Compete ao subalterno, na relação
hierárquica, um dever de obediência respeitante aos poderes de direcção,
instruções e todas as outras formas e actos praticados pelo seu superior na
correspondente cadeia hierárquica. Define, o Prof. Freitas do Amaral, o dever
de obediência como “a obrigação de o subalterno cumprir as ordens e instruções
dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objecto de serviço e sob
forma legal”. Desta definição se extraem três requisitos mínimos para que se
execute o dever de obediência: Deve, em primeiro lugar, a ordem provir de um
superior hierárquico legitimo, isto é, deve ser emanada por um superior da
mesma cadeia hierárquica; o segundo requisito é o de que as ordens sejam dadas
em matérias de serviço, dentro as funções dos respectivos agentes
administrativos e dentro daquilo que é a normal relação administrativa; o
último requisito prende-se com a exigência de uma forma legal quando seja
prevista. Se uma ordem, emanada por um superior, não preencher estes três
requisitos, pode, em princípio, o subalterno recusar o seu cumprimento, e neste
aspecto não existem muitas dúvidas. Mais problemática se afigura a situação em
que uma ordem, preenchendo estes requisitos, tem um conteúdo ilegal ou ilícito.
Deverá nestas situações, o Subalterno acatar as ordens? Responderam a esta
questão, de forma distinta duas grandes correntes administrativas.
A primeira corrente é a corrente hierárquica,
defendida por Otto Mayer, que considerava que o dever de obediência nunca
deveria ser excluído. Esse dever, por parte do subalterno, deveria existir
sempre, concebendo a este unicamente o direito de se esclarecer junto do seu
superior sobre as ordens emitidas, sem nunca as interpretar ou questionar.
Ilegais ou ilícitas, as ordens deveriam sempre ser cumpridas independentemente
do seu teor. Hoje em dia, nomeadamente por causa de princípios administrativos
e constitucionais, esta corrente não faz sentido.
A Segunda corrente, a legalista,
defendida por Harriou e pela maioria da atual doutrina portuguesa, admite a inexistência
do dever de obediência em alguns casos, nomeadamente tratando-se de ordens
iligais. Podemos enquadrar esta corrente em três formulações distintas: a
primeira formulação somente admite a falta do dever de obediência no caso em
que a ordem implique a prática de um ato criminoso, é a formulação restritiva;
A segunda formulação é a intermédia onde o dever de obediência acaba se “ a
ordem for patente e inequivocamente ilegal, por ser contrária à letra ou ao
espirito da lei”. Neste caso, o dever de obediência permanece se houver simples
desacordo quanto conformidade do ato e a sua possível ilegalidade; A última formulação
é a formulação ampliativa onde não é devida obediência a uma ordem que seja
considerada ilegal, independentemente do valor e do motivo da ilegalidade, esta
terceira formulação cai no principio de que a lei está acima do superior hierárquico. À que ter em conta vários princípios
nesta problemática como o da submissão da administração pública à lei e o
principio do Estado de Direito Democrático. Deverá, a relação hierárquica ser,
sempre pautada por estes princípios, mesmo que isso se traduza numa menor ineficácia
dos serviços públicos. O subalterno pode e deve interpretar a ordem que lhe foi
confiada.
O atual sistema português é um sistema legalista mitigado, e essa opção
pela corrente legalista é notória nos vários preceitos legais que tratam sobre
o dever de obediência e só assim o poderia ser num Estado de Direito
Democrático. A lei é clara ao dizer tanto através da CRP (271,nº3) e do CPA (134º)
que o dever de obediência não pode ser cumprido em três situações: Quando através
da ordem possa surgir um crime; quando o ato que provém da ordem é nulo; ou quando
falta um dos três requisitos em cima expostos. Em todas estas situações está a
Doutrina e a lei em acordo: Cessa o Dever de obediência. Nas hipóteses em que
todas estas situações estejam excluídas, deve cessar o dever de obediência somente
nos casos onde existe risco de violação da dignidade humana e de direitos
fundamentais (133º alínea d) do CPA). Esta é a posição defendida pelo Prof.
Vasco Pereira da Silva.
Não faria sentido que só na
eminencia de um crime cessa-se o dever de obediência, uma vez que o crime
constitui a mais alta e grave violação dos valores e regras do Direito, mas não
constitui o único tipo de violação. A dignidade da pessoa humana e os direitos
fundamentais constituem a base da construção de qualquer ordenamento jurídico,
pelo que se percebe esta posição.
Uma ultima situação é a do
subalterno que acata a ordem ilegal. Nestas situações, a responsabilidade será
do subalterno se acatar simplesmente a ordem. Para deixar de ser responsável pelo
ato que vai futuramente praticar, deverá o subalterno pedir ao superior a
confirmação da ordem, deixando expresso que a considera ilegal, passando toda a
responsabilidade do ato para o seu superior, é o que resulta do nº2 do artigo
271º da CRP.
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