As
autarquias locais constituem as unidades mais consolidativas na História de
Portugal, do Reino à República, assumindo diferentes formas ao longo do tempo.
A força conjunta do poder local manteve a soberania nacional intacta mesmo após
grandes períodos de crise social, política e económica, ou até mesmo com a
influência de uma vizinha Espanha forjada com nacionalidades de costas
voltadas. Mas nem isso foi suficiente para atribuir, até à primeira
Constituição democrática na era republicana, o devido pódio ao poder local, sem
prejuízo dos excessos que hoje se lhes apontam como demérito justificativo da
infeliz e cegamente agressiva reforma administrativa.
Sem
mais, partamos para a nossa análise. Como já dito, as autarquias locais
mereceram um lugar de destaque na Constituição de 1976, sendo-lhe dedicado um
título (Título VIII), dos artigos 235º ao 265º CRP, à luz do mandato
constitucional de descentralização (267º/1 CRP). O artigo 236º CRP, nos seus
números 1 e 2, estabelece a destrinça entre as várias forma de autarquias
locais: A freguesia (244º a 248º CRP), o município (249º a 254º CRP) e a região
administrativa (255º a 262º CRP). No continente (Portugal Continental) podemos
encontrar estes três tipos de autarquias locais, ao passo que, nas Regiões
Autónomas (Açores e Madeira), não existem, por razão óbvia, regiões
administrativas. Dos artigos 263º ao 265º CRP encontramos um capítulo (Capítulo
V) dedicado tão-só às organizações de moradores, no sentido de se inteirarem e
de participarem activamente na vida administrativa, constituindo uma
concretização directa do princípio da subsidiariedade na Administração Pública.
A importância do poder
local não se cinge à descentralização, desburocratização ou subsidiariedade:
Passa também por uma optimização da eficácia gestionária de todas as
actividades em território português. São, sem mais, um delta da Administração
Pública, e contribuem para a fluência do processo administrativo ao nível mais
próximo dos particulares (10º e 57º CPA). No entanto, as autarquias locais não
são, de todo, independentes: Estão sujeitas a uma relação tutelar com o
Governo, que a Constituição não deixa de consagrar no seu artigo 199ºd) CRP e,
a nível especial, no artigo 242º CRP, que estabelece um substracto de
legalidade. Como em todas as entidades sujeitas a Administração, também as
autarquias locais se submetem a uma relação de interdependência (111º/1 CRP),
especialmente verificada a nível intra-orgânico: Ao nível municipal, a Câmara
exerce a função executiva, ao passo que a Assembleia exerce a função
legislativa, perante a qual a primeira responde. E onde surge o Governo? A tutela
governamental exerce-se sobretudo a nível de fiscalização e de garantia da
legalidade, no seio de um controlo administrativo constitucionalmente
mandatado. Acolhendo a perspectiva abrangente do Professor FREITAS DO AMARAL
sobre a temática, controlar não é simplesmente fiscalizar: É garantir a
previsão de certas normas, valores e
decisões, que constituem medida de fiscalização: A própria LAL (Lei das
Autarquias Locais) também se encarrega subsidiariamente à Constituição, de
resguardar esse papel.
De um ponto de vista
puramente administrativo, qual será o impacto da reforma administrativa no raio
de acção das autarquias? O Secretário de Estado da Administração Local e
Reforma Administrativa emitiu, em Outubro do corrente ano, uma proposta de Lei
Quadro de Atribuições das Autarquias Locais e Estatuto das Entidades
Intermunicipais, onde explica a reforma no contexto de um instrumento auxiliar,
denominado Programa de Apoio à Economia Local (PAEL), destinado a implementar
medidas de incremento de competitividade entre as economias locais e tornar, de
certa forma, as autarquias mais autónomas dos cofres do Estado. No fundo,
claro, o processo passa por uma reforma territorial (ao nível do NUTS III),
menos injecção de dinheiros públicos e mais competências: As autarquias locais
passarão, para os leigos, “a fazer um pão com metade da farinha”. Resta saber
se a tutela do Governo será mais protectiva, portanto, garantirá uma maior
assistência na concretização da devida eficiência do poder local, ou relegará
páginas de História de Portugal com o esquecimento de freguesias ou municípios
que, numa vez ou noutra, ajudaram a crivar a soberania portuguesa em terras
onde a economia nunca acudiu mas, ironicamente, a reforma administrativa
conseguiu chegar.
Paulo Fernando Ramos
BIBLIOGRAFIA
- FREITAS DO AMARAL, Diogo. Curso de Direito Administrativo.
- FOLQUE, André. A tutela administrativa nas relações entre o Governo e os Municípios: Condicionalismos constitucionais.
DIPLOMAS
- Constituição da República Portuguesa (CRP)
- Código do Procedimento Administrativo (CPA)
- Lei das Autarquias Locais (LAL)
- Proposta de Lei Quadro de Atribuições das Autarquias Locais e Estatuto das Entidades Intermunicipais,
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