quinta-feira, 2 de maio de 2013


Qual a relação que se estabelece entre o regulamento e a lei?

O regulamento corresponde, nos termos do 120º CPA, a uma decisão (acto positivo, imaterial e unilateral) de um órgão da Administração Pública (acto de administração) que, à luz do Direito Público (acto de gestão pública), visa produzir efeitos jurídicos (acto jurídico) em situações gerais e abstractas (acto normativo). A principal diferença entre o regulamento e os demais actos administrativos reside no facto de conter comandos gerais e abstractos, ou seja, normas jurídicas.
Relativamente à lei, o regulamento distingue-se por traduzir o exercício da função administrativa, ao passo que a lei traduz o exercício da função legislativa, não existindo neste ponto grande discussão doutrinária. Alguns privatistas consideram regulamento como lei em sentido material, partindo da construção clássica de que a lei é caracterizada pela generalidade e abstracção. O facto é que a CRP exclui essa admissibilidade materialidade de lei, por não incluir o regulamento no acervo do 112º/1.
Traduzindo-se o regulamento numa manifestação da função administrativa, decorre necessariamente a sua sujeição ao princípio da legalidade, quer na sua dimensão de preferência de lei, quer na sua dimensão de reserva de lei. Assim, o regulamento que contrarie o bloco da legalidade gera ilegalidade e é tido por inválido. Nos termos do 112º/5 CRP, são proibidos os regulamentos delegados. Porém, admite-se a deslegalização, ou seja, a operação legislativa de abaixamento do grau hierárquico de uma disciplina normativa até então constante de lei, acompanhada de uma habilitação legal para emissão de regulamentos sobre a matéria em causa, desde que não incida sobre matérias sujeitas a reserva de lei. Uma lei posterior revoga um regulamento que seja contrário àquilo que ela dispõe. A revogação ou cessação de vigência da lei habilitante da emissão de determinado regulamento implica a cessação da vigência por caducidade, salvo se for salvaguardada por lei. A interpretação dos regulamentos deve ser conforme à lei, o que decorre da primazia da hierarquia da lei e do principio do aproveitamento dos actos jurídicos, devendo ser positivamente orientada para a prossecução plena e integral dos fins da lei regulamentada, como consequência da natureza secundária da função administrativa. A lei não deixa à administração qualquer margem de liberdade na eleição dos fins da sua actuação, constituindo simultaneamente limite e fundamento da actividade legislativa. Assim, os regulamentos ilegais devem ser desaplicados pelos tribunais, nos termos do 204º CRP, por identidade de razão e nos termos do 73º/2 CPTA, sendo susceptíveis de impugnação contenciosa,  na sequência da qual os tribunais administrativos podem, em determinadas condições, declarar a sua ilegalidade com força obrigatória geral, nos termos do 268º/5 CRP e 72º/1, 2 e 4 e 76º/2 CPTA. Decorre do princípio da legalidade que os regulamentos têm de ser habilitados por lei, podendo então o grau de densidade normativa variar. Ao contrário do que alguma doutrina sustenta, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa considera que não existem excepções à sujeição dos regulamentos à reserva de lei, nomeadamente no que toca aos regulamentos internos. Assim, os regulamentos hierárquicos e os regimentos não decorrem, respectivamente, de poderes imanentes de direcção ou de auto-organização, mas necessariamente de poderes legalmente conferidos. Em regra, são proibidos regulamentos retroactivos, apenas sendo permitidos nos casos em que a lei o admita, sob pena de reserva de lei. O Professor Marcelo Rebelo de Sousa considera que não existe qualquer possibilidade genérica de retroactividade de regulamentos favoráveis aos seus destinatários, ao contrário do que entende o Professor Freitas do Amaral, que fundamenta a retroactividade dos actos administrativos favoráveis pela habilitação legal do 128º/2 al. a) CPA. O Professor Marcelo Rebelo de Sousa critica esta posição, na medida em que não existe qualquer habilitação similar ao 128º/ al. a) CPA para os regulamentos.
Os regulamentos têm uma hierarquia entre si, tendo em conta três critérios: a posição do órgão emissor, o âmbito territorial das atribuições prosseguidas pela pessoa colectiva que pertence ao órgão emissor e a forma regulamentar.
Tendo em conta a posição do órgão emissor, os regulamentos emitidos pelo Governo e órgãos de soberania são hierarquicamente superiores em relação a todos os restantes regulamentos administrativos, e os regulamentos emitidos por órgãos supraordenadores são hierarquicamente superiores àqueles que sejam emitidos pelos órgãos que lhes sejam infraordenados. O 241º CRP contém um afloramento deste princípio.
Segundo o critério do âmbito geográfico das atribuições prosseguidas, os regulamentos emitidos por órgãos inseridos em pessoas colectivas cujas atribuições sejam de âmbito territorial mais amplo são hierarquicamente superiores àqueles emitidos por órgãos inseridos em pessoas colectivas cujas atribuições sejam de âmbito territorial mais restrito. Este critério também decorre do 241º CRP.
Pelo critério da forma, os regulamentos de forma mais solene são hierarquicamente superiores aos revestidos de forma menos solene.
Os Professores Jorge Miranda e Marcelo Rebelo de Sousa salientam que estes critérios de hierarquia regulamentar não são absolutos, pelo que o critério da posição do órgão emissor e o critério do âmbito geográfico das atribuições prosseguidas cedem quanto a regulamentos de órgãos infraordenados e/ou que visem a prossecução de atribuições geograficamente menos amplas, que tenham sido emitidos ao abrigo de reservas sectoriais de administração. Na ausência de critério constitucional de prevalência dos regulamentos estaduais sobre os regulamentos autonómicos, deve entender-se que estes podem, no espaço regional, derrogar os regulamentos estaduais habilitados por leis e decretos-leis que não tenham reservado para órgãos da República a competência regulamentar, nos termos do 227º/1 al. d).
Em caso de igual hierarquia de dois regulamentos é necessário aferir da prevalência de um face ao outro através dos critérios da generalidade, especialidade e exceptionalidade normativas ou de sucessão temporal entre os actos jurídicos.

Mariana Baptista de Freitas.
21873.

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