domingo, 16 de dezembro de 2012

Da tutela governamental à eficácia gestionária das autarquias locais: Um breve olhar sobre reforma administrativa em processo


As autarquias locais constituem as unidades mais consolidativas na História de Portugal, do Reino à República, assumindo diferentes formas ao longo do tempo. A força conjunta do poder local manteve a soberania nacional intacta mesmo após grandes períodos de crise social, política e económica, ou até mesmo com a influência de uma vizinha Espanha forjada com nacionalidades de costas voltadas. Mas nem isso foi suficiente para atribuir, até à primeira Constituição democrática na era republicana, o devido pódio ao poder local, sem prejuízo dos excessos que hoje se lhes apontam como demérito justificativo da infeliz e cegamente agressiva reforma administrativa.
Sem mais, partamos para a nossa análise. Como já dito, as autarquias locais mereceram um lugar de destaque na Constituição de 1976, sendo-lhe dedicado um título (Título VIII), dos artigos 235º ao 265º CRP, à luz do mandato constitucional de descentralização (267º/1 CRP). O artigo 236º CRP, nos seus números 1 e 2, estabelece a destrinça entre as várias forma de autarquias locais: A freguesia (244º a 248º CRP), o município (249º a 254º CRP) e a região administrativa (255º a 262º CRP). No continente (Portugal Continental) podemos encontrar estes três tipos de autarquias locais, ao passo que, nas Regiões Autónomas (Açores e Madeira), não existem, por razão óbvia, regiões administrativas. Dos artigos 263º ao 265º CRP encontramos um capítulo (Capítulo V) dedicado tão-só às organizações de moradores, no sentido de se inteirarem e de participarem activamente na vida administrativa, constituindo uma concretização directa do princípio da subsidiariedade na Administração Pública.
A importância do poder local não se cinge à descentralização, desburocratização ou subsidiariedade: Passa também por uma optimização da eficácia gestionária de todas as actividades em território português. São, sem mais, um delta da Administração Pública, e contribuem para a fluência do processo administrativo ao nível mais próximo dos particulares (10º e 57º CPA). No entanto, as autarquias locais não são, de todo, independentes: Estão sujeitas a uma relação tutelar com o Governo, que a Constituição não deixa de consagrar no seu artigo 199ºd) CRP e, a nível especial, no artigo 242º CRP, que estabelece um substracto de legalidade. Como em todas as entidades sujeitas a Administração, também as autarquias locais se submetem a uma relação de interdependência (111º/1 CRP), especialmente verificada a nível intra-orgânico: Ao nível municipal, a Câmara exerce a função executiva, ao passo que a Assembleia exerce a função legislativa, perante a qual a primeira responde. E onde surge o Governo? A tutela governamental exerce-se sobretudo a nível de fiscalização e de garantia da legalidade, no seio de um controlo administrativo constitucionalmente mandatado. Acolhendo a perspectiva abrangente do Professor FREITAS DO AMARAL sobre a temática, controlar não é simplesmente fiscalizar: É garantir a previsão de certas normas, valores e decisões, que constituem medida de fiscalização: A própria LAL (Lei das Autarquias Locais) também se encarrega subsidiariamente à Constituição, de resguardar esse papel.
De um ponto de vista puramente administrativo, qual será o impacto da reforma administrativa no raio de acção das autarquias? O Secretário de Estado da Administração Local e Reforma Administrativa emitiu, em Outubro do corrente ano, uma proposta de Lei Quadro de Atribuições das Autarquias Locais e Estatuto das Entidades Intermunicipais, onde explica a reforma no contexto de um instrumento auxiliar, denominado Programa de Apoio à Economia Local (PAEL), destinado a implementar medidas de incremento de competitividade entre as economias locais e tornar, de certa forma, as autarquias mais autónomas dos cofres do Estado. No fundo, claro, o processo passa por uma reforma territorial (ao nível do NUTS III), menos injecção de dinheiros públicos e mais competências: As autarquias locais passarão, para os leigos, “a fazer um pão com metade da farinha”. Resta saber se a tutela do Governo será mais protectiva, portanto, garantirá uma maior assistência na concretização da devida eficiência do poder local, ou relegará páginas de História de Portugal com o esquecimento de freguesias ou municípios que, numa vez ou noutra, ajudaram a crivar a soberania portuguesa em terras onde a economia nunca acudiu mas, ironicamente, a reforma administrativa conseguiu chegar.


                                                                                                                 Paulo Fernando Ramos


BIBLIOGRAFIA

- FREITAS DO AMARAL, Diogo. Curso de Direito Administrativo.
- FOLQUE, André. A tutela administrativa nas relações entre o Governo e os Municípios: Condicionalismos constitucionais.

DIPLOMAS

- Constituição da República Portuguesa (CRP)
- Código do Procedimento Administrativo (CPA)
- Lei das Autarquias Locais (LAL)
- Proposta de Lei Quadro de Atribuições das Autarquias Locais e Estatuto das Entidades Intermunicipais,

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