quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

«Reforma do Banco de Portugal ignorada por Vítor Gaspar

Ministro das Finanças está há quase três meses para se pronunciar sobre a reforma estatutária proposta pelo Banco de Portugal, e que inclui mudanças no processo de escolha do governador e dos auditores
O Banco de Portugal quer que o seu governador passe a ser nomeado pelo Presidente da República, por sugestão do primeiro-ministro, e que a comissão de auditoria seja indicada pelos deputados. Estas são duas medidas, entre várias, que constam de uma proposta, que já recebeu os pareceres do FMI e do BCE, e que chegou há quase três meses ao Ministério das Finanças, que continua sem se pronunciar.
O Conselho de Administração do Banco de Portugal (BdP), liderado por Carlos Costa (governador), deu por concluído, na última quinzena de Agosto, o projecto de alteração estatutária, que contempla mudanças significativas na actual estrutura de governação da instituição, que faz a supervisão prudencial e comportamental do sistema financeiro nacional. A proposta prevê, apurou o PÚBLICO, que o governador passe a ser nomeado pelo chefe de Estado, mediante indicação do Governo, e que o conselho de auditoria passe a ser designado pela Assembleia da República, novamente por proposta do executivo.
Neste momento, o governador, que representa e actua em nome do BdP junto de instituições estrangeiras ou internacionais, é indicado pelo primeiro-ministro. Já os três membros da comissão de auditoria, que acompanha o funcionamento da instituição, o cumprimento das leis e regulamentos e emite parecer sobre o orçamento, são designados pelo ministro das Finanças.
O PÚBLICO inquiriu o BdP sobre as razões que estão a atrasar a reforma estatutária da instituição, dado que o projecto de alteração foi fechado no final de Agosto. Apesar de várias tentativas para obter esclarecimentos, a entidade presidida por Carlos Costa não esteve disponível para os dar.
O documento, que define ainda as competências do BdP, designadamente em matéria de operações monetárias, chegou às Finanças há cerca de três meses. O PÚBLICO sabe que a equipa de Vítor Gaspar não comunicou ainda a Carlos Costa, pelo menos formalmente, qual é a sua posição.
Recorde-se que, em Junho, o BdP manteve conversas, sobre o tema, com o Banco Central Europeu (o BdP integra, desde 1998, o Sistema Europeu de Bancos Centrais) e o FMI, parceiros na reorganização da instituição reguladora. Na altura, o FMI avançou com sugestões de redacção que estão contempladas no documento final.
A intenção de envolver o Presidente da República e o Parlamento nas escolhas do governador e dos membros do conselho de auditoria do BdP tem por base um sistema de contrapesos, por que se bateu, aliás, Carlos Costa e que é do agrado do FMI. Ainda assim, esta matéria é controversa. Alguns juristas ouvidos pelo PÚBLICO admitem que possa gerar dúvidas do ponto de vista da sua constitucionalidade, enquanto outros, também consultados, alegam que as alterações estatutárias não colidem com as competências dos diferentes órgãos de soberania, pelo que não exigirá revisão constitucional.
Durante anos, existiu um acordo tácito entre o PSD e o PS, orientado por critérios políticos, na nomeação dos presidentes do BdP e do banco público CGD: o presidente da CGD não devia estar relacionado com o partido do governador. Esta prática foi quebrada, pela primeira vez, em 2006, quando Vítor Constâncio estava à frente do BdP e o então primeiro-ministro, José Sócrates, indicou outro socialista, Carlos Santos Ferreira, para liderar a CGD. Por sua vez, Santos Ferreira convidou o dirigente do PS Armando Vara para vice-presidente, gerando polémica.»

in  http://www.publico.pt/economia/noticia/reforma-do-banco-de-portugal-ignorada-por-vitor-gaspar-1573094


A notícia apresentada dá-nos conta da reforma que, no âmbito do plano de ajustamento financeiro, que se prepara no seio do Banco de Portugal. Recorde-se que, apesar de haver, como se pode compreender através da leitura da notícia, uma estrita relação entre o governo e esta instituição, dentro do quadro da Administração Pública, o BdP encaixa na obscura "Administração Independente". Isto porque, não só tem autonomia técnica face ao poder do governo sendo que, pela sua lei orgância, lei nº5/98 de 31 de Janeiro, percebemos que, muito em parte devido à nossa adesão ao euro, tecnicamente, o BdP está mais condicionado pelos órgãos financeiros comunitários, do que pelo nosso próprio governo. Por outro lado, se há de facto uma imparcialidade em relação ao governo, também o há em relação aos particulares e outras entidades, uma imparcialiadade que, diga-se de passagem, o governo e o estado central não conseguem ter.
Por estas razões considera-se que o Bdp se enquadra na Administração independente, contudo, este é, sem dúvida um conceito indeterminado, dado que, na lei, não há nenhum regime específico de independência, o que no leva a situá-la algures entre a Administração indirecta e a autónoma, mas note-se que Administração independente não é a mesma coisa que Administração indirecta independente. Outro caso semelhante ao do BdP é a CMVM, que na sua lei orgânica (Decreto-Lei n.º 169/2008, de 26 de Agosto) é denominada "pessoa colectiva de direito público dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio". 

Depois desta introdução afigura-se necessário olhar agora para a organização do BdP, que é do que trata a notícia. " São órgãos do Banco o governador, o conselho de administração, o conselho de auditoria e o conselho consultivo", é o que se lê no artº 26 da lei orgânica do BdP. 
  • O Governador (artº28), representa e actua em nome do BdP junto de instituições estrangeiras ou internacionais, preside ao Conselho de Administração e é também membro do Conselho e do Conselho Geral do Banco Central Europeu. Como se lê na notícia, actualmente, é indicado pelo Primeiro-ministro.
  • Conselho de Administração (artº33), responsável pela  prática de todos os actos necessários à prossecução dos fins cometidos ao BdP, sendo composto Governador, por um ou dois Vice-Governadores e por três a cinco Administradores. Os seus membros são correntemente nomeados através de resolução de Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro da Finanças.
  • Conselho de Auditoria (artº 41) tem como missão acompanhar o funcionamento do Banco e o cumprimento das leis e regulamentos que lhe são aplicáveis, tendo também a função de emitir parecer acerca do orçamento, do balanço e das contas anuais de gerência. Composto por três membros designados, á semelhança dos membros do Conselho de Administração, pelo Ministro das Finanças, consistindo esses três membros num Presidente, com voto de qualidade, um revisor oficial de contas e uma personalidade de reconhecida competência em matéria económica.
  • Conselho Consultivo (artº 47) que, por sua vez, tem a função de se pronunciar sobre o relatório anual da actividade do Banco de Portugal e sobre outros  assuntos que lhe forem submetidos pelo Governador ou pelo Conselho de Administração. É composto pelos Vice-governadores, os antigos Governadores, o presidente do Conselho de Auditoria do Banco, quatro personalidades de reconhecida competência em matérias económico-financeiras e empresariais, o presidente da Associação Portuguesa de Bancos, o presidente do Instituto de Gestão do Crédito Público, e os representantes das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, a designar pelos respectivos órgãos de governo próprio, sendo presidido pelo Governador. 
Posto isto, concluímos que, perante a reforma que se está a preparar, que conta com a apoio do FMI  e do BCE,  as principais alterações se vão dar em relação a governador e ao conselho de auditoria. Contudo, parece-me que a mudança mais significativa é em relação ao último órgão, dado que, através da intervenção dos deputados de diferentes quadrantes políticos pode desequilibrar, ou equilibrar, um pouco o processo,  gerando o tal sistemas de contrapesos que se quer construir.  No caso do governador, penso que na prática, embora seja uma modelo interessante, não será, pelo menos, tão turbulento, uma vez que a relação entre PM e PR é, em regra, mais calma que as relações entre deputados, embora haja excepções.
Deste modo, não seria, de todo, incorrecto que a reforma prevista, embora posso trazer mudanças para a prática interna do Bdp, as principais transformações serão, sem dúvida políticas.

Luísa Mendonça

Sitiografia:
http://www.bportugal.pt/pt-PT/OBancoeoEurosistema/OrganizacaoeEstrutura/Paginas/default.aspx
http://www.bportugal.pt/SiteCollectionDocuments/LeiOrganicaConsolidada.pdf
http://www.cmvm.pt/cmvm/legislacao_regulamentos/legislacao%20complementar/sistema%20financeiro/pages/dln473_1999.aspx







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