O Sector Empresarial do Estado: Relevância da Administração Indirecta Estadual e o Lucro como critério de extinção das Empresas Públicas II Parte.
Começamos aqui por olhar para as Entidades Públicas Empresariais, presentes
que estão no artigo 23º do Decreto-Lei nº 558/99. No post anterior faltou
delimitar, com clareza, este conceito.
Olhámos para duas realidades de índole claramente societária e agora cabe
definir esta figura de base institucional.
As EPE’s são “(…) pessoas de direito público, com natureza empresarial,
criadas pelo Estado (…)”. Estas são pessoas de Direito Público, mas nem por
isso deixam de lado o Direito Privado. Assim, estamos perante um casamento, com
algumas querelas conjugais à mistura. Muito cabalmente consegue SOFIA TOMÉ
D’ALTE estabelecer um critério limitador dos dois cônjuges: o Privado seria
essencial nas relações externas e o Público nas relações internas e no trato
com a pessoa colectiva criador, o Estado, na sua supervisão da criatura.
Esta posição é evidente quando percorremos os artigos 23º e seguintes. A
título de exemplo, fica o artigo 24º que limita a criação destas entidades
públicas empresariais por decreto-lei, limitando a própria orgânica e actuação
da pessoa colectiva através da aplicação cumulativa dos preceitos dispostos nos
números 1, 2ª parte, do artigo 24º, 3 e 4 do artigo 27º. Esta actuação vê-se
ainda mais limitada pelo artigo 29º que concretiza o princípio da tutela
económica e financeira que será, segundo o número 1,exercida pelo Ministro das
Finanças em conjunto com o ministro responsável pelo sector em que a EPP vai
actuar. O número 2 enuncia, então, o escopo e extensão desta tutela, que
parecem, como analisou já a colega INÊS SILVA, afectar os principais alicerces
da pessoa colectiva pública. Por fim, cabe assinalar o artigo 34º, de sobeja
importância, não sendo mais do que o espelho do artigo 24º/ 1, dispondo, desta feita,
sobre a extinção das EPP’s, que só será possível por Decreto-Lei, registando-se
no número 2 as condições gerais para a dissolução e liquidação das sociedades.
Entende-se, logicamente, que, sendo estas pessoas colectivas públicas de
base institucional, a presença do Estado seja muito mais intensa. No entanto,
não podemos ignorar a natural utilização dos mecanismos de organização privada
característicos das sociedades, como dispõe os artigos 27º/1 e 2, ou mesmo o
artigo 16º sobre o estatuto do pessoal trabalhador.
Na realidade, como aponta SOFIA TOMÉ D’ALTE, o sistema jurídico pela letra
da lei analisada prevê os tipos de pessoas colectivas públicas, as de base
institucional e de base societária. Abre-se, pois, o espaço jurídico para a
existência de ambas. Todavia, parece haver uma clara preferência para a adopção
da primeira forma em detrimento da segunda, havendo mesmo quem , como o
Professor MARCELO REBELO DE SOUSA, critiquem esta dualidade.
Tentando deslindar esta duplicidade, acabamos por ter de olhar para o
preâmbulo da lei em análise. Este reconhece a possibilidade lógica de poder
extinguir o conceito de EPP, seguindo a crítica de MARCELO REBELO DE SOUSA. No
entanto, no mesmo preâmbulo, o legislador, acaba por reconhecer a necessidade
de existência deste sector público temperado, sobre o qual o Estado pudesse ter
mais controlo, já que, não obstante a aplicação do direito privado em certos
aspectos, existiria sempre uma forte tutela por parte do Estado. Foi esta a
orientação do referido decreto de 99, revisto em 2007. Cabe da nossa parte defender
a opção do legislador já que, em bom rigor, apesar do Estado manter um forte
controlo do restante SEE, quer nas Empresas Participadas quer nas Públicas do
artigo 3º, ou pela detenção da maioria do capital, ou pela maioria de votos no
conselho administrativo, ou ainda pelos especiais poderes de nomeação e
exoneração dos titulares dos órgãos das pessoas colectivas (Artigo 3º/1, a) e
b)), este é bem distinto daquele exercido face às EPP’s.
De forma peremptória, o Professor FREITAS DO AMARAL vem por termo à
discussão afirmando: “A forma jurídica de empresa pública é irrelevante para a
definição do respectivo conceito, uma vez que há empresas públicas que são
sociedades comerciais, as quais constituem pessoas colectivas privadas”.
Assim, seguindo o Professor um pouco mais, podemos, tecendo duas
considerações prévias, caracterizar a empresa pública: A empresa pública é,
antes de mais, uma empresa em sentido económico; O seu carácter público advém
de uma de duas condições, ora a detenção da maioria do capital das empresas por
pessoas colectivas públicas, ora a titularidade por tais entidades de direitos
especiais de controlo.
Desta forma, remata FREITAS DO AMARAL com uma definição certeira para
empresa pública: “organizações económicas de fim lucrativo, criadas e
controladas por entidades jurídicas públicas”. De criticar, apenas, a
utilização algo imprecisa do vocábulo entidade, que remete para um universo
algo indeterminado e assustador.
Cabe neste ponto, para compreender o conceito em análise, definir um outro:
o de empresa em sentido económico. Para FREITAS DO AMARAL a empresa subsume-se
a uma ideia mais primária de unidade de produção, ou seja, uma organização de
capitais, técnica e trabalho, que se dedica à produção de determinados bens ou
serviços, destinados ser vendidos no mercado mediante um preço. Dentro desta
noção há uma bipartição, que dá conteúdo ao conceito de empresa, entre as
unidades de produção com fim lucrativo e aquelas com uma finalidade diversa; As
empresas serão as primeiras: Unidades de produção com fim lucrativo (não que
tenham sempre lucro ou que tenham que ter, este é somente o propósito da sua
existência). Outra perspectiva encontra-se nos escritos dos professores
COUTINHO DE ABREU e ANTUNES VARELA. Ambos partem do artigo 980º do Código Civil
para explicar este conceito, nas suas palavras se chama sociedade. O primeiro,
valoriza um entendimento de acto jurídico para a definição de sociedade, o
segundo o de contrato. Não importa aqui discutir as suas divergências mas ante
o elemento harmonizador que os junta, o fim prosseguido: o lucro.
Um primeiro ponto que é necessário clarificar é a essencialidade do intuito
lucrativo para a caracterização da figura da empresa como conceito jurídico.
Falamos do intuito de lucrar, mas não em lucro, nem na sua necessária existência.
Falamos de uma vontade de quem constitui uma sociedade de, no exercício da sua
actividade normal, retirar alguma compensação, ao menos obtendo um lucro zero.
É, no entanto, indiscutível a necessidade de resultados positivos para a
continuidade das sociedades. A sua sustentabilidade depende da satisfação dos
constituintes da sociedade e não apenas dos credores.
A questão que se coloca é a seguinte: Será nas Empresas Públicas, como nas
privadas, o lucro um critério determinante para a extinção da pessoa colectiva?
Uma primeira resposta, perfeitamente economicista e degoladora seria
positiva. A conclusão bem diferente chega COUTINHO DE ABREU. De facto, não há
nenhum preceito legal que declare injuntivamente a extinção das EP’s
deficitárias. Ora, o contrário também é verdade, não há nenhuma premissa que
declare a necessidade de existirem contas deficitárias nas mesmas pessoas
morais. Todavia, o artigo 4º do Decreto-Lei 558/99 é bastante claro quanto à
missão das EP’s e do restante Sector Empresarial do Estado. Pesam-se, pois,
dois objectivos: Por um lado a satisfação das necessidades da colectividade e,
por outra banda, o desenvolvimento da sua actividade “segundo parâmetros exigentes
de qualidade, economia, eficiência e eficácia, contribuindo para o equilíbrio financeiro
e económico do sector público”.
Ora, claramente, uma empresa deficitária consegue satisfazer as
necessidades da colectividade. Contudo, não consegue assegurar um exercício de
acordo com a eficiência e eficácia económicas exigidas. Não será isto, pois,
uma forma de defraudar as necessidades e interesses colectivos e o chamado
interesse público?
A noção que está cristalizada neste artigo 4º é exactamente condizente com
aquilo que encontramos nas notas introdutórias à alteração feita a este decreto,
pelo Decreto-Lei nº30/2007 de 23 de Agosto. Assim está no parágrafo: “Por fim(…)”.
Aqui fala-se de contenção da despesa pública como mote para esta lei…
Pesa-se, mais uma vez, o binómio satisfação/eficácia sem se saber quem
sairá vencedor. Para exortar ainda mais a discussão, lembremo-nos o porquê da
criação de um sector administrativo estadual indirecto e a escolha da forma
societária para o desempenho de certas funções. Prossecução do Interesse Público,
de forma desburocratizada, rápida e economicamente eficiente. Sem tomar posição
nesta querela, cabe recordar a vinculação do SEE ao interesse público,
questionando se satisfação das necessidades diárias se coaduna com a criação de
défices monstruosos (fica aqui um exemplo http://www.cp.pt/StaticFiles/CP/Imagens/PDF/Institucional/Relatorios%20Financeiros/2011/relatorio_gestao.pdf),
pago necessariamente pelos investidores privados na pessoa colectiva pública
criadora (Estado), os contribuintes. Não será o lucro, ou pelo menos a ausência
de défice um elemento essencial na extinção ou manutenção em funcionamento das
empresas? Não será pelo menos essencial, nestes dias que correm, repensar a
sustentabilidade do sector? Parece algo insuportável o que sucedeu, em 2010, no
exemplo acima deixado, com 62.000.000,00€ de prejuízo; é, perdão pelo português,
muito zero…
Ricardo Afonso Lira Gonçalves
nº 21964, sub-turma 1, Turma A.
Bibliografia:
COUTINHO DE ABREU, Jorge Manuel, Definição de empresa pública, Coimbra, 1990 (separata do vol. XXXIV do “Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra”);
FREITAS DO AMARAL,Diogo, Curso de Direito Administrativo Volume I, Almedina, 2ª Edição, 2000;
D'ALTE, Sofia, A Nova Configuração do Sector Empresarial Do Estado e a Empresarialização dos Serviços Públicos, Almedina, 1ª Edição, 2007;
RAIMUNDO, Miguel Assis, As Empresas Públicas nos Tribunais Administrativos. Contibuto para a Delimitação do Âmbito da Jurisdição Administrativa face às Entidades Instrumentais Empresariais da Administração Pública, Almedina, 1ª Edição, 2007;
REBELO DE SOUSA, Marcelo, Lições de Direito Administrativo-Volume I, Pedro Ferreira Editor, 1995.
Outras fontes:
Relatório de contas da Comboios de Portugal do ano de 2010, in www.cp.pt.
O que é o Sector Empresarial do Estado in www.dgtf.pt
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