sábado, 11 de maio de 2013

A Audiência de Interessados no procedimento administrativo: Breves considerações


Ao longo dos tempos, o procedimento administrativo tem vindo a evoluir para uma figura de garante dos interesses legítimos e direitos subjectivos dos particulares, acompanhando todo o sentido que as correntes subjectivistas vieram atribuir ao Direito Administrativo moderno. O aperfeiçoamento das garantias e reforço dos direitos surgem como objectivos primários da Administração, primorando os seus deveres enquanto conjunto de entidades públicas que se subjazem à prossecução do interesse público e demais princípios que da sua cascata vão escoando. Com efeito, o procedimento administrativo é, redundante e relevantemente, um procedimento, com articulados normativos ínsitos à própria noção de legalidade administrativa, constitucionalmente tutelada pelo 266º/2 CRP.
A nível qualificativo, o procedimento administrativo actua como um legitimador da actuação administrativa. LUHMANN deixa-o bem claro: "A função legitimadora do procedimento não está em se produzir consenso entre as partes, mas em tornar inevitáveis e prováveis decepções em decepções difusas (...); basta que se contorne a incerteza na qual uma decisão ocorrerá pela certeza de que uma decisão ocorrerá, para legitimá-la".
No fundo, procedimento busca a decisão mais adequada e mais justa através do confronto ponderado entre os interesses envolvidos, harmonizando-os em suma.
Como qualquer acção administrativa, o procedimento administrativo está vinculado a princípios que o balizam. A par do princípio da prossecução do interesse público (que não é apenas um princípio, mas também uma finalidade), todos os restantes princípios conectam-se ao princípio da legalidade administrativa (266º/2 CRP e 3º CPA). Cumpre, não obstante, apontar os restantes orientadores por excelência, para além dos artigos já referenciados: Igualdade (124º/1-d) CPA), imparcialidade (6º, 44º e 48º CPA), finalidade (obediência à finalidade legalmente prevista, directamente ligado ao interesse público), motivação (fundamentação dos actos), razoabilidade (conectado com a boa-fé, impõe ao administrador uma actuação dentro de critérios aceitáveis), proporcionalidade (18º/2 CRP, 5º CPA), boa-fé (5º e 6º-A CPA), moralidade (mandamento geral de boa conduta administrativa), ampla defesa e contraditório (dever de informar, respeito pelo iter procedimental, direito de vista dos autos e direitos de defesa), segurança jurídica (previsibilidade do ordenamento jurídico), eficiência (10º CPA), colaboração (7º CPA), participação (268º/1 CRP, 7º CPA), decisão (9º CPA), formalismo moderado (a forma como garantia do administrado), oficialidade (a autoridade competente é a que deve iniciar o procedimento - 29º/1 CPA), verdade material (aquela que corresponde à real verdade, e não à verdade documentada), publicidade (condição sine qua non da existência do procedimento), gratuidade (11º/2 CPA), pluralidade de instâncias (abrange uma pluralidade de direitos).
Elencados os norteadores do procedimento administrativo, passemos agora a uma figura que tem vindo a ganhar terreno nas decisões da Administração e prima pela legitimidade que obtém no processo decisório: a audiência de interessados. Conhecida como public hearing no direito norte-americano (onde a figura é deveras mais proeminente), a audiência de interessados é a melhor forma de garantir a eficácia e efectividade das decisões admninistrativas pelo simples facto de ser legitimada pela participação dos interessados. É o cumprimento por excelência do artigo 268º CRP, que vem apontar as cláusulas gerais da Open Administration, a "Administração aberta", transparente e vedada ao arbítrio e aos procedimentos ilegítimos. Desta feita, o interessado acaba por ter uma influência directa nas decisões administrativas, recorrendo à informação que lhe é prestada e concretizando o seu direito ao contraditório. Entende a doutrina constitucional que o direito à informação (48º CRP) é tão relevante em sede de participação democrática na actividade estatal, que lhe é conferida a natureza análoga a direito fundamental, através do artigo 16º CRP (JORGE MIRANDA chama-lhes direitos de grau supraconstitucional).
A natureza da audiência de interessados sustenta, segundo FREITAS DO AMARAL, "um modelo de participação garantístico".  Para este efeito, o 267º/4 CRP é vinculativo em dois aspectos: a) Não é possível a eliminação dos direitos de participação na formação de actos administrativos já consagrados em lei ordinária, porque seriam contrários a uma directriz constitucional; b) Obrigação da Administração ouvir os interessados antes da decisão final que lhes diga respeito. Neste sentido, apesar do conceito de interessados sugerir um qualificativo restrito, a preferência do legislador pela expressão em preterição de Partes no artigo 52º CPA aponta para uma garantia mais geral. Naturalmente, não é impeditivo de se proceder a uma destrinça entre os mais variados tipos de interessados (decorrência lógica da heterogeneidade do interesse público, expressão cunhada por ODETE MEDAUAR): Podemos distinguir entre interessados obrigatórios (os destinatários dos efeitos da decisão administrativa) e interessados facultativos (aqueles a quem a titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido lhes confere a faculdade de participarem no processo). O entroncamento da distinção surge precisamente no corolário constitucional: O 268º/3 CRP, em sede de concretização do modelo de administração participada, determina que são interessados os que devem ser notificados pelo acto administrativo.
Note-se que a audiência de interessados representa apenas uma das fases do procedimento administrativo (em especial, a 3ª fase). No entanto, não nos iremos ocupar (tanto por uma questão de oportunidade como por não se inserir no âmbito da matéria em estudo na cadeira de Direito Administrativo II) das questões processuais que lhe antecedem. Como tal, da audiência de interessados cumpre, por fim, referir que se desdobra em diversos direitos, sendo eles os direitos de defesa (quando os interessados sejam acusados da prática de um acto ilícito), oposição (admissão a concurso público), representação (contestação de projectos tornados públicos dos quais resultam danos para eles mesmos) e resposta (concretização do direito ao contraditório).
A audiência de interessados surge, então, como uma manifestação directa do princípio do contraditório, assegurando através da imparcialidade e publicidade de uma discussão a harmonização de interesses, através da forma mais directa de contraposição de critérios entre Admnistração e administrados. É, em bom rigor, uma “pedra-toque” da democracia directa: Mais uma vitória para a Administração Pública.


Paulo Fernando Ramos

BIBLIOGRAFIA E DIPLOMAS

- FREITAS DO AMARAL, Diogo. "Curso de Direito Administrativo - Vol. II"
- Instituto Nacional de Administração. "O direito de Audiência Prévia dos Interessados: Porquê, Quando e Como?"
- BRAGA, Luziânia Carla Pinheiro. "Audiência dos interessados no procedimento administrativo"
- Constituição da República Portuguesa
- Código do Procedimento Administrativo

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