Em 1967 é publicado, pela primeira vez no nosso país, um regime jurídico regulador da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas.
Hoje, mais de 40 anos
depois, o lapso temporal já nos permite fazer algumas considerações sobre o
mesmo.
Proponho-me a fazer
algumas considerações acerca da responsabilidade objectiva presente nesse mesmo
Decreto-lei, uma vez que a considero um exemplo legislativo.
O artigo 8º do DL 48 051
representou a primeira cláusula geral de responsabilidade objectiva presente no
nosso ordenamento jurídico. Ora vejamos:
“O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem
pelos prejuízos especiais e anormais resultantes do funcionamento de serviços
administrativos excepcionalmente perigosos ou de coisas e actividades da mesma
natureza, salvo se, nos termos gerais, se provar que houve força maior estranha
ao funcionamento desses serviços ou ao exercício dessas actividades, ou culpa
das vítima ou de terceiro, sendo neste caso a responsabilidade determinada
segundo o grau de culpa de cada um. “
Até então, a doutrina sustentou que, em
direito administrativo, a responsabilidade por factos ilícitos era de carácter
geral e a responsabilidade objectiva se remetia a casos excepcionais. A letra da
lei contrariou a doutrina. Tais considerações tiveram que ser abandonadas.
Se é
certo que em termos de responsabilidade por factos ilícitos o DL 48 051 deixou
muito a desejar, uma vez que se manteve totalmente “do lado do Estado”, em
termos de responsabilidade objectiva foi aplaudido pela doutrina. Alguns
consideraram-no mesmo mais avançado do que o moderno e “acabadinho de sair”
Código Civil de 1966, uma vez que, até este parecia indicar que as
responsabilidades pelo risco e pelo sacrifício seríam subsidiárias da
responsabilidade por factos ilícitos. Sustentavam-no com base no artigo 483/2 do Código Civil,
que prevê uma enumeração taxativa. Não querendo entrar em querelas de direito
civil, hoje verificamos que a doutrina trabalhou tais conceitos e, parece ser
unânime que as duas últimas figuras não são subsidiárias da responsabilidade
delitual. Não é desejável confundir o número de ocorrências com supletividade;
também não é correcto confundir uma enumeração taxativa com supletividade.
Em períodos conturbados,
onde tudo decorria muito repentinamente, como referido, esta cláusula geral de
responsabilidade objectiva do Estado foi bem acolhida; especialmente com a
entrada em vigor da CRP´76, na qual o seu artigo 22º constituiu uma folecral
base de legitimação do regime da responsabilidade civil do Estado.
Não sendo a
interpretação do artigo em causa unânime, autores consideram que o artigo 22º CRP´76 consagra em termos amplos um princípio
geral da responsabilidade civil do Estado e demais entidades públicas. Podendo
dizer-se que consagra um dever geral do Estado de reparar os danos que a sua
actuação provoca. Assim, a CRP´76 só não distinguiria, no âmbito do princípio
geral da responsabilidade do Estado e demais entidades públicas, entre a responsabilidade
por factos ilícitos, lícitos e pelo risco, porque lei ordinária anterior,
especificamente o DL em análise já tinha anteriormente aprofundado essas mesmas
tipologias.( opinião do Prof. CABRAL DE MONCADA )
Mas
também surgiram vozes discordantes, considerando que a responsabilidade pelo
risco não caberia na letra lei do
art.22º CRP´76.(Prof. RUI MEDEIROS).
Tendo
consciência que é mais fácil tomar partido na querela agora do que nos anos 70,
época em que os Profs. se pronunciaram, considero que o artigo 22º CRP´76 pretendeu
englobar todas as responsabilidades possíveis de indemnizar danos aos
particulares. Considero argumentos importantes: uma interpretação histórica e sistemática
do preceito, que me leva a concluir que o objectivo do nosso sistema Constitucional
na vigência da actual Constituição é a máxima igualdade de todos os
particulares perante a Administração Pública; considero também que, sendo todo
o instituto da responsabilidade civil “importado” do direito privado ( talvez à
excepção da responsabilidade pelo sacrifício), poderá também ser “importado” o
princípio de quem danifica deve tornar indmne. Por fim, penso que sendo a CRP´76 uma Constituição nascida para a criação de um
Estado Social, a crescente intervenção do Estado na sociedade deverá ser
acompanhada por uma crescente responsabilização de ambos os lados – do lado do
Estado e do lado da Sociedade. Será esta uma manifestação do princípio da
segurança jurídica? Talvez.
Enveredando
por uma ampla legitimação constitucional deste instituto de responsabilidade,
cabe passar à sua efectivação: Qual o sistema de pressupostos a verificar
perante o art.8º do DL 48 051?
Como
pressupostos essenciais deve-se extraír (1) o “prejuízo anormal e essencial” ,
(2) “decorrente de actividades/serviços administrativos excepcionalmente
perigosos”.
Perante
tal sistema perguntamo-nos: Sob a capa de uma cláusula geral não estaremos
perante uma cláusula altamente limitativa da responsabilidade pelo risco do
Estado e demais entidades públicas?
Não o
considero. É um facto que os pressupostos limitam a aplicação da
responsabilidade pelo risco, é outro facto que poderíam ser menos limitativos
mas, tendo em conta que o preceito foi redigido numa Estado ditatorial, que é
inovador e que põe em prática um instituto com menos de 30 anos de “vida”, o
sistema de pressupostos parece-me ser de considerar justo. E será que foi
eficaz? A Dra. CARLA AMADO GOMES apresenta como causa de eficácia deste
preceito o facto de, contrariamente ao Código Civil que procede a uma
enumeração taxativa, o art.8º estabelecer uma clásula geral. É uma consideração
interessantíssima, que em grande parte justifica o sucesso deste artigo.
Parece-me
ser o momento ideal para justificar porque gira toda a minha argumentação em
torno do sucesso do instituto da responsabilidade objectiva no DL 48 051,
apresento como resposta o novo artigo que prevê a responsabilidade objectiva do
Estado e demais entidades públicas, o artigo 11º da lei 67/2007:
"1 — O Estado e as demais pessoas colectivas de direito
público respondem pelos danos decorrentes de actividades, coisas ou serviços
administrativos especialmente perigosos, salvo quando, nos termos gerais, se
prove que houve força maior ou concorrência de culpa do lesado, podendo o
tribunal, neste último caso, tendo em conta todas as circunstâncias, reduzir ou
excluir a indemnização.
2 — Quando um facto culposo de terceiro tenha concorrido
para a produção ou agravamento dos danos, o Estado e as demais pessoas
colectivas de direito público respondem solidariamente com o terceiro, sem
prejuízo do direito de regresso"
41 anos depois, marcados pela rápida evolução da
sociedade ( a todos os níveis!), verificamos que o legislador em muito pouco
alterou a previsão da responsabilidade objectiva.
De facto, houve uma alteração
positiva: o conceito qualitativo de dano foi ampliado, deixou de reportar a
danos “especiais e anormais” para qualquer tipo de dano. O segundo requisito
foi mantido.
Contrariamente, na responsabilidade por factos
ilícitos, verificou-se uma profunda e bastante corajosa alteração do instituto,
que, doutrinariamente foi bastante aplaudida, jurisprudencialmente ainda pouco,
uma vez que são raríssimas as decisões no âmbito da mesma.
Note-se que apesar do justo leque de situações que a
responsabilidade pelo risco do Estado pode abranger, esta não é absoluta: o
artigo 11º apresenta três causas de exclusão/diminuição da responsabilidade, a
culpa do lesado, a culpa de terceiro e o motivo de força maior.
Se a doutrina é unânime quanto à maior justiça deste
novo regime de responsabilidade ( agora considerando a subjectiva e objectiva),
também revela um acrescer de preocupações quanto à sustentabilidade do mesmo. A
solução passará por um maior controlo a priori, tentando alcançar uma maior
eficiência em todos os sectores da Administração Pública. A responsabilização “0”
da Administração penso que será impossível de se alcançar, nem considero que
seja esse o objectivo do sistema, uma vez que dada a ratio da responsabilidade
pelo risco, será responsabilizado o Estado ( em sentido estrito) pelas
situações em que este prosseguindo o interesse público ( agora Estado em sentido amplo)
provoca, sem culpa e ilicitude, danos aos particulares. Se sustentamos um
Estado interventor, temos que prever adequadamente as “consequências”
decorrentes desse constante trabalho de intervenção.
Concluíndo, verificámos que de 1966 para cá, muito
mudou em termos de responsabilidade civil, especialmente em termos de
responsabilidade subjectiva. Como principal causa dessa mudança ( em 2007)
considero a vontade política, ou melhor, a falta de vontade política dos inúmeros Governos anteriores. Esta nova lei é uma lei, como se compreende, “caríssima”
para o Estado.
Aproveito para clarificar que a o regime se aplica a
todo o SPA, que aumentou exponencialmente desde a elaboração do regime de
responsabilidade extra-contratual do Estado de 1966.
Quanto à responsabilidade
objectiva, que aprofundei, considero que a evolução foi muito menos relevante
do que na anterior, mas sendo, de qualquer modo, de valorizar. Como causas
desta maior coerência referi e reitero: a óptima técnica legislativa adoptada
em 1967, avançada para a época, que a história demonstrou ser bastante astuta.
Tendo como principais objectivos a mais eficiente
possível prossecução dos príncipios da igualdade entre cidadãos e da justiça
cumutativa e distributiva, considero a lei 67/2007 um exemplo legislativo.
Do
ponto de vista económico tem a desvantagem acima referida.
Nos tempos difíceis em que vivemos, as críticas à
corrente lei têm aumentado; infelizmente estas críticas não sedevem à sua
ineficiência mas à sua eficiência, que certos sectores consideram excessiva. Penso que ( ou melhor,
tenho a certeza) que não foi objectivo do legislador desperdiçar o dinheiro dos
contribuintes em indemnizações aos particulares, nem por responsabilidade subjectiva
nem objectiva.
Reitero que, na minha opinião, o caminho passa por um maior
controlo na fase de prevenção e não na fase de remediação. Uma maior técnica de
responsabilização dos orgãos praticantes dos actos lesivos para o Estado também
seria bem-vinda; na responsabilidade subjectiva claro.
BIBLIOGRAFIA : FREITAS DO AMARAL, DIOGO Curso de Direito Administrativo Vol.II
GOMES CANOTILHO, J.J O Problema da Responsabilidade do Estado por actos lícitos
AMADO GOMES, CARLA A Responsabilidade pelo Risco na Lei 67/2007
Afonso Costa Gomes
Nº 21987
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