Ao longo dos
tempos, o procedimento administrativo tem vindo a evoluir para uma figura de
garante dos interesses legítimos e direitos subjectivos dos particulares,
acompanhando todo o sentido que as correntes subjectivistas vieram atribuir ao
Direito Administrativo moderno. O aperfeiçoamento das garantias e reforço dos
direitos surgem como objectivos primários da Administração, primorando os seus
deveres enquanto conjunto de entidades públicas que se subjazem à prossecução
do interesse público e demais princípios que da sua cascata vão escoando. Com
efeito, o procedimento administrativo é, redundante e relevantemente, um procedimento,
com articulados normativos ínsitos à própria noção de legalidade
administrativa, constitucionalmente tutelada pelo 266º/2 CRP.
A nível
qualificativo, o procedimento administrativo actua como um legitimador da
actuação administrativa. LUHMANN deixa-o bem claro: "A função legitimadora
do procedimento não está em se produzir consenso entre as partes, mas em tornar
inevitáveis e prováveis decepções em decepções difusas (...); basta que se
contorne a incerteza na qual uma decisão ocorrerá pela certeza de que uma
decisão ocorrerá, para legitimá-la".
No fundo,
procedimento busca a decisão mais adequada e mais justa através do confronto
ponderado entre os interesses envolvidos, harmonizando-os em suma.
Como qualquer
acção administrativa, o procedimento administrativo está vinculado a princípios
que o balizam. A par do princípio da prossecução do interesse público (que não
é apenas um princípio, mas também uma finalidade), todos os restantes
princípios conectam-se ao princípio da legalidade administrativa (266º/2 CRP e
3º CPA). Cumpre, não obstante, apontar os restantes orientadores por
excelência, para além dos artigos já referenciados: Igualdade (124º/1-d)
CPA), imparcialidade (6º, 44º e 48º CPA), finalidade (obediência
à finalidade legalmente prevista, directamente ligado ao interesse público),
motivação (fundamentação dos actos), razoabilidade (conectado com a
boa-fé, impõe ao administrador uma actuação dentro de critérios aceitáveis), proporcionalidade
(18º/2 CRP, 5º CPA), boa-fé (5º e 6º-A CPA), moralidade (mandamento
geral de boa conduta administrativa), ampla defesa e contraditório
(dever de informar, respeito pelo iter procedimental, direito de vista
dos autos e direitos de defesa), segurança jurídica (previsibilidade do
ordenamento jurídico), eficiência (10º CPA), colaboração (7º
CPA), participação (268º/1 CRP, 7º CPA), decisão (9º CPA), formalismo
moderado (a forma como garantia do administrado), oficialidade (a
autoridade competente é a que deve iniciar o procedimento - 29º/1 CPA), verdade
material (aquela que corresponde à real verdade, e não à verdade
documentada), publicidade (condição sine qua non da existência do
procedimento), gratuidade (11º/2 CPA), pluralidade de instâncias (abrange
uma pluralidade de direitos).
Elencados os
norteadores do procedimento administrativo, passemos agora a uma figura que tem
vindo a ganhar terreno nas decisões da Administração e prima pela legitimidade
que obtém no processo decisório: a audiência de interessados. Conhecida como public
hearing no direito norte-americano (onde a figura é deveras mais
proeminente), a audiência de interessados é a melhor forma de garantir a
eficácia e efectividade das decisões admninistrativas pelo simples facto de ser
legitimada pela participação dos interessados. É o cumprimento por excelência
do artigo 268º CRP, que vem apontar as cláusulas gerais da Open
Administration, a "Administração aberta", transparente e vedada
ao arbítrio e aos procedimentos ilegítimos. Desta feita, o interessado acaba
por ter uma influência directa nas decisões administrativas, recorrendo à
informação que lhe é prestada e concretizando o seu direito ao contraditório.
Entende a doutrina constitucional que o direito à informação (48º CRP) é tão
relevante em sede de participação democrática na actividade estatal, que lhe é
conferida a natureza análoga a direito fundamental, através do artigo 16º CRP
(JORGE MIRANDA chama-lhes direitos de grau supraconstitucional).
A natureza da
audiência de interessados sustenta, segundo FREITAS DO AMARAL, "um modelo
de participação garantístico". Para
este efeito, o 267º/4 CRP é vinculativo em dois aspectos: a) Não é possível a
eliminação dos direitos de participação na formação de actos administrativos já
consagrados em lei ordinária, porque seriam contrários a uma directriz constitucional;
b) Obrigação da Administração ouvir os interessados antes da decisão final que
lhes diga respeito. Neste sentido, apesar do conceito de interessados sugerir um qualificativo restrito, a preferência do
legislador pela expressão em preterição de Partes
no artigo 52º CPA aponta para uma garantia mais geral. Naturalmente, não é
impeditivo de se proceder a uma destrinça entre os mais variados tipos de
interessados (decorrência lógica da heterogeneidade
do interesse público, expressão cunhada por ODETE MEDAUAR): Podemos
distinguir entre interessados obrigatórios (os destinatários dos efeitos da
decisão administrativa) e interessados facultativos (aqueles a
quem a titularidade de um direito ou interesse legalmente protegido lhes confere
a faculdade de participarem no processo). O entroncamento da distinção surge
precisamente no corolário constitucional: O 268º/3 CRP, em sede de concretização
do modelo de administração participada, determina que são interessados os que
devem ser notificados pelo acto administrativo.
Note-se que a
audiência de interessados representa apenas uma das fases do procedimento
administrativo (em especial, a 3ª fase). No entanto, não nos iremos ocupar (tanto
por uma questão de oportunidade como por não se inserir no âmbito da matéria em
estudo na cadeira de Direito Administrativo II) das questões processuais que
lhe antecedem. Como tal, da audiência de interessados cumpre, por fim, referir
que se desdobra em diversos direitos, sendo eles os direitos de defesa (quando os interessados sejam
acusados da prática de um acto ilícito),
oposição (admissão a concurso público),
representação (contestação de projectos tornados públicos dos quais
resultam danos para eles mesmos) e resposta (concretização do direito ao
contraditório).
A audiência
de interessados surge, então, como uma manifestação directa do princípio do
contraditório, assegurando através da imparcialidade e publicidade de uma
discussão a harmonização de interesses, através da forma mais directa de
contraposição de critérios entre Admnistração e administrados. É, em bom rigor,
uma “pedra-toque” da democracia directa: Mais uma vitória para a Administração
Pública.
Paulo Fernando Ramos
BIBLIOGRAFIA E DIPLOMAS
- FREITAS DO AMARAL, Diogo. "Curso de Direito Administrativo - Vol. II"
- Instituto Nacional de Administração. "O direito de Audiência Prévia dos Interessados: Porquê, Quando e Como?"
- BRAGA, Luziânia Carla Pinheiro. "Audiência dos interessados no procedimento administrativo"
- Constituição da República Portuguesa
- Código do Procedimento Administrativo
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