sábado, 4 de maio de 2013

Os limites inerentes ao poder regulamentar da Administração

1. Introdução : Noção de regulamento Administrativo

   Nas palavras do prof. Freitas do Amaral, entendemos por regulamentos administrativos, " as  normas jurídicas emanadas no exercício do poder administrativo por um órgão da administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei ".  Ao contrário do que acontecia no direito Administrativo clássico em que o Acto administrativo era a primordial forma de actuação da administração  no estado moderno os regulamentos constituem um importante produto da actividade administrativa, sendo, desta forma, indispensáveis para o seu funcionamento. No entanto, cumpre sublinhar que os regulamentos constituem apenas uma fonte secundária do Direito Administrativo. 

   Importa referir ainda que enquanto norma secundária, o regulamento depende fundamentalmente da constituição, sendo esta o seu parâmetro de validade. Desta feita, se pode padecer de ilegalidade ( se contrariar uma lei ordinária ou de valor reforçado) ou de inconstitucionalidade ( se atentar contra uma norma constitucional).

   Resta, avaliar qual o fundamento da existência do poder regulamentar, e da sua importância no Direito Administrativo. Só assim se torna profícua a discussão acerca dos seus limites de aplicação. 

   A questão do fundamento do poder regulamentar pode ser encara sob três pontos de vista. Em primeiro lugar, podemos dizer que ele se funda no distanciamento da Administração face ao particular, e à impossibilidade de a administração ter capacidade para prever todos os casos da vida real que a possam afectar directamente. Em segundo lugar, poder-se-à dizer que ele se funda na necessidade histórica de separação dos poderes, tal como foi concebido pelos teorizadores do Estado liberal. Por último podemos encarar o seu fundamento de um ponto de vista jurídico. Este é um critério que tem sofrido constantes alterações, conforme o sistema político que impera. Hoje em dia, podemos dizer que o fundamento jurídico do poder regulamentar reside fundamentalmente na Constituição e no principio da legalidade, nos termos em que ele é apresentado pela doutrina actual.


2. Os limites imperativos do poder regulamentar da Administração

   Esta é uma questão sobejamente discutida pela doutrina, e que envolve a apreciação de vários pontos essenciais nesta matéria. Os vários limites inerentes ao poder regulamentar, e à sua eficácia são: 

  1. Limites relativos aos princípios gerais de Direito;
  2. Limites relativos ao cumprimento das normas constitucionais;
  3. Limites relativos ao principio da legalidade;
  4. Limite relativo à hierarquia do órgão emissor do regulamento;
  5. Proibição da retroactividade do regulamento;
  6. Existem, por fim, limites atinentes à sua competência e forma.

   Os princípios gerais de Direito são preceitos ligados à ideia de Direito e ao principio de justiça que inculcam a ordem jurídica portuguesa. São as normas que definem o sistema e lhes conferem identidade. Por isso mesmo, e tal como acontece com todos os outros textos legais, os regulamentos administrativos tem de os respeitar. Para além dos princípios gerais de Direito, os regulamentos administrativos devem também obedecer aos princípios inerentes à actividade administrativa. Entre estes princípios  podem ser apontados : o princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos ou o princípio da indisponibilidade dos bens da Administração a título gratuito. Estes princípios podem ser revogados por normas legais ( que têm a mesma posição hierárquica que elas), mas não o podem ser directamente por regulamentos. Daqui decorre que a violação desta vinculação, implica a violação da lei e a consequente não aplicação dos regulamentos.

   Como sabemos, a Constituição da República Portuguesa contém uma série de normas relativas à competência e à forma dos regulamentos administrativos. Assim sendo, a inobservância das normas constitucionalmente previstas implicará a inconstitucionalidade dos regulamentos. Mais, a Constituição prescreve a reserva de lei para certas matérias, que não devem ser tratadas através de regulamentos, sob pena de inconstitucionalidade dos mesmos. Resta dizer que a inconstitucionalidade dos regulamentos administrativos é fiscalizada nos termos gerais.

   O princípio da legalidade parte do pressuposto de que um regulamento não pode contrariar um acto legislativo, já que estes últimos são hierarquicamente superiores àqueles. Daqui decorre o princípio a que chamamos de princípio da preferência de lei. A CRP proíbe expressamente a existência de regulamentos delegados no seu artigo 112º, nº6. Não obstante esta proibição, a lei constitucional autoriza a existência de fenómenos de deslegalização, o que permite o tratamento de determinadas matérias, que à partida seriam de competência legislativa, por parte dos regulamentos.  
   O princípio da legalidade manifesta-se ainda sob o princípio da reserva de lei, isto significa por um lado que o poder regulamentar não pode intervir naquelas matérias que sejam constitucionalmente reservadas à lei, excepção feita aos regulamentos de execução. Por outro lado, este princípio significa que o exercício do poder regulamentar da administração só se pode efectivar se for precedido de uma norma habilitante. A querela sobre a existência de regulamentos totalmente independentes é resolvida pelo professor Freitas do Amaral através do artigo 112º, nº 8. Segundo o professor, este artigo inviabiliza qualquer hipótese da existência de regulamentos totalmente independentes sem um norma de habilitação.

   Como referido anteriormente, constitui também um limite ao poder regulamentar da administração a posição hierárquica dos órgãos emissores. Isto significa que um regulamento tem de ser limitado se a disciplina jurídica que regula, foi anteriormente regulada por um outro regulamento de um órgão hierarquicamente superior. Como sabemos, o poder regulamentar no nosso ordenamento jurídico está repartido entre o Governo e os vários órgãos que compõem o sector administrativo. Assim sendo, os regulamentos do Governo prevalecem sobre todos os outros regulamentos, mesmo que estas sejam posteriores ( sem prejuízo do disposto no artigo 227º, alínea d), 2º parte da CRP). Cabe ainda referir que no tocante ao poder regulamentar autárquico, os regulamentos emanados das autarquias de grau superior prevalecem sobre os regulamentos das autarquias de grau inferior. Isto significa, por exemplo que um regulamento de um município prevalecerá sobre um regulamento emanado por uma freguesia.

   Também aos regulamentos é aplicado o princípio da não-retroactividade da lei. Este é, portanto, um dos limites imperativos do poder regulamentar da administração. No entanto, como qualquer princípio, este também comporta algumas excepções. A primeira excepção é relativa aos regulamentos aos quais a lei tenha permitido a faculdade de regular retroactivamente. A segunda excepção, como é evidente, verifica-se quando a retroactividade da lei permita a emergência de uma situação mais benéfica para os particulares.

   Por fim, constitui um limite ao exercício do poder regulamentar da Administração as regras relativas à  sua forma e competência, prescritas pela Constituição. Desta feita, um regulamento será inconstitucional (ou ilegal do ponto de vista orgânico)  se for emitido por um órgão que não tenha competência para tal. Por outro lado, sendo competente, o órgão está vinculado às formas e formalidades prescritas pela actividade regulamentar, independentemente de terem sido constitucional ou legalmente consagradas.


Beatriz Gonçalves
aluna nº 21960

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