domingo, 9 de dezembro de 2012

Análise à Figura da Freguesia e Contexto Atual


A história da figura da freguesia pode ser dividida em três grandes períodos correspondentes a diferentes papeis que, a figura tomou, na sua relação com a administração e com o direito Administrativo: o primeiro grande período começa na ocupação romana da península ibérica e vai durar até à fase liberal de 1830. A freguesia era por esta altura uma organização puramente eclesiástica, formada em torno de uma determinada igreja. A própria palavra Freguesia nasce da expressão filli eclesiae (Filhos da Igreja). Por esta altura, em Portugal, a freguesia só tinha expressão nas zonas rurais do pais, donde nasceu a preocupação de entre a comunidades eclesiásticas escolher alguém que pudesse tratar dos problemas relacionados com a convivência em comum. Logicamente, neste período, a freguesia não fazia parte da Administração pelo que a sua importância era meramente religiosa  e civil; o segundo período surge-nos com a revolução liberal e passa a incorporar a freguesia na administração pública. Nesta altura assiste-se a uma indecisão geral sobre o papel da figura e sobre a sua integração ou não na administração local; Essa indecisão termina quando começa o terceiro período da história das freguesias em Portugal, com a aprovação do código Administrativo de 1878, que coloca de forma definitiva as freguesias na estrutura da Administração local autárquica, e esta decisão surge-nos até aos nossos dias.

Hoje em dia, no panorama atual, podemos classificar as freguesias em urbanas e rurais, consoante a sua inclusão numa área de um município urbano ou numa área de município rural. Outra classificação determina, no que toca à dimensão populacional, as freguesias de 1ª ordem, 2ª ordem e 3º ordem. Importa agora perceber quais serão, então, as funções e atribuições das freguesias, e para tal podemos,  como faz o Prof. Freitas do Amaral, classificar três grande tipos de atribuições, mas repare-se que todas estas atribuições são sempre definidas por lei, como é regra imperativa em Direito Público. A Lei 159/99, sobre a transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, bem como a Lei das Autarquias Locais vão fornecer a importante base legal para entendermos as atribuições dadas a esta figura. O primeiro tipo de atribuições consagra-se no plano politico: são as freguesias que tratam do recenseamento eleitoral e que tratam de grande e importante parte do processo eleitoral seja para que eleições for. Neste plano complementam outras figuras como a comissão nacional de eleições e contribuem decisivamente para o processo democrático nacional. O segundo grande tipo de atribuições respeita ao plano económico: é da competência das freguesias a gestão de certos bens públicos como baldios, águas públicas ou cemitérios bem como a construção e manutenção de caminhos, estradas, ruas e todas as outras vias de comunicação que se encontrem na sua área de atuação. O terceiro tipo de atribuições desenvolve-se no plano cultural e social: como o tratamento da assistência social, tarefas sobre saúde pública e gestão de certos equipamentos como teatros ou pavilhões por exemplo.

Para completar uma pequena análise às freguesias, nos dias de hoje, à que fazer referencia aos órgãos que as compõem. São dois os órgãos previstos por lei para a composição orgânica de uma freguesia: a assembleia de freguesia e a junta de freguesia. As assembleias de freguesia são, por excelência, o órgão representativo dos habitantes daquela região, e os seus membros variam muito consoante o número de eleitores de cada freguesia, ou seja, de acordo com a classificação em cima apontada, é o artigo 5º da LAL que vai estabelecer o número de membros. Segundo o artigo 13º do mesmo diploma, as referidas assembleias devem reunir, ordinariamente quatro vezes durante o ano civil, pelo menos. Este órgão colegial deve assumir como função a fiscalização das atividades da junta de freguesia bem como tratar da sua eleição. É neste órgão que se discutem os orçamentos, as contas, as aprovações de regulamentos e todas as decisões de orientação geral. Note-se que a lei reserva sempre para a assembleia de freguesia a decisão dos casos mais importantes sobre a freguesia. Todas estas funções estão expostas no artigo 17º da LAL. O outro órgão da freguesia é a Junta de Freguesia, composto com um Presidente e por vogais (artigo 30º da LAL). Deve, este órgão, reunir pelo menos, ordinariamente, uma vez por mês. As funções deste órgão estão plasmadas no artigo 34º do referido diploma, e tratam da competência da Junta para executar as deliberações da Assembleia de Freguesia, execução de Leis, o estudo dos problemas da freguesia e as respetivas soluções, assegurar a gestão orçamental pessoal e dos bens públicos, bem como gerir de forma regular as obras a cargo da freguesia. Tem, também, a Junta, a função de apoiar as iniciativas que surjam relacionadas como o desenvolvimento social, cultural, desportivo e outros. Por ultimo, refira-se, que pode a Junta de Freguesia exercer competências delegadas pela Câmara Municipal correspondente.

Existem ainda duas figuras que, não fazendo parte da Freguesia, a complementam no sentido da prossecução do interesse público: são as associações de Freguesias e as comissões de moradores. Quanto às primeiras, elas surgem da necessidade de fazer face a problemas comuns de que devem as freguesias tratar, estas associações para além de sede legal, LAF, têm ainda acolhimento constitucional, artigo 247º da CRP. Destas associações surgem novas pessoas coletivas públicas com órgãos próprios, prontas também elas, a prosseguir o interesse público. Quanto às comissões de moradores, também elas previstas constitucionalmente, a sua criação constituiu, depois do 25 de Abril, uma forma de desconcentração e de aproximação do particular á administração, mas o desenvolvimento social, politico e mesmo administrativo veio retirar importância a estas comissões que hoje em dia não refletem as ideias do legislador constituinte.

Atualmente, assiste-se a um debate nacional em torno da figura das freguesias, discutindo-se a sua viabilidade, o seu peso politico, administrativo e a cima de tudo financeiro. Ao realizar-se a extinção das freguesias estima-se que o governo poupe cerca de 6,5 milhões de euros por ano, segundo a associação nacional de freguesias, numa redução prevista para cerca de 1500 freguesias. O que aqui estará em causa será não só uma reorganização administrativa mas também uma tentativa de redução da despesa pública, numa altura de crise económica. Mas a pergunta que se poderá fazer é se essa reorganização e essa poupança serão suficientemente pertinentes e necessárias para que possam passar por cima de  princípios básicos de Direito Público.  A freguesia é, hoje em dia, um importante centro politico capaz de prestar direta ou indiretamente serviços vitais, na organização administrativa, como a educação ou a saúde, é, também, para muitas pessoas, nomeadamente da região do interior, a única forma de contacto que têm com o poder politico e, se tão importante em Democracia é a relação entre o particular e o poder, as freguesias tornam-se ai fundamentais. É na freguesia que se desempenham com mais vigor funções vitais em qualquer verdadeiro Estado de Direito, como a assistência social e a ajuda direta  à pobreza e precariedade. Quando pensamos nisto tudo e tendo ainda em conta a atual situação económica e social do pais, bem como as más perspetivas de futuro, torna-se urgente salvaguardar esta figura.

Tudo o que aqui foi dito releva do ponto de vista Administrativo e Constitucional. O principio da aproximação dos serviços às populações é concretizado significativamente pelo papel das freguesias, e percebe-se pensando no caso de uma população do interior do pais, como já se tinha dito. A própria Constituição prevê de certa forma este principio que se torna fulcral quando se trata de regiões menos povoadas e desenvolvidas do território nacional. Ora, não é acabando com cerca de 1500 freguesias que se vai cumprir a norma programática da Constituição no artigo 267º. O próprio principio da descentralização parece, também, estar aqui em jogo, quando a lei fundamental, prevê que a administração seja cada vez mais, e dentro dos limites, descentralizada. Mais, impõe a, mesma Constituição no citado artigo 267º, que “as competências sejam exercidas pela entidade mais bem colocada em termos de perceção dos problemas e mais apta por essa proximidade a dar lhes solução”. Novamente, a Constituição, refere no seu artigo 235º que a organização democrática compreende a existência de autarquias locais, ou seja, trata-se de uma questão democrática.

Certo que nenhum cidadão português ficará, caso a reforma prossiga, sem a sua freguesia, no entanto, a questão prende-se também com fatores históricos, sociais e culturais. 

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