonso Costa Gomes
                                                                                                               Nº 21987

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