domingo, 16 de dezembro de 2012

O dever de obediência na Administração Pública


O dever de obediência é o contraponto do poder de direcção e é o principal dever típico da relação hierárquica. Este dever consiste segundo o artigo 3º nº7 do Estatuto Disciplinar na “obrigação de o subalterno cumprir as ordens e instruções dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objecto de serviço sob a forma legal”. Daqui, retiramos a existência de três requisitos para a que exista o dever de obediência e que são:
-a ordem ou instruções provenham de legítimo superior hierárquico
-ordens ou instruções tem de ser dadas em matéria de serviço
-as ordens e instruções têm de ser feitas da forma legal prescrita
Ou seja, não há dever de obediência Assim, nos casos em que a ordem ou instrução é ilegal não fica o subalterno com a obrigação de a respeitar.
O Prof. Freitas do Amaral distingue entre a possibilidade de uma ordem ser “extrinsecamente” ou “intrinsecamente” ilegal. O primeiro caso verifica-se quando, por exemplo, a ordem provenha de um órgão que não seja legítimo superior do subalterno ou quando uma ordem respeite a um assunto da vida particular do superior ou do subalterno, ou ainda quando a ordem tenha, por exemplo, sido dada verbalmente e a lei exija forma escrita para esse acto. Nestes casos a ordem é “extrinsecamente” ilegal e o subalterno não fica obrigado a cumpri-la. O segundo caso verifica-se quando o subalterno receber uma ordem que provenha de um legítimo superior hierárquico e que se debruce sobre matérias de serviço mas que é “intrinsecamente” ilegal implicando, portanto, se for acatada a pratica pelo subalterno de um acto ilegal ou ilícito. Esta segunda questão é mais complexa e a doutrina tem defendido diversas posições para o que deve ser feito pelo subalterno nestes casos em que a ordem é “intrinsecamente” ilegal.
Tem se verificado essencialmente duas correntes: a hierárquica e a legalista.
A corrente hierárquica defende que existe sempre dever de obediência, não estando na mão do subalterno decidir ou questionar a legalidade das ordens do seu superior hierárquico. Para quem defende esta corrente admitir que o subalterno poderia questionar a legalidade das ordens, é exatamente ir contra a razão de ser da hierarquia. O subalterno poderá sempre exercer o direito de respeitosa representação junto do superior expondo-lhe as suas dúvidas, mas tem sempre de cumprir com aquilo que for decidido pelo seu superior. Esta posição foi defendida por Otto Mayer, Laband e Nézard.
Por outro lado, para a corrente legalista não há dever de obediência em relação a ordens julgadas ilegais. Esta corrente foi defendida por nomes como Hauriu e Jezé ou Orlando e Santi Romano. Esta corrente teve uma versão mais restritiva, uma posição mais intermédia e uma posição mais ampla. Na primeira (a mais restritiva) defendeu-se que não existiria dever de obediência se a ordem implicasse a prática de um crime. Na segunda posição (a mais intermédia) o dever de obediência cessa se e só se a ordem for inequivocamente ilegal. Se houver duvidas ou mera divergência de entendimentos e interpretações quanto há legalidade da ordem, esta continua a ser imperativa e a ter de ser acatada para o subalterno. Na terceira versão (a mais ampla) defendia-se que não há dever de obediência a uma ordem ilegal, independentemente do motivo da ilegalidade, na medida em que acima do superior esta sempre a lei e o subalterno deve sempre respeitar em primeiro lugar a legalidade e só depois a hierarquia.
No fundo a questão reparte-se em saber o que é que prevalece: se a lei ou se a hierarquia.
Na doutrina Portuguesa Marcello Caetano adoptava a corrente hierárquica, embora “ temperada nos termos em que está regulada na lei portuguesa”.
O Prof. Freitas do amara chama a atenção para o facto de a apesar de aparentemente num sistema administrativo que se encontra sujeito ao princípio da legalidade não se deveria sequer colocar a questão de saber se os subalternos devem ou não cumprir ordens ilegais. No entanto algumas razões obstam que tal conclusão seja tao óbvia e clara, na medida em que consagrar o direito de desobedecer a ordens ilegais dadas por um superior hierárquico pode gerar um factor de indisciplina nos serviços públicos, significa também dar a todos os subalternos o poder de examinar as ordens dos seus superior e determina ainda que se o subalterno tiver o dever de desobedecer a ordens ilegais, a consequência que dele advém no caso de decidir é que também ele se torna responsável pelas consequências da execução de uma ordem ilegal.
Assim o Prof. Freitas do Amaral defende a posição legalista devido ao princípio do Estado de Direito Democrático (preâmbulo da CRP) e ainda devido à submissão da Administração à lei que é consagrada no artigo 266º nº 2 da nossa Lei Fundamental. Mas defende esta corrente numa posição mais moderada.
                Na vigência do Constituição de 1933 a natureza autoritária do regime levou a que se optasse pela prevalência da corrente hierárquica.
Actualmente prevalece um sistema legalista mitigado e que resulta do artigo 271 nº 3 da CRP e do já citado artigo 3ºm nº 7 do Estatuto Disciplinar.
Assim , no actual sistema português há dever de obediência quando as ordens respeito o artigo 3º nº 7 do Estatuto Disciplinar.
Não há, no entanto, dever de obediência a ordens cujo cumprimento implique a prática de um crime (artigo 271 nº 3 CRP) ou quando as ordens provenham de um acto nulo (artigo 134º nº1 do CPA).
Note-se que o subalterno só ficará excluído da responsabilidade pelas consequências da execução da ordem se antes da sua execução tiver reclamado ou exigido a transmissão ou confirmação delas por escrito, fazendo menção de forma expressa de que considera ilegais as ordens recebidas (artigo 10º nº 1 e 2 do Estatuto Disciplinar).
Para o Prof. Freitas do Amaral o dever de obediência a ordens ilegais é uma excepção ao princípio da legalidade, mas é uma excepção que é admitida pela Constituição.
A opinião do Prof. Vasco Pereira da Silva é a de que cessa o dever de obediência sempre que estejam em causa direitos fundamentais ou a dignidade da pessoa humana (artigo 133º alínea d) do CPA).
Após a análise sobre o dever de obediência no sistema administrativo posso  concluir que este é bastante importante na relação de hierarquia e que não é um dever absoluto, na medida em que pode comportar importantes execpções à sua aplicação de forma a se poder fazer valer o princípio da legalidade da Administração Pública e evitar que normas ilegais ou que se revelem na pratica de um acto criminoso não sejam aceitáveis nem sejam executadas pelo subalterno que esteja sujeito ao dever de obediência.
 Abreviaturas:
-CRP: Constituição da República Portuguesa
CPA: Código de Procedimento Administrativo

Legislação:
-Constituição da República Portuguesa
-Decreto-Lei nº 24/84 de 16 de Janeiro que aprova o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local.
-Código do procedimento Administrativo

Bibliografia:
Diogo Freitas do Amaral, "Curso de Direito Administrativo", Almedina, Coimbra-volume 1, 3ªEdição, 2006

1 comentários:

Higino,UCM FADIR - NPL disse...

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