Parte I
É inegável que
desde meados da década de oitenta do século passado que o mundo ocidental
sofreu uma acentuada transformação da realidade político-ideológica que, por
sua vez, trouxe consequências profundas a nível jurídico-administrativo.
Grande parte da
doutrina Alemã considera que estas transformações, em conjunto com a
transformação sofrida pelo Direito Público, levaram à emergência de um novo
direito administrativo e da necessidade de uma nova ciência administrativa para
o estudar.
Porém, entre nós,
a maioria da doutrina adopta uma posição mais moderada. Consideram que as
alterações ocorridas no funcionamento, organização e actuação da Administração
e no direito que regula tais matérias, não demonstram uma alteração tal que os
leve a considerar que existe um novo direito administrativo. Contudo, não
descuram a importância da doutrina alemã como fonte explicativa das mudanças
ocorridas nos últimos anos do século XX e dos primórdios do século XXI.
Em seguida, estão
enunciadas as principais mudanças defendidas pela doutrina alemã que levaram ao
surgimento de um novo Direito Administrativo.
Privatização
Considerada uma das tendências mais fortes dos últimos anos, a privatização
encontra-se associada a um ambiente geral de liberalismo (principalmente à
liberalização dos grandes serviços públicos), à afirmação do mercado e da
diminuição da intervenção pública na economia e na sociedade. O conceito
material de privatização consiste, nas palavras de Figueiredo Dias e de Paula
Oliveira, “na transferência da realização de tarefas do sector público para o
privado, tudo conduzindo a diminuir a intervenção do Estado, em geral, e das
Administrações públicas, em particular, na vida económica e social”, ou seja,
as competências que inicialmente competiam ao Estado e às Administrações
públicas são transmitidas para uma entidade privada. De salientar que as
consequências jurídico - administrativas da privatização não consistem apenas
na privatização de tarefas, englobam também a privatização da organização,
financeira, funcional e procedimental. Por fim, o Estado deve gerir as
consequências da privatização, deve envolver-se, colaborar, cooperar e
partilhar as responsabilidades entre a Administração Pública e os Privados.
Importância da regulação
A actividade
administrativa de regulação é considerada, nos nossos dias, como uma das
principais áreas ou domínios do Direito Administrativo. A regulação
administrativa, nomeadamente a do sector económico, permite combater as falhas
e as ineficiências do mercado e, a ordenação das actividades privadas que
poderiam “pôr em causa o funcionamento da economia, da sociedade e de alguns
interesses públicos fundamentais”. Vital Moreira defende um conceito intermédio
do conceito regulação, equiparando-o ao conceito de intervenção em sentido
estrito, uma intervenção “mais leve e mais suave” do Estado na economia por
formas que não sejam a da participação directa na actividade económica que
condiciona e organiza a actividade económica privada.
Desregulação
É entendida como
“um recuo das tarefas ordenadoras e disciplinadoras do Estado e das entidades
públicas, em benefício de uma maior crença nas possibilidades e na efectividade
de estruturas regulatórias que incentivam e se apoiam nos interesses próprios
dos regulados”, ou seja, baseado na ideia da maior libertação do Estado
referente às actividades reguladoras através do recuo do Estado e como
contrapartida, a atribuição de grandes responsabilidades à sociedade e às
forças económicas privadas.
A economização da actuação administrativa
Nos últimos anos do século XX, verificou-se uma
preocupação relativa à eficiência e efectividade da actuação administrativa,
através da ponderação dos custos e dos benefícios das medidas administrativas e
das políticas e com a exigência de “racionalização, optimização, aceleração e
simplificação da actividade”. De destacar a Administração Pública
norte-americana onde a análise dos custos benéficos passou a ser um dos pontos
fulcrais do controlo das decisões administrativas desde a Executive Order do Presidente Reagan nº 12.291 de 17 de Fevereiro
de 1981.
Em muitos países, com destaque para os Europeus,
existe a consagração do princípio da eficiência como princípio geral da actividade
administrativa. Em Portugal temos uma referência implícita ao princípio no
artigo 81º, alínea c) da nossa Constituição. A eficiência calcula-se através
dos meios ou recursos utilizados e dos benefícios esperados com a acção, ou
seja, existe uma relação entre os custos dessa acção e o fim pretendido,
procurando-se encontrar a maximização do benefício com a menor quantidade de
meios empregues.
Os novos papéis do Estado
Visto que estas alterações ocorreram
sobretudo a partir da década de oitenta do século XX, o papel do Estado foi alterado
e passou a assumir novas e diferentes formas de responsabilidade na prossecução
do interesse público. Além da passagem de um Estado Interventor para um Estado
regulador, verificou-se que o Estado procurou ser cada vez mais “magro”, “mínimo”,
“limitado” ou “elegante”, por contraposição à “robustez” e “peso” verificada ao
longo do século XX. Para além deste emagrecimento, outros conceitos foram
surgindo para designar a actividade do Estado como o de entidade que actua “em
rede” (com outros Estados e outros centros de poder e de decisão) e o conceito
de governância ou de governança (intendida como um forma de administração em
que existe a perda do protagonismo do “governo central”). Além destas dimensões, a doutrina alemã pôs
em evidência outras formas de responsabilidade do Estado, em particular, a da
responsabilidade de garantia em que o Estado assume a “obrigação de disciplinar
e enquadrar legalmente as estruturas do mercado, não se responsabilizando pelo
fornecimento de prestações à sociedade mas assegurando a sua realização por
particulares”. Este modelo possui uma grande flexibilidade, existindo uma
grande confiança nas forças privadas na prossecução destes interesses e
serviços de interesse público. Esta doutrina ainda chama à atenção para a
possibilidade de existir uma responsabilidade de reserva, que se torna efectiva
nos casos de mau desempenho dos privados que são responsáveis por serviços
sociais e económicos de interesse público, garantindo ele próprio a possibilidade
da realização do interesse público.
Bibliografia utilizada:
- José Eduardo Figueiredo Dias e
Fernanda Paula Oliveira – “Noções Fundamentais de Administrativo”, 2ª Edição,
2011 – As expressões citadas foram retiradas desta obra.
- Marcelo Rebelo de Sousa e André
Salgado de Matos – “Direito Administrativo Geral -Tomo I”, 1ª Edição, Outubro
2004
Joana Rodrigues da Silva nº 21880
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