sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Brisa = Administração Pública?

 A Administração Pública é algo com que nos deparamos todos dias. Porquê? Bem, pondo as coisas em termos simples, porque é responsável pela manutenção e prossecução do "interesse público". Poderíamos aqui partir então para a discussão de saber, mas afinal, em concreto e objectivamente, em que é que consiste o interesse público? Contudo, não é esse, por muito interessante que seja, o meu objectivo. De facto, a Administração Pública prossegue o interesse público, e prossegue-o como? Em primeiríssimo lugar, através das entidades públicas, isto é,  as E.P.E, os Institutos públicos, as Autarquias, o Estado central, etc...  E aqui temos a Administração Pública em sentido orgânico, e que prossegue "de forma, directa, necessária e originária o interesse público". Pergunto-me agora se, para além destas entidades públicas, não haverão outras, nomeadamente privadas, que prossigam o mesmo interesse público.

Entra aqui em cena a Brisa! Todos sabemos que as Estradas e o seu plano se encontram inseridas no famoso Plano Nacional Rodoviário, indispensável para uma boa política do ordenamento do território, concretamente a nível da organização, gestão ou administração de estradas municipais, nacionais, auto-estradas, auto-estradas municipais, etc... Sem dúvida que se trata de interesse público, e que isto é serviço público. Contudo, ao viajarmos, concretamente nas auto-estradas, o que mais encontramos é tabuletas a dizer "Brisa deseja-lhe uma boa viagem", os carrinhos de apoio dizem Brisa, ou quando é para pagar a menina tem na sua farda o nome "Brisa" bordado, já para não falar no recibo de pagamento onde está escrito "Brisa S.A". Isto leva-me então a pensar. Se isto é um serviço público, porque é que uma empresa privada, como é o caso da Brisa, é que toma conta, e cobra portagens nas auto-estradas? Porque é que não é uma entidade pública? Será que os privados também fazem parte da Administração Pública? Pelo menos da Administração Pública em sentido orgânico, não.

Analisemos a agora a questão de um ponto de vista jurídico. De facto, a Brisa, sendo uma pessoa colectiva de Direito Privado, nomeadamente civil ou comercial, não criada pelo estado, (o que é relevante, dado que dentro da Administração indirecta vimos que, o Estado pode criar fundações de Direito Privado, embora actualmente se encontrem em vias de extinção) não encaixa na Administração pública em sentido orgânico. Contudo, não há dúvida que, na verdade, sendo uma entidade privada reveste interesse público.  No fundo, estamos perante aquilo que o Prof. Freitas do Amaral qualifica de um "exercício privado de funções públicas" isto porque, no caso das concessionárias, de que a Brisa é um exemplo, o Estado, não conseguindo realizar todas as suas tarefas, socorresse de capitais privados, e encarrega empresas, privadas, de uma função, ou tarefa da Administração Pública. Repare-se que aqui é claro que os particulares desempenham uma função pública que, à partida deveria ser exercida pelo Estado, não estamos perante casos em que é, simplesmente uma função de "utilidade pública", não, no caso da Brisa, vai-se mais além, ela ao agir age em vez do Estado. Por isso mesmo observamos que, nas concessões do Estado,  as entidades particulares, como é o caso da Brisa S.A., têm privilégios especiais, por desempenharem a tarefa em causa e que, em regra, empresas particulares não têm mas, ao mesmo tempo, têm deveres especiais que as empresas públicas, geralmente, não têm. Por exemplo, no caso da Brisa, tem isenções fiscais, mas, em contrapartida, não fixa por sua livre vontade o valor das portagens, ou, por exemplo, no caso de algumas auto-estradas há determinados troços, considerados de trânsito local, em que não pode cobrar portagens. Há inclusivamente muitos acórdãos do Tribunal constitucional, por exemplo, o Acórdão  nº 24/98.

Deste modo, e assim sendo a Brisa é uma "entidade particular de interesse público", cuja actividade consiste no exercício privado de funções públicas. Bom, até aqui muito bem, mas, juridicamente, e principalmente se seguirmos uma tese clássica, isto causa-nos algumas dores de cabeça (pelo menos a mim), porque, sendo uma entidade privada a Brisa nunca faria parte da Administração Pública, porque organicamente não cabe nela, sendo um mero colaborador do Estado. Esta é a tese defendida pelo Prof. Freitas do Amaral que, basicamente nos diz, uma vez do sector privado, nunca do sector público. Contudo surgiu outra tese defendida primariamente pelo Prof. Marques Guedes, e posteriormente por outros, como Marcelo Rebelo de Sousa, que, olhando de modo especial para os concessionários concluem que estas entidades, prosseguindo uma tarefa que cabe, em primeiro lugar ao Estado, se tornam órgãos do Estado, embora de maneira indirecta, perdendo assim o carácter privado. Realmente, a nível orgânico se, como defende Marques Guedes, as entidades particulares agem em nome, e em vez do Estado, a verdade é que, como sustenta o Prof. Freitas do Amaral, pela letra do artº 82 da CRP, não é assim tão óbvio que a Brisa possa ser enquadrada nesse sector público. Por exemplo, ao ler os estatutos da Brisa, esta é claramente, em sentido orgânico, uma pessoa colectiva de direito privado que, no desenrolar da sua actividade existencial, se assim a quisermos chamar, se encontra com o Estado.

De facto, o critério orgânico não se afigura como suficiente, e por isso penso que talvez seja necessário recorrer a um critério material, isto é, ir ao essencial da actividade aqui em causa e perceber se, por exemplo, entre uma concessão das Estradas de Portugal, entidade pública, e uma concessão da Brisa, há alguma diferença. E a resposta é, claramente, não. Por exemplo, no caso da ligação da auto-estrada A8, gerida pelas Auto-Estradas do Atlântico (grupo Brisa), com a A21, gerida pela MafrAtlântico, pertencente às Estradas de Portugal, quem entra em Lisboa na A8, dá entrada nas portagens de uma entidade privada, e, saindo em Mafra, paga a portagem a uma entidade pública. Diferenças? Só talvez as tabuletas e a farda dos funcionários...

 Por isto mesmo, o critério para saber se uma entidade privada pode fazer parte da Administração Pública deve ser um critério material e não orgânico. Deste modo, parece-me perfeitamente pacífico afirmar que a Brisa, como outras concessionárias, faz parte da Administração Pública em sentido material, completando a Administração pública em sentido orgânico naquilo que, em bom rigor, são as suas lacunas.

Luísa Mendonça

Bibliografia:
AMARAL, Diogo Freitas do, "Curso de Direito de Administrativo", vol. I, pp. 715-733
GUEDES, A. Marques, "A Concessão", vol.I, Coimbra, pp.166

Sitiografia:
http://www.brisaconcessao.pt/pt/informacao-corporativa/grupo-brisa
http://www.inir.pt/portal/RedeRodovi%C3%A1ria/PlanoRodovi%C3%A1rioNacional/Antecedentes/tabid/88/language/pt-PT/Default.aspx
http://www.inir.pt/portal/RedeRodovi%C3%A1ria/Concession%C3%A1rias/tabid/71/language/pt-PT/Default.aspx


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