domingo, 2 de dezembro de 2012

Tribunal de Contas

Tribunal de Contas é, sem dúvida, um nome que não é estranho a ninguém, o mesmo não acontece em relação à sua actividade e ao seu papel no Estado, que por vezes não é claro para todos. Diz o Professor Freitas do Amaral que o Tribunal de Contas é "um órgão fundamental da Administração Pública", será então um órgão inserido na estrutura da Administração? Não, embora funcione junto do Ministério das Finanças, o Tribunal de contas é um verdadeiro Tribunal, pois assim o determina o artº 214 da CRP. Mas as competências deste tribunal não são apenas jurisdicionais, por exemplo, artº 214, nº1, a), o Tribunal deve "Dar parecer sobre a conta geral do Estado". Para além disso, como se pode compreender pelo estipulado no artº 214, as competências deste tribunal podem ser alargadas por via legal.  No seu manual, o Professor Freitas do Amaral distingue quatro funções que podem ser assumidas pelo tribunal de contas, são elas:  a função consultiva; a jurisdicional; a de fiscalização; e, por último, a de fiscalização "da aplicação dos recursos financeiros oriundos das comunidades europeias".
Podemos então dizer que o tribunal é um tribunal financeiro, por um isso um órgão de soberania independente, não estando por isso inserido na Administração Pública, mas que actua dentro do panorama do Estado-Administração.

Debrucemos-nos agora sobre a actividade fiscalizadora deste tribunal, a mais relevante para o Estado Administração, e, provavelmente, a que lhe é mais original. Se formos visitar a página web do tribunal (www.tcontas.pt) vemos como título principal a sua razão de existir: "Ajudar o Estado e a sociedade a gastar melhor". Pois bem, em boa verdade, o que está por detrás da criação é a "necessidade de controlo financeiro dos dinheiros públicos", tentando assegurar assim uma harmonização entre a actividade administrativa e o ordenamento jurídico, jogando com a figura da "responsabilidade financeira". Recorde-se que a base para a actuação do Tribunal  são "os dinheiros públicos", e, é bom fazer notar que, neste conceito cabem, não só as receitas públicas, mas também as despesas e o património público. Ora isto faz com que o número de entidades sujeitas à actividade fiscalizadora do Tribunal de contas seja bastante alargado, o que pode confirmar no artº 2 da Lei nº98/97, alterada e republicada pela lei nº 48/2006, sobre a organização e processo do Tribunal de Contas. Depois da leitura do artigo podemos dizer que, em geral, o tribunal de contas exerce as suas funções sobre todas as entidades que gerem ou utilizam dinheiros públicos, independentemente da sua natureza, pública ou privada.

Passemos agora aos tipos de controlo exercidos pelo Tribunal de Contas. Existem três tipos de fiscalização:  
  • a fiscalização prévia (artº 44-48 lei 98/97, versão actual na lei 48/2006), estão inseridos neste tipo de fiscalização, basicamente todos os actos que gerem despesas ou responsabilidade financeira previstas na lei (artº44, nº1) praticados pelas entidades enunciadas nos artº 1 e 2 da mesma lei, e o que se pretende averiguar é se esses actos estão conformes à lei, ou não. O resultado desta fiscalização pode ser a concessão, ou recusa, do visto , ou então o tribunal pode emitir uma declaração de conformidade, que, embora precise de ser homolgada pelo tribunal, está a cargo dos serviços de apoio do tribunal. Note-se que, quer a recusa do visto, quer da declaração de conformidade, implicam a ineficácia do acto em apreciação;
  • a fiscalização concomitante (artº 49 lei 98/97), onde o Tribunal segue, em geral, a actividade financeira desenvolvida pelas entidades enunciadas no artº 2 da lei 98/97 (entidades do SPA, do SPE e outras entidades que tenham a cargo a gestão de recursos públicos), o que em concreto se faz acompanhando a execução de contratos, projectos, orçamentos, etc., da entidade em causa.
  • a fiscalização sucessiva (artº 50-56), que tem lugar depois de terminada a gerência ou o exercício da entidade  fiscalizar, sendo que é neste tipo de fiscalização que o tribunal tem poderes mais amplos. O professor Freitas do Amaral, por exemplo, considera este tipo de fiscalização como uma "actividade instrumental" da função jurisdicional deste Tribunal. Nesta fiscalização, onde o recurso a auditorias é abundante, o tribunal verifica "as contas das entidades previstas no artigo 2.o, avalia os respectivos sistemas de controlo interno, aprecia a legalidade, economia, eficiência e eficácia da sua gestão financeira e assegura a fiscalização da comparticipação nacional nos recursos próprios comunitários e da aplicação dos recursos financeiros oriundos da União Europeia" (artº 50 lei 98/97).
Deste último tipo de fiscalização pode-se contrariar então a tese do Prof. Freitas do Amaral, que refere uma quarta função deste tribunal quanto à fiscalização dos dinheiro comunitários, uma vez que estes acabam por estar enquadrados na fiscalização sucessiva do tribunal de contas.  Em bom rigor, a única especialidade que o professor aponta a esta pretensa quarta função é a de que o tribunal aprecia se os referidos recursos financeiros foram aplicados ao fim a que se destinavam, mas na prática, tudo isso se conduz a uma única função de fiscalização, que terá, concretamente no último tipo de fiscalização, uma particularidade quanto aos recursos comunitários. 

Em regra, os actos do Tribunal de Contas têm um destinatário determinado, contudo é notório, após a leitura de alguns acórdãos, que, por exemplo, em matéria de concessão ou recusa de vistos, o Tribunal visa, na sua decisão, as partes envolvidas, mas também outras entidades que, de uma maneira ou de outra estão ligadas aos processo, alertando-lhes o tribunal sobre o modo com, em futuros casos, se deve orientar a sua actuação. No fundo não são mais do que reparos ou simples advertências, mas são o suficiente para por em causa a afirmação, feita por parte do tribunal de que "Os actos produzidos pelo tribunal de Contas têm, naturalmente, destinatários determinados", uma vez que podem também envolver-se terceiros que, de uma maneira ou de outra podem ter responsabilidade nos actos fiscalizados pelo Tribunal de Contas.

 Concluindo, não é, de facto, em vão que se diz ser o Tribunal de Contas um "órgão fundamental" dentro da Administração Pública, embora não esteja ele estruturalmente nela inserido, mas que tem um papel importantíssimo no controlo da legalidade dos actos financeiros relacionados com actividades administrativas.

Luísa Mendonça

Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, Almedina, 3ª edição, 2011, pp.297-231
O Tribunal de Contas na actualidade, em 
http://www.tcontas.pt/pt/apresenta/actualidade/sit_act.pdf

Acórdãos:
Acórdão 3/2012 da 1ª S/PL em http://www.tcontas.pt/pt/actos/acordaos/2012/1spl/ac003-2012-1spl.pdf
Acórdão 10/2012 da 1ª S/PLhttp://www.tcontas.pt/pt/actos/acordaos/2012/1spl/ac010-2012-1spl.pdf
 

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