segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
Posição 5: A Alternativa na "Gloden Share"
PARECER
A discussão do destino da RTP (Rádio Televisão Portuguesa) enquanto veículo de prossecução de um (vários, em boa verdade) direito fundamental suscita as mais diversas questões relativamente ao papel do Estado Português na garantia da manutenção de um serviço público permanente. O artigo 38º/5 CRP, enquanto comando constitucional de um serviço público obrigatório de rádio e de televisão, não baliza o conceito de serviço público, nem tão pouco o seu raio de acção. Este, tal como o interesse público, é deixado à margem de um entendimento que se poderia beber directamente da norma: Ao invés disso, há espaço para uma construção jurídica retirada de uma interpretação adequada ao caso concreto: Poder-se-á entender por serviço público, com efeito, um conjunto de actividades que se proponham a seguir fins de interesse tão-só nacionais. Com esta interpretação identifica-se o disposto nos artigos 50º, 51º e 52º da Lei nº 27/20071 (Lei da Televisão, sem prejuízo das alterações efectuadas pelo artigo 2º da Lei nº 8/20112), em consonância com o artigo 3º/1 dos Estatutos da Rádio e Televisão de Portugal, S.A.3.
Mas nem pela existência de linhas de orientação no direito interno o serviço público deixa de ser um “puzzle” jurídico por resolver. O artigo 38º/5 CRP acaba por ser um delta de onde escoam três liberdades fundamentais inerentes ao sector da comunicação: Liberdade de expressão, liberdade de informação e liberdade de imprensa. O serviço público revela-se, numa primeira acepção, nuclear, pois é condição do exercício de vários outros direitos, liberdades e garantias que fundam as bases do Estado de Direito democrático, e numa segunda acepção subdividido em duas vertentes, uma positiva e outra negativa: Positiva pois traduz-se num portador da liberdade de expressão “pura e dura”; negativa dado que se traduz no não-sofrimento de impedimentos ou descriminações.
A questão coloca-se, como tal, ao nível da protecção de um leque de direitos fundamentais que, a nosso ver, deverá ser colocado tão-só sob a alçada do Estado, como entidade máxima prossecutora dos sumos interesses do povo Português. Assumindo uma postura neutra, a nossa posição (cuja defesa será exposta ao longo deste parecer) passa pela privatização do grupo RTP, S.A. e criação de uma Golden Share com especificidades manifestamente distintas daquelas que o ECJ (European Court of Justice) veio a declarar como obstáculos ao princípio da livre circulação de capitais.
No caso C-171/08, opunha-se a Comissão Europeia à República Portuguesa no diferendo versado sobre a Golden Share detida pelo Estado português na Portugal Telecom, S.A. (PT) vital no sector das Comunicações, arguindo o primeiro incumprimento das obrigações constantes dos artigos 43º e 56º do Tratado da Comissão Europeia (TCE), por parte do Estado português. Defendia o Estado português que as acções priveligiadas do Estado português na PT se justificavam por assegurarem a segurança pública, dado que a PT detinha inúmeras infraestruturas de cariz vital nesse âmbito; o Tribunal Europeu refutou, alegando que tal contestação só poderia ser aceitável (e economicamente exequível) caso a segurança pública estivesse de facto em risco, como por uma ameaça terrorista ou estado de guerra, declarado ou iminente, justificando-se a restrição à liberdade de circulação de capitais. Declarou o tribunal, em igual sentido, que a intervenção do Estado seria objecto de criação de aversão ao risco por parte de outros parceiros económicos que pretendessem investir na PT, dado que nunca poderiam exercer algum tipo de controle material sobre a empresa ou sobre as decisões: Os direitos especiais garantidos pela Golden Share abrangiam um direito de veto sem fronteiras. Por fim, o Tribunal julgou improcedente a defesa das autoridades portuguesas dado que nada existe na legislação portuguesa que defina os modos/limites de actuação do Estado Português ou de qualquer outra entidade pública numa Golden Share, resultando num horizonte discricionário largamente ampliado pelos poderes garantidos por esse mesmo pacote de acções. A Golden Share constituiria, em bom rigor, uma grilheta empresarial.
Não pretendendo obstar aos princípios que assistem às empresas no âmbito da sua liberdade económico-financeira e actividade empresarial, sugere-se o seguinte por este parecer:
1º) Privatização parcial do capital da RTP e criação de uma Golden Share, cujos direitos especiais seriam detidos pelo Estado Português, no âmbito do exercício de um papel “regulador” e não “controlador”, como presente na jurisprudência europeia;
2º) Manutenção de não mais de 49% do capital da Rádio Televisão Portuguesa e tomando em consideração as disposições relativas ao número anterior;
3º) Alteração do regime jurídico da RTP, no sentido de balizar os modos de actuação e intervenção do Estado português, sem debelar as liberdades dos mais variados campos de acção da sociedade.
Não se estaria, como tal, a tratar de uma Golden Share na sua plena acepção, mas sim numa “Silver Share”: Os modelos de especialidade estariam presentes, mas sem o carácter radical da primeira em face de uma redução substancial e específica do poder discricionário do Estado.
O PRINCIPIO DO INTERESSE PÚBLICO E O PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE COMO LIMITES AO EXERCICIO DOS PODERES ESPECIAIS DO ESTADO PORTUGUÊS
Se há algo que é ponto assente é que tanto na gestão pública, como na gestão privada é que o Estado se encontra inevitavelmente restringido pela obrigação de prosseguir o interesse público. Esta necessidade está, de resto, patente no regime das golden share quando a lei se preocupa com a não obrigação de transmitir os direitos especiais com a transmissão das mesmas ações a que se encontram acoplados. Importa definir os fins do interesse público que o Estado tem de prosseguir no exercício dos poderes contidos nas respetivas Golden Shares. E é de ressalvar que este Estado de que se fala é o Estado cada vez mais regulador e já não o Estado intervencionista. Este é o Estado que mantem uma actuação económica mas restrita à defesa da concorrência por um lado e por outro lado a garantia da universalidade e igualdade de acesso, da qualidade e da continuidade do fornecimento de bens ou serviços públicos essenciais bem como da eficiência e equidade dos respetivos preços. (Esta tendência e bastante obvia em relação a uma possível Golden Share na RTP). Assim estes seriam os imediatos objetivos de interesse público fundamentais do exercício dos poderes especiais contidos numa golden share, o que, mediatamente, significaria uma clara tutela do interesse do consumidor.
No que resulta que a actuação dos poderes especiais do pacote de ações da golden share não podia estar mais longe da discricionariedade; na verdade ele encontra-se num plano de forte limitação.
Mas a limitação não acaba aqui. Já se disse que as Golden Share são um expediente excepcional, há a acrescentar que elas se regem por um princípio de proporcionalidade. O Estado esta igualmente obrigado a prosseguir o principio da proporcionalidade sob a égide do Direito Público ou na forma jus-privatística. E este é ainda mais severo na sua limitação que o princípio do interesse público, e determina que o Estado só possa fazer uso dos poderes especiais contidos na Golden Share em casos extremos, em que a actuação de outros instrumentos como Autoridades Reguladoras Administrativas Independentes ou esquemas jurídicos associados aos contratos de concessão de serviço publico se revelem inoperantes ou insuficientes. Em todos os momentos, deverá haver uma ponderação intensa sobre o exercício dos poderes da Golden Share e recorrer a estes sempre e somente quando necessário. Mas isso não significa que eles não devam existir e que não sejam uma “safety-net”, uma garantia de que em último caso o estado poderá sempre acorrer aos seus poderes especiais para concretizar os seus objetivos de interesse público fundamentais.
E porquê?
A primeira razão incide especialmente sobre aqueles poderes especiais implicarem necessariamente uma restrição dos direitos dos respetivos accionistas da sociedade a que respeitem caso a intervenção do Estado detentor das Golden Shares seja desproporcional ao montante de capital que representam no capital social da empresa. Reduziriam assim o poder decisório associado às outras ações pertencentes aos restantes acionistas.
Mas a segunda razão supera aquela em importância. E que no caso especifico das golden share em Portugal, é a própria prossecução do interesse público a que o Estado esta indubitavelmente vinculado que obriga igualmente à vinculação ao Principio da proporcionalidade.
Sabendo que o fim último é o da tutela do interesse dos consumidores, há que analisar a extensão das repercussões económicas danosas decorrentes da existência de Golden Shares, que implicam em principio menos investimento e menos confiança no desempenho da empresa pois as empresas sujeitas ao exercício de poderes estatais não constituem oportunidades atraentes de investimento porque aquele exercício é especialmente imprevisível, tal como um desenvolvimento económico menos eficaz por parte de uma gestão com influencia estatal do que se fosse totalmente privada. A amplitude dos danos dependerá de que poderes existam e da extensão do seu conteúdo. Daqui se infere que o Principio da proporcionalidade imponha uma intervenção parcimoniosa, reduzida e prudente. Embora existam portanto, de facto, efeitos danosos para aqueles que se pretende avantajar – o consumidor – existem formas de mitigar estas consequências, e a solução encontra-se justamente na prossecução séria dos Princípios do Interesse Publico e da Proporcionalidade.
CONFORMIDADE COM O DIREITO COMUNITÁRIO
Segundo o Tribunal Europeu de Justiça deve haver uma conformidade das limitações no que toca à aquisição de acções, em empresas privatizadas, com as normas comunitárias.
As Golden Shares podem ser de vários tipos: direito de restringir a aquisição de acções por terceiros, direito de escolher os directores das empresas, direito de veto nas decisões da empresa e a limitação do número de directores estrangeiros na empresa. Os direitos podem ser temporários ou permanentes.
Apesar de estas técnicas serem justificadas pelos interesses estratégicos nacionais, elas criam tensão entre os valores nacionais e do mercado, como a liberdade de comércio, o tratamento igualitário entre detentores de acções e a dinâmica do mercado no que toca ao controlo das empresas. Contudo, não há um afastamento total dos direitos especiais das golden shares à luz do Direito da Comunidade Europeia, e portanto só as decisões do tribunal é que determinam quais as golden shares permitidas e quais as proibidas.
As golden shares devem ser:
- Não discriminatórias, isto é, não deve haver discriminação com base na nacionalidade. Neste sentido o tribunal não condena o compromisso político ou a leitura interpretativa das disposições da Lei 11/90 (agora a Lei 50/2011) – Lei-Quadro das Privatizações – sendo suficiente que estes sejam tornados compatíveis com os princípios do Tratado da Comunidade Europeia.
- Não discricionárias, afectando adquirentes nacionais e estrangeiros. Não há discriminação mas considera-se que infringem a liberdade de circulação de capitais da Comunidade Europeia porque o critério com base na autorização ministerial e o facto de esta poder ser negada não foi considerado suficientemente claro. Isto não significa que as golden shares estejam totalmente condenadas e que não as possamos entender à luz do princípio da liberdade de estabelecimento. Podem haver restrições dos Estados-Membros à liberdade de circulação de capitais, como as enumeradas no artigo 58º/1-b do TCE, que dispõe que o artigo 56º não prejudica o direito dos Estados-membros de tomarem as medidas indispensáveis para impedirem infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial de instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública. O TJE tem interpretado generosamente os imperativos de segurança pública susceptíveis de tornar lícitas as golden shares nacionais (incluem necessidades ligadas ao fornecimento de serviços essenciais, também ditos de interesse público). O TJE exige adicionalmente o respeito pelo direito especial em causa do princípio da proporcionalidade. Assim impõe ainda uma série de condições de licitude dos direitos especiais respeitantes à previsibilidade dos termos em que serão exercidos e à limitação da discricionariedade do Estado no seu uso.
- Proporcionalidade, isto é, é necessário ter em conta o princípio da proporcionalidade que, nas palavras do tribunal, se traduz no facto de “a legislação nacional tem de ser adequada para assegurar o objectivo que persegue e que poderia não ser objectivamente cumprido por menos restritivas medidas”. Este princípio compromete dois requisitos cumulativos: a sustentabilidade e a necessidade, e em todas as suas decisões o tribunal europeu teve em conta a restrição nacional da liberdade de capital era sustentável para os objectivos do Estado. A aplicação deste princípio aos direitos das golden shares deixa espaço para desenvolvimentos futuros ainda não explorados pelo Tribunal, o que no caso de Portugal se traduz na possibilidade de existência das golden shares nas empresas em que o Estado tem uma posição minoritária. Todas as considerações obstam à competência do TJE para controlar a conformidade dos direitos societários nacionais com o Tratado, mas em nada interferem com a jurisprudência relativa aos direitos especiais dos Estados-membros.
No exercício dos poderes especiais o Estado tem necessariamente de prosseguir o interesse público (artigo 266/1 CRP), o exercício das golden shares do Estado português está vinculado à tutela dos consumidores ou utentes do sector em causa. No plano imediato os poderes especiais só podem ser exercitados para tutelar um de dois interesses públicos: a promoção e defesa da concorrência no sector em causa; a garantia da universalidade, igualdade de acesso, qualidade e continuidade do fornecimento de serviços públicos essenciais, bom como da eficiência e equidade dos respectivos preços. No exercício dos poderes especiais o Estado está sujeito ao princípio da proporcionalidade (artigos 2º, 5º e 5º/2 do CPA), acrescendo que o próprio interesse público ao serviço do qual se encontram as golden shares do Estado português reclama a aplicação do princípio da proporcionalidade. –
O PORQUÊ DA GOLDEN SHARE COMO ALTERNATIVA VIÁVEL À ACTIVIDADE DA RTP
Existindo medidas que atribuem o poder de impedir alterações na estrutura acionista, consegue-se chegar a uma situação em que está garantido um grau mínimo de intervenção do Estado nas decisões da sociedade. Assim, a sujeição a autorização administrativa da aquisição de acções em numero superior a uma determinada percentagem do capital social pode ser um meio de manter um certo equilíbrio na repartição do capital social que beneficie o acionista Estado e que, dessa forma, lhe permita continuar a exercer um papel preponderante na vida da RTP. O que se pretende aqui é evitar uma separação abrupta entre o canal o Estado: os privados participam nas decisões e rumo da RTP e aliviam o plano passivo, mas o Estado tem sempre uma palavra a dizer, impedindo assim que a RTP perca a identidade que conserva há 50 anos e mantendo assim um equilíbrio perfeito consagrando uma solução justa e hibrida. O Estado mantém uma parte do controlo: Se esta solução é frequentemente criticada por ser uma falsa “privatização” porque no fundo o Estado mantém o seu controlo e poder, o que o grupo propõe é precisamente uma resposta para tais críticos: Se a alternativa padece desse mal, cabe então ao legislador delimitar os poderes que o Executivo poderá usar enquanto acionista para evitar sufocar os privados. Com linhas bem traçadas, evitando o abuso, conseguimos esse tal equilíbrio já caracterizado, enquanto mantemos as características fundamentais da RTP tão amada e tão útil para a Nação.
Ana Catarina Eça
Helena Cardana
Leonor Caldeira
Paulo Ramos
Sara Oliveira
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