A Internacionalização do Direito
Administrativo
No início, o
Direito Administrativo tinha um carácter estadual, proveniente de uma
Administração agressiva em que ele era uma manifestação do poder público, nem
que com isso, o acto administrativo fosse desfavorável para o particular, já
que visava a autoridade do Estado e era restritivo dos direitos dos cidadãos
(Maurice Hauriou falava em Administração de Polícia). Tal verificou-se no
Estado Liberal, após a Revolução Francesa, em que o que se tentava era garantir
a defesa dos poderes públicos, descurando a protecção dos direitos dos
particulares.
No
entanto, com o Estado Social, o Estado vai assumir novas funções (económica,
social, cultural, etc), através da desconcentração e da descentralização (passa
a não ser apenas o Estado, mas também outras entidades administrativas) e a
Administração passa a ser prestadora, ou seja, constitutiva de direitos, os
cidadãos passam a querer que a Administração actue, pois o acto administrativo
passa a ser visto como um meio de satisfação dos interesses individuais.
Por
outro lado, a globalização económica fez com que o Direito Administrativo
perdesse o carácter estadual que outrora teve. A Administração, que já tinha
passado a ser exercida por outras entidades, além do Estado, passa também a ter
um carácter externo, internacional, nomeadamente através de organizações
internacionais. Importa referir que existem três vertentes da
Internacionalização do Direito Administrativo: Direito Administrativo Comparado,
Direito Administrativo Global e Direito Administrativo Europeu.
Já
nas décadas de 70 e 80 do século XX, do Estado Pós-Social e da resultante
Administração Infra-estrutural (administração que cria infra-estruturas para
que numa comunidade possa mais facilmente prosseguir os interesses públicos),
surge a protecção plena e efectiva dos direitos individuais com a criação de
novas realidades, como os direitos de terceira geração e a afirmação da ideia
de que o contencioso administrativo existe para proteger os particulares, seja
por meio do legislador constituinte, seja pela jurisprudência e, no fim do
século XX e início do século XXI, surge um Direito Europeu do Contencioso
Administrativo, que tem trabalhado para aperfeiçoar os meios processuais.
Actualmente,
a europeização do Direito Administrativo dá-se pelo facto de haver cada vez
mais fontes jurídicas europeias na matéria e pela maior integração jurídica
horizontal, graças a políticas comuns e perspectivas comparatistas adoptadas
pela legislação e doutrinas.
É,
por conseguinte, possível falar-se, hoje em dia, num Direito Administrativo
Global, assente na ideia de “governança”, devido às alterações da actividade
administrativa internamente (de estadual ter passado a ser levado a cabo por
uma série de entidades públicas e privadas) e externamente (pelo aparecimento
de uma dimensão internacional de realização da função administrativa).
O
caso europeu, com a União Europeia, é um exemplo bastante evidente desta nova
realidade, pois foi com ele que se formou uma verdadeira ordem jurídica,
decorrente da junção de fontes comunitárias e fontes nacionais, a qual vigora
automaticamente na esfera interna dos Estados-membros. As administrações dos
Estados-membros são transformadas em administrações europeias, mediante a
integração das instituições administrativas europeias dos Estados-membros.
Pode-se, desta forma, falar em “comunidade de Direito Administrativo”
(Schwarze), no que toca à União Europeia, para a realização dos seus objectivos
e tarefas respectivas. O Prof. Vasco Pereira da Silva fala ainda na possível
consideração do Direito Administrativo em “Direito europeu concretizado”, uma
vez que as políticas públicas europeias fazem parte do exercício da função
administrativa e o Direito Europeu é realizado através de normas e instituições
do Direito Administrativo em cada Estado-membro, para além de que as fontes de
Direito Administrativo são cada vez mais de origem europeia.
Em
Portugal, a Constituição da República Portuguesa contém uma norma (artigo 8º) que
recebe automática e plenamente o Direito Internacional dentro da ordem jurídica
portuguesa, sendo que as normas de Direito Internacional podem disciplinar
directamente a função administrativa no país. Todavia, essas normas podem
também disciplinar apenas indirectamente.
Relativamente
ao Direito Comunitário na ordem jurídica portuguesa, este tem assumido cada vez
uma maior produção normativa. Existem ainda fontes de direito comunitário, como
o regulamento, a directiva, a decisão normativa e os tratados europeus.
A
europeização é visível ainda na perda da dimensão estatuária do acto
administrativo, pois o Direito Europeu regula a função administrativa tendo em
conta o que ela realiza e destina-se a ser aplicado em vários países com
diferentes tradições e sistemas. Em Portugal, esta questão é consagrada no
artigo 4º, nº1, alínea d) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais,
pois os sujeitos privados ficam sujeitos a um regime jurídico-público,
praticando “actos administrativos em sentido europeu”. Os procedimentos
administrativos tornam-se, assim, mais complexos e a actuação administrativa de
Direito Europeu assume formas de actuação de configuração combinatória. Outro
aspecto a ter em consideração é ainda o surgimento de autoridades administrativas
independentes nos países europeus, inclusive em Portugal, as quais procedem a
uma fiscalização adequada das matérias administrativas.
Não
obstante, importa ainda referir a contratação pública no processo europeu. A
generalização da contratação administrativa nos domínios de actuação pública, é
de certa forma, um resultado da doutrina no âmbito europeu, graças às
tentativas de construção de uma união económica e monetária, originando um
regime comum de contratação pública. Em Portugal, esta matéria resultou na
elaboração de um Código da Contratação Pública.
Bibliografia:
Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos “Direito
Administrativo – Introdução e Princípios Fundamentais”;
Vasco Pereira da Silva / Ingo
Wolfgang Sarlet “Direito
Público Sem Fronteiras”.
Diana Furtado Guerra
Nº21984
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