Integração e devolução de poderes
Os interesses públicos a cargo do Estado, ou de
qualquer outra pessoa colectiva de fins múltiplos, podem ser mantidos pela lei
no elenco das atribuições da entidade a que pertencem ou podem, diferentemente,
ser transferidos para uma pessoa colectiva pública de fins singulares,
especialmente incumbida de assegurar a sua prossecução.
Entende-se por “integração” o sistema em que
todos os interesses públicos a prosseguir pelo Estado, ou pelas pessoas
colectivas de população e território, são postos por lei a cargo das próprias
pessoas colectivas a que pertencem.
E consideramos como “devolução de poderes” o
sistema em que alguns interesses públicos do Estado, ou de pessoas colectivas
de população e território, são postos por lei a cargo de pessoas colectivas
públicas de fins singulares.
Vantagens e
Inconvenientes
A principal vantagem da devolução de poderes é a de
permitir maior comodidade e eficiência na gestão, de modo que a Administração
Pública, no seu todo, funcione de forma mais eficiente, uma vez que se
descongestionou a gestão da pessoa colectiva principal.
Quais são os inconvenientes da devolução de poderes?
São a proliferação de centros de decisão autónomos, de patrimónios separados,
de fenómenos financeiros que escapam em boa parte ao controle global do Estado.
Regime
Jurídico
A devolução de poderes é feita sempre por lei.
Os poderes transferidos são exercidos em nome próprio
pela pessoa colectiva pública criada para o efeito. Mas são exercidos no
interesse da pessoa colectiva que os transferiu, e sob a orientação dos
respectivos órgãos.
As pessoas colectivas públicas que recebem devolução
de poderes são entes auxiliares ou instrumentais, ao serviço da pessoa
colectiva de fins múltiplos que as criou.
Sujeição à
Tutela Administrativa e à Superintendência
Importa começar por afirmar que os instrumentos
públicos e as empresas públicas estão sujeitos a tutela administrativa. Não se
pense, pois, que pelo facto de essas entidades se encontrarem, também sujeitas
a superintendência não se acham submetidas a tutela.
Mas as entidades que exercem administração indirecta
por devolução de poderes estão sujeitas a mais do que isso: além da tutela
administrativa, elas estão sujeitas ainda a uma outra figura, a de um poder ou
conjunto de poderes do Estado, a que a Constituição chama superintendência.
A superintendência, é o poder conferido ao Estado, ou
a outra pessoa colectiva de fins múltiplos, de definir os objectivos e guiar a
actuação das pessoas colectivas públicas singulares colocadas por lei na sua
dependência.
É pois, um poder mais amplo, mais intenso, mais forte,
do que a tutela administrativa. Porque esta tem apenas por fim controlar a
actuação das entidades a ela sujeitas, ao passo que a superintendência se destina
a orientar a acção das entidades a ela submetidas.
Temos três realidades distintas:
a) A
administração directa do Estado: o Governo está em relação a ela na posição de
superior hierárquico, dispondo nomeadamente do poder de direcção;
b) A
administração indirecta do Estado: ao Governo cabe sobre ela a responsabilidade da
superintendência, possuindo designadamente o poder de orientação;
c) A
administração autónoma: pertence ao Governo desempenhar quanto a ela a função
de tutela administrativa, competindo-lhe exercer em especial um conjunto de
poderes de controle.
A superintendência é um poder mais forte do que a
tutela administrativa, porque é o poder de definir a orientação da conduta
alheia, enquanto a tutela administrativa é apenas o poder de controlar a
regularidade ou a adequação do funcionamento de certa entidade: a tutela
controla, a superintendência orienta.
A superintendência difere também do poder de direcção,
típico da hierarquia, e é menos forte do que ele, porque o poder de direcção do
superior hierárquico consiste na faculdade de dar ordens ou instruções, a que
corresponde o dever de obediência a uma e a outras, enquanto a superintendência
se traduz apenas numa faculdade de emitir directivas ou recomendações.
Qual é então, do ponto de vista jurídico, entre
ordens, directivas e recomendações? A diferença é a seguinte:
- As ordens
são comandos concretos, específicos e determinados, que impõem a necessidade de
adoptar imediata e completamente uma certa conduta;
- As directivas
são orientações genéricas, que definem imperativamente os objectivos a cumprir
pelos seus destinatários, mas que lhes deixam liberdade de decisão quanto aos
meios a utilizar e às formas a adoptar para atingir esses objectivos;
- As recomendações
são conselhos emitidos sem a força de qualquer sanção para a hipótese do não
cumprimento.
Natureza
Jurídica da Superintendência
Três orientações são possíveis:
a) A
superintendência como tutela reforçada: é a concepção mais generalizada entre os juristas.
Corresponde à ideia de que sobre os institutos públicos e as empresas públicas
os poderes da autoridade responsável são poderes de tutela. Só que, como
comportam mais uma faculdade do que as normalmente compreendidas na tutela,
isto é, o poder de orientação, entende-se que a superintendência é uma tutela
mais forte, ou melhor, é a modalidade mais forte da tutela administrativa.
b) A
superintendência como hierarquia enfraquecida: é a concepção que mais influencia
na prática a nossa Administração. Considera nomeadamente que o poder de
orientação, a faculdade de emanar directivas e recomendações, não é senão um
certo “enfraquecimento” do poder de direcção, ou a faculdade de dar
ordens e instruções;
c) A superintendência
como poder de orientação: é a concepção que preconizamos. Consiste
fundamentalmente em considerar que a superintendência não é uma espécie de
tutela nem uma espécie de hierarquia, mas um tipo autónomo, sui generis,
situado a meio caminho entre uma e outra, e com uma natureza própria.
A superintendência também não se presume: os poderes
em que ela se consubstancia são, em cada caso, aqueles que a lei conferir, e
mais nenhum. A lei poderá aqui ou acolá estabelecer formas de intervenção
exagerada; a Administração Pública é que não pode ultrapassar, com os seus
excessos burocráticos, os limites legais.
A superintendência tem natureza de um poder de
orientação. Nem mais, nem menos: não é um poder de direcção, nem é um poder de
controle.
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