sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O Direito Administrativo Actual: Rumo a um novo Direito Administrativo?


Parte I

  É inegável que desde meados da década de oitenta do século passado que o mundo ocidental sofreu uma acentuada transformação da realidade político-ideológica que, por sua vez, trouxe consequências profundas a nível jurídico-administrativo.
 Grande parte da doutrina Alemã considera que estas transformações, em conjunto com a transformação sofrida pelo Direito Público, levaram à emergência de um novo direito administrativo e da necessidade de uma nova ciência administrativa para o estudar.
  Porém, entre nós, a maioria da doutrina adopta uma posição mais moderada. Consideram que as alterações ocorridas no funcionamento, organização e actuação da Administração e no direito que regula tais matérias, não demonstram uma alteração tal que os leve a considerar que existe um novo direito administrativo. Contudo, não descuram a importância da doutrina alemã como fonte explicativa das mudanças ocorridas nos últimos anos do século XX e dos primórdios do século XXI.

  Em seguida, estão enunciadas as principais mudanças defendidas pela doutrina alemã que levaram ao surgimento de um novo Direito Administrativo.

Privatização
Considerada uma das tendências mais fortes dos últimos anos, a privatização encontra-se associada a um ambiente geral de liberalismo (principalmente à liberalização dos grandes serviços públicos), à afirmação do mercado e da diminuição da intervenção pública na economia e na sociedade. O conceito material de privatização consiste, nas palavras de Figueiredo Dias e de Paula Oliveira, “na transferência da realização de tarefas do sector público para o privado, tudo conduzindo a diminuir a intervenção do Estado, em geral, e das Administrações públicas, em particular, na vida económica e social”, ou seja, as competências que inicialmente competiam ao Estado e às Administrações públicas são transmitidas para uma entidade privada. De salientar que as consequências jurídico - administrativas da privatização não consistem apenas na privatização de tarefas, englobam também a privatização da organização, financeira, funcional e procedimental. Por fim, o Estado deve gerir as consequências da privatização, deve envolver-se, colaborar, cooperar e partilhar as responsabilidades entre a Administração Pública e os Privados.

Importância da regulação
A actividade administrativa de regulação é considerada, nos nossos dias, como uma das principais áreas ou domínios do Direito Administrativo. A regulação administrativa, nomeadamente a do sector económico, permite combater as falhas e as ineficiências do mercado e, a ordenação das actividades privadas que poderiam “pôr em causa o funcionamento da economia, da sociedade e de alguns interesses públicos fundamentais”. Vital Moreira defende um conceito intermédio do conceito regulação, equiparando-o ao conceito de intervenção em sentido estrito, uma intervenção “mais leve e mais suave” do Estado na economia por formas que não sejam a da participação directa na actividade económica que condiciona e organiza a actividade económica privada.

Desregulação
É entendida como “um recuo das tarefas ordenadoras e disciplinadoras do Estado e das entidades públicas, em benefício de uma maior crença nas possibilidades e na efectividade de estruturas regulatórias que incentivam e se apoiam nos interesses próprios dos regulados”, ou seja, baseado na ideia da maior libertação do Estado referente às actividades reguladoras através do recuo do Estado e como contrapartida, a atribuição de grandes responsabilidades à sociedade e às forças económicas privadas.

A economização da actuação administrativa
Nos últimos anos do século XX, verificou-se uma preocupação relativa à eficiência e efectividade da actuação administrativa, através da ponderação dos custos e dos benefícios das medidas administrativas e das políticas e com a exigência de “racionalização, optimização, aceleração e simplificação da actividade”. De destacar a Administração Pública norte-americana onde a análise dos custos benéficos passou a ser um dos pontos fulcrais do controlo das decisões administrativas desde a Executive Order do Presidente Reagan nº 12.291 de 17 de Fevereiro de 1981.
Em muitos países, com destaque para os Europeus, existe a consagração do princípio da eficiência como princípio geral da actividade administrativa. Em Portugal temos uma referência implícita ao princípio no artigo 81º, alínea c) da nossa Constituição. A eficiência calcula-se através dos meios ou recursos utilizados e dos benefícios esperados com a acção, ou seja, existe uma relação entre os custos dessa acção e o fim pretendido, procurando-se encontrar a maximização do benefício com a menor quantidade de meios empregues.
  
Os novos papéis do Estado
Visto que estas alterações ocorreram sobretudo a partir da década de oitenta do século XX, o papel do Estado foi alterado e passou a assumir novas e diferentes formas de responsabilidade na prossecução do interesse público. Além da passagem de um Estado Interventor para um Estado regulador, verificou-se que o Estado procurou ser cada vez mais “magro”, “mínimo”, “limitado” ou “elegante”, por contraposição à “robustez” e “peso” verificada ao longo do século XX. Para além deste emagrecimento, outros conceitos foram surgindo para designar a actividade do Estado como o de entidade que actua “em rede” (com outros Estados e outros centros de poder e de decisão) e o conceito de governância ou de governança (intendida como um forma de administração em que existe a perda do protagonismo do “governo central”).  Além destas dimensões, a doutrina alemã pôs em evidência outras formas de responsabilidade do Estado, em particular, a da responsabilidade de garantia em que o Estado assume a “obrigação de disciplinar e enquadrar legalmente as estruturas do mercado, não se responsabilizando pelo fornecimento de prestações à sociedade mas assegurando a sua realização por particulares”. Este modelo possui uma grande flexibilidade, existindo uma grande confiança nas forças privadas na prossecução destes interesses e serviços de interesse público. Esta doutrina ainda chama à atenção para a possibilidade de existir uma responsabilidade de reserva, que se torna efectiva nos casos de mau desempenho dos privados que são responsáveis por serviços sociais e económicos de interesse público, garantindo ele próprio a possibilidade da realização do interesse público.


Bibliografia utilizada:

- José Eduardo Figueiredo Dias e Fernanda Paula Oliveira – “Noções Fundamentais de Administrativo”, 2ª Edição, 2011 – As expressões citadas foram retiradas desta obra.

- Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos – “Direito Administrativo Geral -Tomo I”, 1ª Edição, Outubro 2004


Joana Rodrigues da Silva nº 21880

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