segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O Caleidoscópio do Direito Administrativo





A universalidade do direito administrativo é uma inevitabilidade.
Embora nem sempre perceptível o mesmo acompanha-nos diariamente de manhã até à noite e é responsável pela regulação de grande parte dos aspectos essenciais da vida em comunidade.
Pude comprovar exactamente isto quando, a 5 de Novembro de 2012, dei por mim a encontrar o direito administrativo na secção de perdidos e achados da PSP dos Olivais. Após uma breve conversa com o Sr. Silva, um amável polícia que se encontrava no seu turno de trabalho, pude rapidamente compreender que, apesar de extremamente desacreditado no sistema jurídico do seu País em geral e no direito administrativo em particular, era impossível não lhe atribuir uma certa razão.
Foi-me, nessa altura, contada, por aquele, a história de um colega seu que havia sido alvo de um processo disciplinar, e, consequentemente, impossibilitado de exercer a sua profissão.
Após 11 anos de recursos atrás de recursos, o Supremo Tribunal Administrativo acabou por atribuir razão ao ex policia, bem como 250.000 euros.
Perante tal situação fáctica colocam-se-nos de imediato as seguintes questões. A saber:
Em que medida é que este polícia pode ser responsabilizado pelos seus actos tendo em conta o artigo 271º da constituição da república portuguesa;
A importância da hierarquia administrativa neste contexto;
 Se de facto a administração portuguesa é cada vez mais uma torre de babel onde a burocracia e a morosidade reinam, e, por fim, apurar quem é o responsável pelo facto dos contribuintes portugueses terem de pagar onze anos de vencimentos em atraso.
A hierarquia, em direito administrativo, é perspectivada pelo Prof. Freitas do Amaral como “o modelo de organização administrativa vertical, constituído por dois ou mais órgãos e agentes com atribuições comuns, ligados por um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de direcção e impõem ao subalterno o dever de obediência”.
Todavia, este dever de obediência não é ilimitado, o subalterno não é um autómato, nem um escravo. Mesmo enquanto subalterno é um ser racional,  livre, moral e juridicamente responsável pelas suas decisões.
 Esta hierarquia administrativa traduz-se num vínculo especial de supremacia e subordinação que se estabelece entre o superior e o subalterno: os poderes do primeiro, bem como os deveres e sujeições a que o segundo se encontre adstrito, formam o conteúdo da relação hierárquica. O superior é, assim, detentor de três poderes: o poder de direcção, o poder de supervisão e o poder disciplinar. Poder este exercido no caso do ex policia.
Contudo, tal como previamente afirmado, o subalterno não é um autómato cego nem mecanicamente obediente. A prova-lo está a competência que a lei lhe confere para examinar a legalidade de todos os comandos hierárquicos (ordens) a que é sujeito.
O subalterno encontra-se, assim, submetido a um dever de obediência; dever que consiste na obrigação de cumprir as ordens e instruções dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas no âmbito das suas funções e sob a forma legal. Da noção enunciada resultam os requisitos deste dever:
·       Que a ordem ou as instruções provenham de legítimo superior hierárquico ao subalterno em causa;
·       Que a ordem ou as instruções sejam dadas em matéria de serviço;
·       Que a ordem ou as instruções revistam a forma legalmente prescrita;
Não existe, assim, dever de obediência quando o comando emane de quem não seja legitimamente superior do subalterno, quando a ordem respeite a um assunto da vida particular do superior ou quando tenha sido dada verbalmente se a lei exigia que fosse escrita.
A questão de saber se a ordem intrinsecamente ilegal deve ou não ser cumprida tem encontrado, na doutrina, diferentes respostas.
Assim, a corrente hierárquica - defendida, entre outros, por Laboard, Otto Mayer e Nézard - considera que existe sempre dever de obediência, não assistindo ao subalterno o direito de interpretar ou questionar a legalidade das determinações do superior.
Já para a corrente legalista - preconizada por Houriou e Jéze na França -não existe dever desobediência em relação a ordens consideradas ilegais.
Actualmente o sistema que prevalece entre nós é o sistema legalista mitigado, tal como ressalta da CRP art. 271º n 2 e 3 e do Estatuto disciplinar de 1984 artigo 10º. Assim:
Não há dever de obediência senão em relação às ordens ou instruções emanadas do legítimo superior hierárquico em objecto de serviços e com a forma legal (CRP 271º n 2 e Estatuto art 3º e 7º);
Não há igualmente dever de obediência sempre que, o cumprimento das ordens ou instruções, implique a prática de qualquer crime (271 nº3) ou quando as ordens ou instruções provenham de um acto nulo (CPA 134 nº1)
O exposto permite-nos vislumbrar a complexidade de direitos e deveres a que o ex policia se encontrava sujeito. Podemos igualmente concluir que o direito administrativo é um mundo. Mundo este que, por vezes, não funciona da melhor forma nem prima pela organização.

Margarida Arêlo Manso Gonçalves
Aluna nº22803

Bibliografia:
Freitas do Amaral, Diogo "Curso de Direito Administrativo" Volume I
Pereira da Silva, Vasco "Em busca do acto administrativo perdido" 
Sindicato dos profissionais de Policia- Lei n.º 7/90
De 20 de Fevereiro.
http://www.spp-psp.pt/files/Legislacao/Reg_Disciplinar.pdf







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