quarta-feira, 5 de dezembro de 2012


Integração e devolução de poderes

 

Os interesses públicos a cargo do Estado, ou de qualquer outra pessoa colectiva de fins múltiplos, podem ser mantidos pela lei no elenco das atribuições da entidade a que pertencem ou podem, diferentemente, ser transferidos para uma pessoa colectiva pública de fins singulares, especialmente incumbida de assegurar a sua prossecução.

Entende-se por “integração” o sistema em que todos os interesses públicos a prosseguir pelo Estado, ou pelas pessoas colectivas de população e território, são postos por lei a cargo das próprias pessoas colectivas a que pertencem.

E consideramos como “devolução de poderes” o sistema em que alguns interesses públicos do Estado, ou de pessoas colectivas de população e território, são postos por lei a cargo de pessoas colectivas públicas de fins singulares.

 

Vantagens e Inconvenientes

 

A principal vantagem da devolução de poderes é a de permitir maior comodidade e eficiência na gestão, de modo que a Administração Pública, no seu todo, funcione de forma mais eficiente, uma vez que se descongestionou a gestão da pessoa colectiva principal.

Quais são os inconvenientes da devolução de poderes? São a proliferação de centros de decisão autónomos, de patrimónios separados, de fenómenos financeiros que escapam em boa parte ao controle global do Estado.

 

Regime Jurídico

 

A devolução de poderes é feita sempre por lei.

Os poderes transferidos são exercidos em nome próprio pela pessoa colectiva pública criada para o efeito. Mas são exercidos no interesse da pessoa colectiva que os transferiu, e sob a orientação dos respectivos órgãos.

As pessoas colectivas públicas que recebem devolução de poderes são entes auxiliares ou instrumentais, ao serviço da pessoa colectiva de fins múltiplos que as criou.

 

Sujeição à Tutela Administrativa e à Superintendência

 

Importa começar por afirmar que os instrumentos públicos e as empresas públicas estão sujeitos a tutela administrativa. Não se pense, pois, que pelo facto de essas entidades se encontrarem, também sujeitas a superintendência não se acham submetidas a tutela.

Mas as entidades que exercem administração indirecta por devolução de poderes estão sujeitas a mais do que isso: além da tutela administrativa, elas estão sujeitas ainda a uma outra figura, a de um poder ou conjunto de poderes do Estado, a que a Constituição chama superintendência.

A superintendência, é o poder conferido ao Estado, ou a outra pessoa colectiva de fins múltiplos, de definir os objectivos e guiar a actuação das pessoas colectivas públicas singulares colocadas por lei na sua dependência.

É pois, um poder mais amplo, mais intenso, mais forte, do que a tutela administrativa. Porque esta tem apenas por fim controlar a actuação das entidades a ela sujeitas, ao passo que a superintendência se destina a orientar a acção das entidades a ela submetidas.

Temos três realidades distintas:

a) A administração directa do Estado: o Governo está em relação a ela na posição de superior hierárquico, dispondo nomeadamente do poder de direcção;

b) A administração indirecta do Estado: ao Governo cabe sobre ela a responsabilidade da superintendência, possuindo designadamente o poder de orientação;

c) A administração autónoma: pertence ao Governo desempenhar quanto a ela a função de tutela administrativa, competindo-lhe exercer em especial um conjunto de poderes de controle.

A superintendência é um poder mais forte do que a tutela administrativa, porque é o poder de definir a orientação da conduta alheia, enquanto a tutela administrativa é apenas o poder de controlar a regularidade ou a adequação do funcionamento de certa entidade: a tutela controla, a superintendência orienta.

A superintendência difere também do poder de direcção, típico da hierarquia, e é menos forte do que ele, porque o poder de direcção do superior hierárquico consiste na faculdade de dar ordens ou instruções, a que corresponde o dever de obediência a uma e a outras, enquanto a superintendência se traduz apenas numa faculdade de emitir directivas ou recomendações.

Qual é então, do ponto de vista jurídico, entre ordens, directivas e recomendações? A diferença é a seguinte:

- As ordens são comandos concretos, específicos e determinados, que impõem a necessidade de adoptar imediata e completamente uma certa conduta;

- As directivas são orientações genéricas, que definem imperativamente os objectivos a cumprir pelos seus destinatários, mas que lhes deixam liberdade de decisão quanto aos meios a utilizar e às formas a adoptar para atingir esses objectivos;

- As recomendações são conselhos emitidos sem a força de qualquer sanção para a hipótese do não cumprimento.

 

Natureza Jurídica da Superintendência

 

Três orientações são possíveis:

a) A superintendência como tutela reforçada: é a concepção mais generalizada entre os juristas. Corresponde à ideia de que sobre os institutos públicos e as empresas públicas os poderes da autoridade responsável são poderes de tutela. Só que, como comportam mais uma faculdade do que as normalmente compreendidas na tutela, isto é, o poder de orientação, entende-se que a superintendência é uma tutela mais forte, ou melhor, é a modalidade mais forte da tutela administrativa.

b) A superintendência como hierarquia enfraquecida: é a concepção que mais influencia na prática a nossa Administração. Considera nomeadamente que o poder de orientação, a faculdade de emanar directivas e recomendações, não é senão um certo “enfraquecimento” do poder de direcção, ou a faculdade de dar ordens e instruções;

c) A superintendência como poder de orientação: é a concepção que preconizamos. Consiste fundamentalmente em considerar que a superintendência não é uma espécie de tutela nem uma espécie de hierarquia, mas um tipo autónomo, sui generis, situado a meio caminho entre uma e outra, e com uma natureza própria.

A superintendência também não se presume: os poderes em que ela se consubstancia são, em cada caso, aqueles que a lei conferir, e mais nenhum. A lei poderá aqui ou acolá estabelecer formas de intervenção exagerada; a Administração Pública é que não pode ultrapassar, com os seus excessos burocráticos, os limites legais.

A superintendência tem natureza de um poder de orientação. Nem mais, nem menos: não é um poder de direcção, nem é um poder de controle.

 

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