A universalidade do direito
administrativo é uma inevitabilidade.
Embora nem sempre perceptível o
mesmo acompanha-nos diariamente de manhã até à noite e é responsável pela
regulação de grande parte dos aspectos essenciais da vida em comunidade.
Pude comprovar exactamente isto
quando, a 5 de Novembro de 2012, dei por mim a encontrar o direito
administrativo na secção de perdidos e achados da PSP dos Olivais. Após uma
breve conversa com o Sr. Silva, um amável polícia que se encontrava no seu
turno de trabalho, pude rapidamente compreender que, apesar de extremamente
desacreditado no sistema jurídico do seu País em geral e no direito
administrativo em particular, era impossível não lhe atribuir uma certa razão.
Foi-me, nessa altura, contada,
por aquele, a história de um colega seu que havia sido alvo de um processo
disciplinar, e, consequentemente, impossibilitado de exercer a sua profissão.
Após 11 anos de recursos atrás
de recursos, o Supremo Tribunal Administrativo acabou por atribuir razão ao ex
policia, bem como 250.000 euros.
Perante tal situação fáctica
colocam-se-nos de imediato as seguintes questões. A saber:
Em que medida é que este
polícia pode ser responsabilizado pelos seus actos tendo em conta o artigo 271º
da constituição da república portuguesa;
A importância da hierarquia
administrativa neste contexto;
Se de facto a administração portuguesa é cada
vez mais uma torre de babel onde a burocracia e a morosidade reinam, e, por
fim, apurar quem é o responsável pelo facto dos contribuintes portugueses terem
de pagar onze anos de vencimentos em atraso.
A hierarquia, em direito
administrativo, é perspectivada pelo Prof. Freitas do Amaral como “o modelo de organização administrativa
vertical, constituído por dois ou mais órgãos e agentes com atribuições comuns,
ligados por um vínculo jurídico que confere ao superior o poder de direcção e
impõem ao subalterno o dever de obediência”.
Todavia, este dever de
obediência não é ilimitado, o subalterno não é um autómato, nem um escravo.
Mesmo enquanto subalterno é um ser racional,
livre, moral e juridicamente responsável pelas suas decisões.
Esta hierarquia administrativa traduz-se num
vínculo especial de supremacia e subordinação que se estabelece entre o
superior e o subalterno: os poderes do primeiro, bem como os deveres e
sujeições a que o segundo se encontre adstrito, formam o conteúdo da relação
hierárquica. O superior é, assim, detentor de três poderes: o poder de
direcção, o poder de supervisão e o poder disciplinar. Poder este exercido no
caso do ex policia.
Contudo, tal como previamente
afirmado, o subalterno não é um autómato cego nem mecanicamente obediente. A
prova-lo está a competência que a lei lhe confere para examinar a legalidade de
todos os comandos hierárquicos (ordens) a que é sujeito.
O subalterno encontra-se,
assim, submetido a um dever de obediência; dever que consiste na obrigação de
cumprir as ordens e instruções dos seus legítimos superiores hierárquicos,
dadas no âmbito das suas funções e sob a forma legal. Da noção enunciada
resultam os requisitos deste dever:
·
Que a ordem ou as instruções provenham de
legítimo superior hierárquico ao subalterno em causa;
·
Que a ordem ou as instruções sejam dadas em
matéria de serviço;
·
Que a ordem ou as instruções revistam a forma
legalmente prescrita;
Não
existe, assim, dever de obediência quando o comando emane de quem não seja
legitimamente superior do subalterno, quando a ordem respeite a um assunto da
vida particular do superior ou quando tenha sido dada verbalmente se a lei
exigia que fosse escrita.
A
questão de saber se a ordem intrinsecamente ilegal deve ou não ser cumprida tem
encontrado, na doutrina, diferentes respostas.
Assim,
a corrente hierárquica - defendida, entre outros, por Laboard, Otto Mayer e
Nézard - considera que existe sempre dever de obediência, não assistindo ao
subalterno o direito de interpretar ou questionar a legalidade das
determinações do superior.
Já para
a corrente legalista - preconizada por Houriou e Jéze na França -não existe
dever desobediência em relação a ordens consideradas ilegais.
Actualmente
o sistema que prevalece entre nós é o sistema legalista mitigado, tal como
ressalta da CRP art. 271º n 2 e 3 e do Estatuto disciplinar de 1984 artigo 10º.
Assim:
Não há dever de obediência
senão em relação às ordens ou instruções emanadas do legítimo superior
hierárquico em objecto de serviços e com a forma legal (CRP 271º n 2 e Estatuto
art 3º e 7º);
Não há igualmente dever de
obediência sempre que, o cumprimento das ordens ou instruções, implique a
prática de qualquer crime (271 nº3) ou quando as ordens ou instruções provenham
de um acto nulo (CPA 134 nº1)
O exposto permite-nos
vislumbrar a complexidade de direitos e deveres a que o ex policia se
encontrava sujeito. Podemos igualmente concluir que o direito administrativo é
um mundo. Mundo este que, por vezes, não funciona da melhor forma nem prima
pela organização.
Margarida Arêlo Manso Gonçalves
Aluna nº22803
Bibliografia:
Freitas do Amaral, Diogo "Curso de Direito Administrativo" Volume I
Pereira da Silva, Vasco "Em busca do acto administrativo perdido"
Sindicato dos profissionais de Policia- Lei n.º 7/90
De 20 de Fevereiro.
De 20 de Fevereiro.
http://www.spp-psp.pt/files/Legislacao/Reg_Disciplinar.pdf
0 comentários:
Enviar um comentário