Privatização parcial do grupo televisivo RTP e estabelecimento de
contrato de concessão a empresa privada adquirente para a realização do serviço
público
Face à intenção do Governo de reformar o Estatuto
de Televisão Pública em Portugal foi-nos solicitado um parecer que se
debruçasse sobre a “questão da RTP” e que apresentássemos a melhor solução para
o futuro do serviço público de televisão.
A
compreensão do objeto do parecer exige que se conheça, desde já e ainda que em
linhas gerais, o assunto em apreço.
Para tal vamos proceder a uma pequena análise histórica da RTP, vamos
analisar os preceitos constitucionais e legais relativos à RTP e apresentar
aquela que nos parecer a melhor solução para o Estado/Governo e para a garantia
do serviço público de televisão em Portugal.
A RTP é, como sabemos, o canal público da nossa
televisão. É inegável a sua importância na nossa sociedade, no entanto, como
sabemos, a RTP atravessa hoje graves problemas financeiros e de gestão. Com a
atual crise económica que o país atravessa, torna-se insustentável continuar
com o mesmo regime de administração da RTP. Há uma necessidade urgente em
arranjar uma solução para o “problema RTP” e essa solução passa, segundo a
nossa opinião, pela via da privatização parcial da RTP, já que esta vai
beneficiar espectadores, o Estado e a própria empresa privada.
Esta questão colocou-se uma vez que foi apresentado
pelo líder do PSD, Pedro Passos Coelho, ainda no Programa Eleitoral do Partido
Social Democrata (PSD) às eleições legislativas 2011, a opção pela privatização
de um dos canais públicos comerciais, ficando o outro na esfera pública mas a
ser orientado por um novo conceito de serviço público. Esta proposta surge
devido à necessidade de o sector público do Estado na comunicação social dever
acompanhar o esforço financeiro que está a ser exigido aos portugueses. Devendo-se
reduzir os custos de forma a criar condições para a redução do esforço
financeiro dos contribuintes, combater o desperdício e concentrar-se na prestação
de um verdadeiro serviço público.
No entender
do PSD, a RTP deve concentrar-se, logo que possível, num novo modelo de gestão
exclusivamente orientado para o serviço público com vista a reduzir o atual
nível de financiamento público, nomeadamente as indemnizações compensatórias.
Com a vitória do PSD nas eleições legislativas
estas medidas ficaram também consagradas no Programa do XIX Governo
Constitucional.
Assim a
privatização da RTP é um dado garantido, discute-se e tem sido muito polémica,
no entanto, qual o melhor modelo ou qual a melhor opção para o fazer de forma a
não prejudicar o serviço público de televisão, os interesses do Estado e dos
cidadãos.
A Radiotelevisão Portuguesa (RTP) foi
constituída a 15 de Dezembro de 1955, por iniciativa do Governo, mas apenas a 4
de Setembro de 1956 é que se iniciaram as primeiras emissões experimentais, que
tiveram lugar na Feira Popular de Lisboa. A RTP é constituída como sociedade
anónima com capital tripartido entre o Estado e as emissoras de radiodifusão
privadas e particulares. O Estado foi o grande impulsionador do projeto vendo
na televisão um poderoso veículo de propaganda política e um instrumento de
enquadramento da população. É
de realçar a importância gerada pela participação do Professor Marcello Caetano
(na altura, Ministro da Presidência de Salazar), considerado, por muitos, o
“Fundador da RTP”.
As emissões iniciaram-se regularmente a partir
de 7 de Março de 1957. A partir de 1968 surge o segundo canal da estação. O
aparecimento da RTP foi um sinal do fim do Estado Novo enquanto regime fechado
ao mundo. A revolução do 25 de Abril de 1974 ficou marcada pela ocupação da
RTP. A 25 de Abril de 1974 a RTP é tomada pelos militares que mostraram às
famílias portuguesas a revolução que estava a ocorrer nas ruas e em direto.
Seguiram-se tempos turbulentos para a RTP devido à luta pelo seu controlo, mas
a RTP acabou por se tornar mais aberta e pluralista. Em 1975, a RTP foi
nacionalizada, transformando-se na empresa pública Radiotelevisão Portuguesa,
pelo Decreto-Lei n.º 674-D/75, de 2 de Dezembro
O facto de a RTP ser uma empresa pública tem, ao
longo dos anos, suscitado acusações, dos diversos quadrantes políticos, de
governamentalização excessiva da estação, nomeadamente no que diz respeito ao
serviço de informação.
Apesar do aparecimento da SIC e da TVI (nos anos
90), a RTP continua a usufruir de um estatuto especial pois é a concessionária
do serviço público de televisão.
A Rádio e Televisão de
Portugal (RTP) é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos[1] que tem
como objetivo a prestação dos serviços públicos de rádio e de televisão e pode,
também, prosseguir atividades industriais ou comerciais, desde que,
relacionadas com a atividade de rádio e televisão.
É exigência do artigo
38º n.º5 da Constituição da República Portuguesa que o Estado assegure a
existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de televisão. A
existência de uma rádio e televisão pública é uma “garantia institucional da
própria liberdade e pluralidade da comunicação social”[2], na
medida em que não está submetida a interesses económicos próprios nem a
orientações doutrinárias particulares. A previsão constitucional de um serviço
público de rádio e televisão é um garante institucional, igualmente, de um
sector público da comunicação social que não poderá, sob qualquer situação, ser
abolido.
A Lei nº 27/2007 regula o acesso à atividade de televisão e o seu
exercício, estando sujeitos às suas disposições as emissões de televisão transmitidas por operadores que prossigam a
atividade de televisão sob a jurisdição do Estado Português. A estrutura e o
funcionamento do operador de serviço público de televisão e rádio é exercido
por uma concessionária do serviço público de televisão que deve salvaguardar a
sua independência perante o Governo, a Administração Pública e os demais
poderes públicos, bem como assegurar a possibilidade de expressão e confronto
das diversas correntes de opinião. Devem, como tal, os visados nesta lei
contribuir para a informação, formação e entretenimento do público; promover o
exercício do direito de informar e ser informado com rigor e independência, sem
impedimentos nem discriminações; promover a cidadania e a participação
democrática e respeitar o pluralismo político social e cultural; difundir e
promover a cultura e a língua portuguesas, os criadores, os artistas e os
cientistas portugueses e os valores que exprimem a identidade nacional.
Na Lei n.º 8/2007 foram aprovados os estatutos Rádio e
Televisão de Portugal, S.A., concessionária dos serviços públicos de
rádio e televisão, cujo capital social é totalmente realizado pelo Estado.
A Lei nº 30/2003 (alterada posteriormente pelos Decretos-leis
n.ºs 169-A/2005 e 230/2007) estabeleceu o modelo de financiamento do serviço público
de rádio e televisão. O financiamento do serviço público de radiodifusão é
assegurado por meio da cobrança da contribuição para o audiovisual (CAV) e
o financiamento do serviço público de televisão assegurado por indemnizações
compensatórias e pela receita da contribuição para o audiovisual que não
seja utilizada no financiamento da radiodifusão sonora.
Apresentado todo o enquadramento jurídico que abrange a RTP
cabe dizer que, fruto das contingências da atualidade, nomeadamente o estado
da economia nacional e o desequilíbrio da balança das despesas e receitas do
Estado, tem-se assistido a um crescente movimento de privatização de empresas
públicas e há uma procura de soluções menos drásticas, para que o sector
empresarial do Estado continue a garantir determinados serviços públicos. Tal como
vimos inicialmente o sector público de Televisão e Rádio é uma das áreas que se
vai reformar de modo a combater o aumento do défice orçamental. Contudo, a
solução não passa necessariamente pela privatização total. Há que procurar uma solução capaz
de dar resposta aos direitos do cidadão que têm “direito de informar, de se
informar e de ser informado”[3], que garanta que o Estado
não desrespeita o preceito constitucional, que exige que o Estado garanta o
funcionamento de um serviço público de rádio e televisão e que otimize os seus
recursos e que diminua os custos.
Tendo em conta o que foi dito, a solução que nos parece
mais viável é a adoção de um modelo de privatização parcial do grupo televiso da
RTP, e estabelecimento de um contrato de concessão, com uma participação
minoritária, a uma empresa privada adquirente para a realização do serviço
público. Deste modo, o Estado continuará a assegurar a existência de um serviço
público de rádio e televisão e concessionando parte a uma empresa privada o que
diminuirá
as despesas decorrentes da manutenção e funcionamento, de dois canais de
televisão, que atravessam um período de declínio nas suas audiências, o que é
demonstrativo da falta de diversidade de programação que
alicie os espectadores. A evolução do canal público de televisão não tem
conseguido acompanhar as exigências do seu público, que encontra uma numerosa
oferta de canais televisivos, com cada vez mais especialização, o que
representa um desafio para os canais generalistas. A concessão a uma empresa
privada traria um maior aproveitamento da RTP, que se traduziria numa melhor
qualidade do serviço prestado.
Destacam-se, nesta alternativa, vários conceitos que
nos cabe clarificar. A privatização é entendida como um fenómeno da
Administração Pública que se caracteriza pela substituição ou passagem de uma
esfera eminentemente pública para uma essencialmente privada. A privatização
pode ocorrer relativamente à transferência de determinados bens, atribuição de
determinadas funções, ou ainda, a substituição de mecanismos de direito público
por mecanismos de direito privado. Neste caso a venda seria parcial (49% do
privado e 51% do Estado). A concessão de serviços públicos
caracteriza-se pela atribuição a um privado, o concessionário, da competência
de gestão do serviço público concedido. Transfere-se da esfera pública para a
esfera privada o essencial do poder decisório relativo à organização e ao
funcionamento de certa atividade, como consta do artigo 409º do Código dos
Contratos Públicos. Por concessão de serviço público, entende-se, “ o contrato pelo qual o cocontratante
se obriga a gerir, em nome próprio e sob sua responsabilidade, uma atividade de
serviço público, durante um determinado período, sendo remunerado pelos
resultados financeiros dessa gestão ou, diretamente, pelo contraente público.”[4] .
Uma empresa privada produz e comercializa bens ou serviços, e tem como objetivo
final da sua atividade a obtenção de lucros, e o seu capital é detido
maioritariamente por entidades privadas. As empresas privadas prosseguem fins
próprios e são independentes do Estado. Por último, os serviços públicos visam
salvaguardar os interesses da coletividade, sejam prosseguidos pelo próprio
Estado ou por entidades particulares.
Desde já realçar que, tal como já foi salientado,
a privatização estava prevista no programa eleitoral do PSD aquando das
eleições legislativas e ficou posteriormente estabelecida no programa do XIX
Governo Constitucional. O PSD ao ser eleito pressupõe-se que o eleitorado
aceitava esta posição do partido. A privatização foi sufragada pelos portugueses no ato eleitoral,
ao darem a maioria ao atual Governo.
O atual Primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, sempre defendeu a privatização
da RTP, defendendo “Despartidarizar, desgovernamentar e desestatizar”. Destaca
que o Estado deve sair dos negócios e ser reduzido o poder interventivo do
Governo na esfera pública.
Com a nossa proposta a RTP permanece na propriedade
do Estado sendo a licença entregue a um privado que teria de cumprir as
obrigações do serviço público recebendo para tal um apoio estatal bastante
inferior ao atual. O dinheiro que viria da parte do Estado seria o resultante
em exclusivo da contribuição dos cidadãos paga por via da taxa audiovisual que,
relativamente ao ano passado, foi de cerca de 140 milhões de euros. Esta opção
teria a grande vantagem de aliviar o Orçamento do Estado dos elevados custos
com a RTP para cumprir o serviço público e garantir a propriedade pública da
empresa.
A
privatização parcial traduz-se, na prática, num modelo de privatização em que
apenas parte da gestão é entregue a uma empresa privada continuando o sector
público a deter uma quota. Nesta medida, privatizando a RTP em apenas 49%, o
Estado continuará a deter a quota maioritária na gestão do canal. O que garante
que não haja uma evidente violação de um preceito constitucional, pois o Estado,
possuindo uma quota maioritária de 51%, não se evadirá da sua obrigação de
garantir pelo menos um canal público de televisão.
Em abono deste modelo de privatização já vários
constitucionalistas se pronunciaram. O Professor Jorge Miranda admite que a
privatização parcial é o modelo mais adequado pois, a participação maioritária
se mantém no Estado, não se incorrendo em nenhuma ilegalidade, como sucederia
no caso de uma privatização total ou na concessão total a um privado. O
Professor Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que este é o modelo de privatização mais
benéfico para o privado, que não vai gastar tanto, pois a sua quota vai ser
minoritária e é também benéfico para o Estado/Governo que “continua a
controlar” o canal público, fazendo apelo ao já citado artigo 38º da CRP
Este é um modelo intermédio, que não bole com nenhum
preceito institucional e garante uma melhor gestão dos canais públicos de
televisão. Qualquer modelo de privatização total é claramente gerador de
ilegalidade, na medida em que contraria um preceito constitucional.
A privatização parcial com concessão a uma empresa
privada gerará um incentivo no sentido de aumentar os lucros dos canais públicos
de televisão, na medida em que, a remuneração dessa empresa privada vai ser
fixada mediante os resultados financeiros dessa gestão. Haverá, por parte da
empresa privada um investimento cujos maiores beneficiários serão os cidadãos,
que verão a qualidade da prestação de serviços públicos de televisão aumentar.
Uma das vantagens que decorreria do nosso modelo
seria o fim do controlo da informação da RTP pelos sucessivos governos (basta
lembrar o inicio da RTP que esteve ligado à ditadura).
Também é de realçar o fator histórico. Todos
sabemos que a RTP foi o primeiro canal de televisão em Portugal e público,
claro está. No seu cerne, este canal alberga o que de mais português houve e há
no espectro televisivo, acabar com o carácter público deste canal era
retroceder e, em muito, na história do nosso país. Ao pertencer ao Estado,
pertence-nos a todos.
Existe a necessidade de participação de uma empresa
que assegure as faltas do Estado, em termos de capitais que se vão repercutir
em meios de otimização e maior qualidade dos serviços prestados aos
particulares. Mas sempre com a salvaguarda da participação maioritária do Estado.
Nuno Morais Sarmento, antigo ministro (responsável
pela implementação do Acordo de Reestruturação Financeiro da RTP feito em 2002
e ainda em vigor), diz que "qualquer modelo que passe pela alienação ou
concessão total não se adequa". Morais Sarmento, que já expusera
publicamente as vantagens de um modelo de venda parcial da empresa reforçou que
as "emissões nacionais e internacionais devem ser prioritárias" na
medida em que está em causa a defesa da língua portuguesa e da identidade
nacional.
O Estado receberia verbas com a venda parcial da RTP, o que ajuda no
combate ao défice.
Contra
estas propostas têm-se levantado algumas críticas, nomeadamente, o fato de
poder “embaratecer” a venda (ou seja, torna-se num “mau negócio para o Estado”)
e, também, de poder permitir uma alteração da própria essência da programação
da RTP (por exemplo, passando de um lado mais tradicional para um mais
popular). No entanto, consideramos que as vantagens que poderão resultar da
nossa proposta superam qualquer tipo de prejuízo causado pelo facto de o Estado
ter de se sujeitar inicialmente a uma venda não tao favorável.
Em conclusão, é neste modelo intermédio entre a privatização
total e o atual modelo que residem as maiores garantias para o particular e para
o Estado. Na medida em que, não há uma mudança drástica na organização e
funcionamento do canal público de televisão, evitando-se uma situação de maior
contestação social.
Esta solução
por nós defendida consegue conciliar vários interesses e é a que se apresenta,
à doutrina, como a melhor solução. Mantém-se o controlo político do Estado,
asseguram-se melhores condições aos telespectadores e a empresa privada
beneficia, poupando em capitais. E em tempos de crise a palavra de ordem é a
“contenção de custos”, o que torna quase impossível a missão de trazer de volta
à vida a RTP sendo, por isso, necessária intervenção alheia.
Ana Catarina Gonçalves, Ana Cláudia Rocha, Ana Rita Dias, Ana Rita Ferreira, Cristina Martins, Maria João Rocha, Sandra Pina
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