O exercício do poder administrativo e a
responsabilidade civil da administração
O poder administrativo pode ser exercido por vários
modos, isto é, regulamento, acto administrativo, contrato administrativo, e
operações materiais (actividade técnica). Através de qualquer desses modos,
pode suceder que a Administração Pública exerça o seu poder administrativo por
forma tal que a sua actuação cause prejuízos aos particulares.
A responsabilidade
civil da Administração é a obrigação jurídica que recaía sobre
qualquer pessoa colectiva pública de indemnizar os danos que tiver causado aos
particulares no desempenho das suas funções.
Apreciação do Direito Actual
Para qualificar um certo e determinado acto ou facto
causador de prejuízos numa ou noutra das categorias – de gestão privada ou de
gestão pública –, o que há a fazer é verificar se tal acto ou facto se enquadra
numa actividade regulada por normas
de Direito Civil ou Comercial, o regime da responsabilidade é o que
consta da lei civil e os Tribunais competentes são os judiciais; ou pelo
contrário numa actividade disciplinada por normas de Direito Administrativo, a responsabilidade rege-se
pelo disposto na lei administrativa, sendo competentes os Tribunais
Administrativos.
Impõe-se fazer uma distinção entre duas hipóteses
completamente diversas, conforme o facto danoso seja um acto jurídico, ou num facto
integrado numa actividade que em si mesma revista natureza jurídica, não parece
que possam surgir grandes dificuldades: um acto jurídico, uma actividade
jurídica são, por definição, juridicamente regulados. De modo que tudo se
resume em apurar se as normas reguladoras da actividade em causa são normas de
Direito Privado ou normas de Direito Público: assim se determinará, sem esforço
de maior, se tal actividade é de gestão privada ou de gestão pública; ou, pelo
contrário, seja uma operação
material, ou um facto integrado numa actividade não jurídica, aqui a
solução do problema é mais complexa.
Ora a razão pela qual foram criados e coexistem estes
dois regimes diferentes é que a Administração Pública, quando actua como tal,
dispõe de prerrogativas e está sujeita a restrições que não são próprias do
Direito Privado. De modo que, uma operação material ou uma actividade não
jurídica deverão qualificar-se como de gestão pública se na sua prática ou no
seu exercício forem de algum modo influenciados pela prossecução do interesse
colectivo.
Há pois dois regimes de responsabilidade civil da
Administração consagrados no nosso Direito actual – o regime da
responsabilidade por actos de gestão privada e o regime da responsabilidade por
actos de gestão pública.
Responsabilidade por Actos de Gestão Privada
A responsabilidade da Administração por actos de
gestão privada assenta em dois traços característicos:
a) É regulada, em termos substantivos pelo Código Civil;
b) Efectiva-se, no plano processual, através dos Tribunais Comuns.
A matéria vem regulada no artigo 500º CC, em conjugação
com o disposto no artigo 501º CC. Da articulação entre esses dois preceitos
resulta que, nos casos de prejuízo causado por actos de gestão privada, o
Estado é solidariamente responsável com os seus órgãos, agentes e
representantes, pelos danos por estes causados aos particulares no exercício
das suas funções.
A lei parte da responsabilidade dos órgãos, agentes ou
representantes para a responsabilidade da pessoa colectiva pública,
considerando esta solidariamente obrigada à indemnização sempre que aqueles,
tendo actuado ao seu serviço, sejam responsáveis nos termos gerais.
A pessoa colectiva pública que pagar efectivamente a
indemnização devida ao lesado goza, depois, do direito de regresso contra o autor do facto danoso, podendo
reaver tudo o que tiver pago, excepto se também houver culpa da sua parte.
Portanto, está-se em presença de uma responsabilidade objectiva da pessoa
colectiva pública pelos actos dos seus órgãos, agentes ou
representantes, mas na maior parte dos casos assentará sobre a responsabilidade subjectiva dos autores
do facto danoso. Quer dizer: trata-se de uma responsabilidade objectiva quanto ao seu
fundamento, mas que em regra funcionará, quanto aos requisitos de que depende, como responsabilidade subjectiva.
Responsabilidade por Actos de Gestão Pública
Os seus traços característicos são:
a) Esta forma de responsabilidade é regulada, no plano subjectivo, por
normas de Direito Administrativo;
b) Em termos processuais, ela é efectivamente através dos Tribunais
Administrativos.
A responsabilidade da Administração por actos públicos
pode ser uma responsabilidade contratual ou extra-contratual.
A responsabilidade extra-contratual da Administração
por actos de gestão pública reveste três modalidades:
1. Responsabilidade por facto ilícito culposo;
2. Responsabilidade pelo risco;
3. Responsabilidade por facto lícito.
Responsabilidade por Facto Ilícito Culposo
É uma responsabilidade subjectiva, baseada na culpa.
Para que se constitua, num caso concreto, esta forma de responsabilidade da
Administração e a inerente obrigação de indemnizar, é necessário que se
verifiquem quatro pressupostos:
a) O facto ilícito;
b) A culpa do agente;
c) O prejuízo;
d) O nexo de causalidade entre o facto e o prejuízo, de tal modo que se
possa concluir que o facto foi causa adequada do prejuízo.
A particularidade mais saliente que aqui importa
sublinhar tem a vem com a chamada “culpa do serviço” (ou “falta do
serviço”). Na verdade, a regra geral desta forma de responsabilidade é que
só há obrigação de indemnizar se houver culpa. Emprega-se então a expressão culpa do serviço ou falta do serviço, para se
significar, um facto anónimo e colectivo de uma administração em geral mal
gerida, de tal modo que é difícil descobrir os seus verdadeiros autores.
Nos casos de facto ilícito culposo, a responsabilidade
perante as vítimas não pode ser posta em dúvida: e todavia não há na sua base
um comportamento individual censurável.
As pessoas colectivas actuam na vida jurídica através
de indivíduos que agem em nome delas, como seus órgãos, agentes ou
representantes. Os traços essenciais do regime jurídico actualmente em vigor
entre nós sobre a matéria são os seguintes:
a) Se o facto danoso foi praticado fora do exercício das
funções do seu autor, ou durante o exercício delas mas não por causa desse
exercício, está-se perante o chamado facto
pessoal: a responsabilidade pelos prejuízos causados a outrem é,
nesse caso, uma responsabilidade
pessoal, exclusiva do autor. A pessoa colectiva pública não é
responsável.
b) Se o facto foi praticado no exercício das funções do
seu autor e por causa desse exercício, trata-se de um facto funcional: pelos prejuízos
dele decorrentes tanto o autor como pessoa colectiva pública em nome da qual o
autor agiu. Há responsabilidade
solidária da Administração e do agente.
A Constituição diz no artigo 271º, que esse aspecto
será regulado pela lei. Ora das nossas leis – e dos princípios gerais
aplicáveis – resulta que, nestes casos, há sempre direito de regresso da
Administração contra o órgão, agente ou representante que tiver actuado em nome
dela, excepto nos casos seguintes:
1. Se tiver havido culpa do serviço;
2. Se o órgão, agente ou representante não tiver procedido com diligência e
zelo manifestamente inferiores àqueles a que se achava obrigado em razão do seu
cargo, isto é, se tiver actuando apenas culpa leve – e não com culpa grave ou com dolo.
3. Se o autor do facto danoso tiver agido no cumprimento de ordens ou
instruções superiores a que deva obediência, desde que delas tenha previamente
reclamado ou que tenha exigido a sua transmissão ou confirmação por escrito.
a) Para efeitos do DL 48051 de 21 de Novembro de 1967, consideram factos
ilícitos:
- Os actos jurídicos,
incluindo os actos administrativos, que violem as normas legais, as normas
regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis;
- Os actos materiais,
que infrinjam essas normas ou princípios, ou ainda as regras de ordem técnica e
de prudência comum que devam ser tidas em consideração (artigo 6º DL 48051).
b) A culpa dos órgãos, agentes ou representantes da Administração, para
efeitos de responsabilidade civil, é apreciada nos termos do Código Civil, isto
é, em função da diligência de um bom pai de família e em face das circunstâncias
de cada caso (artigo 4º DL 48051; artigo 487º CC);
c) Se houver pluralidade de responsáveis é solidária a sua
responsabilidade, presumindo-se iguais as culpas de todos os responsáveis
(artigo 4º/2 DL 48051, artigo. 497º CC);
d) Tanto o direito do particular à indemnização como os direitos de
regresso a que houver lugar prescrevem, em regra, no prazo de três anos (artigo
5º DL 48051, artigo 498º CC);
e) A efectivação do direito à indemnização não depende, em princípio, de
prévia interposição de recurso contencioso de anulação do acto causador do
dano. Mas o direito à indemnização só subsistirá se o dano não puder ser
imputado à falta de interposição do recurso, ou a negligente conduta processual
do recorrente durante o recurso (artigo 7º DL 48051).
Responsabilidade Pelo Risco e Por Facto Lícito
Para além de toda uma ampla zona de casos cobertos
pela responsabilidade subjectiva, existem mais duas zonas, de extensão
considerável, que abrangem os casos de responsabilidade objectiva, por factos casuais e por actos lícitos.
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