domingo, 16 de dezembro de 2012

Sector Empresarial do Estado



No decorrer do séc. XX, com a viragem do Estado Liberal para o Estado Social, dá-se uma grande transformação nas economias ocidentais num sentido intervencionista. O Estado passou a reivindicar também para si direitos de gestão. Começando a explorar, em grande número, empresas agrícolas, comerciais e industriais.

Essencialmente após a 2ª Guerra Mundial, um dos motivos mais relevante para a criação de empresas públicas, foi o de incentivar o desenvolvimento económico e assegurar a produção de determinados bens e serviços.
A Administração toma a iniciativa de lançar empresas destinadas a quebrar a estagnação de determinados sectores da economia. Em que na maioria dos casos, o Estado mostra-se ser a única entidade capaz de reunir os capitais necessários à sua organização em dimensões satisfatórias.

No entanto, não só esses motivos mais imediatos se mostram relevantes para a criação de empresas públicas. A convicção de que o interesse geral exige que certas atividades económicas fundamentais, fossem subtraídas à esfera da livre iniciativa particular orientada pelo critério do maior lucro; a prestação de bens ou serviços em condições que a iniciativa privada não poderia satisfazer;  as atividades em relação as quais se faz sentir a necessidade de evitar fraudes e irregularidades; para a prestação direta de bens ou serviços à própria Administração e sua modernização; são outros do motivos que importam referir.

A necessidade de que em certos sectores a atividade económica deva ser desenvolvido em regime de monopólio (ex. monopólios naturais), levanta algumas questões sobre a validade desse motivo de criação de empresas públicas. O art 8º nº1 do DL nº 300/2007 refere que “as empresas públicas estão sujeitas às regras gerais de concorrência, nacionais e comunitárias”. Num mercado monopolista, não existe atomicidade, pelo que não se aplicam as regras gerais de concorrência. No entanto, a existência de um monopólio nas mãos de particulares, não se mostra conveniente. É defensável, que em prossecução do interesse publico, se justifique que o sector em regime de monopólio se converta em empresa pública.  

Antes de avançarmos no tema, é importante clarificar o conceito de empresa. Para Augusto de Ataíde, empresa é toda a unidade de produção que corresponde à organização de fatores para a produção de bens e serviços, com o objetivo de obtenção de um benefício através da respetiva alienação. A empresa é criada com o intuito de se conseguir que a remuneração das utilidades produzidas, seja superior ao respetivo custo, isto é, com o objetivo de realização de um lucro.”

 Daqui retiramos a característica fulcral que distingue as empresas dentro das unidades produtivas, ter como finalidade estatutária ou institucional, a obtenção de lucro. Mesmo que uma empresa não apresente lucro, não significa que não seja possível aplicar o conceito de “empresa”. Pois mesmo que apresente uma balança deficitária, o que releva é a sua finalidade lucrativa.

Definição de empresa publica
A noção de empresa pública suscita algumas divergências quanto aos seus elementos caracterizadores.

Para alguns Autores, serão públicas as empresas cujo capital seja total ou predominantemente público (critério do capital público). Para outros, serão públicas as que forem dirigidas pela Administração (critério da direção publica).

Ainda noutras correntes, defendem-se que para ser pública a empresa deve prosseguir o interesse público; ou que conjugue entre si os dois critérios fundamentais, dizendo que a empresa pública é a que, ao mesmo tempo é dirigida pela administração e tem capitais públicos (pelo menos em maioria)

Para a classificação de empresas enquanto publicas, o prof. Marcello Caetano considera como elementos essências:

a) Capital no todo ou em parte proporcionado por Pessoa Coletiva de Direito Público
b) Predomínio na sua direção e na fiscalização por parte de representantes da Pessoa Coletiva de Direito Publico
c) Autonomia financeira
d) Produção de bens e serviços destinados à venda por um certo preço

Para o prof. Marcello Caetano, o fim lucrativo não é essencial ao conceito de empresa pública, pois “como organização financeiramente autónoma deve procurar bastar-se cobrindo os gastos com as próprias receitas.” Sendo bastante, para se considerar como empresa pública, encontrar-se na fronteira entre as unidades de produção não empresariais e as empresariais

O Decreto-lei  nº 300/2007 de 23 de Agosto,  visa regular genericamente o sector empresarial do Estado, e distingue três espécies de empresas:

1) As empresas públicas sob forma privada, que são sociedades controladas pelo Estado.
2) As empresas públicas sob forma pública, que são pessoas coletivas públicas
3) As empresas privas participadas pelo Estado, que não são empresas públicas, mas integram igualmente o SEE.

Os elementos essenciais acima referidos, ganham importância e relevo diferentes conforme estejamos perante empresas públicas sob forma pública ou sob forma privada.

Nas empresas públicas sob forma pública, o elemento “prossecução de lucro” ou pelo menos equilíbrio e mera cobertura de custos é decisivo, pois, permite, recortar de entre todas as unidades de produção, as que são de serviços administrativos e aquelas que têm natureza empresarial. E nesse caso os elementos “capital público” e “direção pública” têm menos importância.

Enquanto que, se estivermos perante empresas públicas sob forma privada, o critério do lucro deixa de ter interesse determinante. Pois todas as sociedades comerciais têm em princípio fim lucrativo e autonomia financeira, o que torna difícil saber se estamos ou não em face de uma empresa pública. Nesta situação, são os critérios do capital e da direção, que permitem estabelecer a distinção entre as sociedades que são e que as não são empresas públicas.

O artigo 3.º  do DL  nº 300/2007 reporta que:
“1- Consideram -se empresas públicas as sociedades constituídas nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outras entidades públicas estaduais possam exercer, isolada ou conjuntamente, de forma directa ou indirecta, uma influência dominante em virtude de alguma das seguintes circunstâncias:
a) Detenção da maioria do capital ou dos direitos de voto;
b) Direito de designar ou de destituir a maioria dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização.”
2- São também empresas públicas as entidades com natureza empresarial reguladas no capítulo III.”

O nº 2 do artigo 3º remete para o capitulo III, onde se dispõe no artigo 23º nº1:
“Regem -se pelas disposições do presente capítulo e, subsidiariamente, pelas restantes normas deste diploma as pessoas coletivas de direito público, com natureza empresarial, criadas pelo Estado e doravante designadas «entidades públicas empresariais

Daqui podemos extrair que, não tem que haver necessariamente maioria de capital para que a empresa seja pública, pode haver em alternativa direitos especiais de controlo que dêem sobre a empresa uma influência dominante por parte do Estado ou de outras entidades públicas estaduais. Também é possível retirar do disposto, que a forma jurídica da empresa pública é irrelevante para a definição do respetivo conceito.

A sua forma jurídica ganha relevância no momento da sua criação.
A criação de empresas publicas que revistam a forma de sociedade é feita “nos termos da lei comercial” art 3 nº1 DL nº300/2007
Enquanto a criação de empresas públicas empresariais é feita por decreto-lei (art 24º nº1)

O controlo feito por parte do Governo também diverge, consoante a sua forma jurídica.

Sob forma privada:
- O Estado é detentor de direitos acionistas (art. 10);
- As empresas estão sujeitas a um controlo financeiro (art. 12);
- E a um dever de prestação de informação (art. 13).

Sob forma pública
- As empresas públicas estão sujeitas a uma tutela económica e financeira (art. 29);
- E aos demais poderes que a tutela abrange (p.e aprovação de planos e orçamentos)

Em ambas as formas jurídicas, as empresas públicas estão sujeitas às orientações estratégicas do Governo (art. 11º).


Gestão privada das empresas públicas.
De um modo geral as empresas públicas estão sujeitas ao direito privado, o que não deixa de ser curioso visto serem públicas. A partida faria mais sentido estarem sujeitas ao Direito Publico. No entanto a atividade que desenvolvem não é de gestão pública, e sim de gestão privada.

Pela própria natureza e especificidade da atividade que exercem, necessitam de utilizar instrumentos, técnicas e métodos de atuação que sejam mais flexíveis, ágeis e expeditos. Podendo assim adaptar-se melhor e de forma mais célere às realidades de um mercado em constante mudança.

Seria inimaginável aplicar os mesmos métodos burocráticos que Administração usa para a sua própria gestão e organização. Nem seria possível pôr em prática o art 8º nº1 do DL 300/2007, pois as empresas públicas estariam claramente em desvantagem perante as empresas privadas.
As empresas públicas só poderão funcionar devidamente e com êxito, se puderem legalmente aplicar os métodos próprios das empresas privadas.

Importante fazer referencia, que o direito privado não se aplica automaticamente às empresas públicas, mas porque o Direito Administrativo manda aplicar-lhes o direito privado. (art. 7º nº1).
No entanto, é sempre possível, quando necessário e em situações excepcionais, a empresa pública recorrer ao direito público (art. 14º nº 2)

Nos termos do art 18º nº 2 compete aos tribunais judiciais o julgamento da generalidade dos litígios em que seja parte uma empresa pública. Mas nos casos em que segundo o art 14º, as empresas públicas exerçam poderes de autoridade, os litígios daí emergentes serão de competência dos tribunais administrativos.

Bibliografia:
Curso de Direito Administrativo, vol. I – Diogo Freitas do Amaral
Manual de Direito Administrativo –   Marcello Caetano
Elementos para um curso de Direito Administrativo da economia – Augusto de Ataíde

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