Numa definição
muito breve de delegação de poderes, podemos dizer que a mesma se
refere à atribuição de competência normal a um órgão para a prossecução de
determinados actos delegados por outro através de uma lei construída no sentido
de habilitar esse órgão à competência do efeito pretendido. Por uma análise do
artigo 35 nº1 do CPA conseguimos retirar uma definição mais específica e
elaborada de delegação de poderes. Constatamos portanto que por delegação de
poderes entende-se como sendo o acto pelo qual um órgão de administração
competente para decidir em determinada matéria delega em outro agente, através
da lei, que o mesmo pratique actos administrativos sobre o qual o órgão
delegante tem administração. Em sintonia com o disposto no artigo 35 do CPA
constata-se que o mesmo assenta numa serie de requisitos no que respeita à
delegação de poderes. Em primeiro lugar, verifica-se que é necessário que uma
lei em concreto preveja a possibilidade de um órgão delegar poder noutro órgão
que não tem competência para o efeito. Constata-se esta atribuição através da
análise do art. 29 do CPA onde se verifica que a competência é irrenunciável e
inalienável e pelo art.114 da CRP verificamos que só pode haver delegação de
poderes nos casos previstos pela constituição ou nos casos previstos na lei,
fazendo portanto a constituição uma enumeração dos casos em que a delegação de
poderes não é inválida e ao mesmo tempo fazendo uma
excepção ao principio da impossibilidade de renúncia e alienação de poderes.
Outro
requisito sobre o qual nos devemos debruçar é o respeitante à necessidade de
existência de dois órgãos ou de um órgão e de um agente, (sendo ambos da mesma
pessoa colectiva pública ou de pessoas colectivas distintas) do qual um deles
seja o órgão competente para desempenhar a função (delegante) e o outro seja o
órgão a quem são atribuídas competências (delegado). Para encerrar no que
respeita aos requisitos necessários verificamos que se tem de verificar a
existência de um acto sobre o qual o delegante prossegue à delegação de poderes
no delegado permitindo deste modo que este prossiga na prática de actos sobre a
qual lhe foram atribuídas competências.
Apesar de a
delegação de poderes ter à primeira vista parecenças com outras figuras convêm
portanto marcar portanto uma distinção entre essas e a delegação de poderes. Numa primeira análise, devemos começar por distinguir delegação de poderes de
transferência legal de competências, porque apesar de ambas terem parecenças a
transferência legal de competências recai sobre um desconcentração originária
enquanto a delegação de poderes é uma desconcentração derivada que resulta de
uma acto do delegante sendo portanto provisória enquanto a transferência legal
de competências tem um carácter definitivo.
Outra
distinção sobre a qual nos poderemos debruçar é na respeitante à concessão e à
delegação de poderes porque apesar de ambas terem carácter limitado a concessão
tem por destino uma entidade privada de forma a que a mesma possa prosseguir
uma actividade económica lucrativa (caso da lusoponte ou brisa), enquanto a
delegação de poderes para além de ter como destinatário um órgão ou agente da administração
também o próprio delegado passa a exercer uma competência puramente
administrativa.
Mas as distinções
não se respeitam apenas às referenciadas até este ponto cabendo portanto fazer
mais uma serie de distinções. Em relação à delegação de serviços públicos e à
delegação de poderes verifica-se que apesar de ambas não visarem fins
lucrativos, a delegação de serviços públicos respeita a entidades particulares enquanto a
delegação de poderes diz respeito a entidades públicas. Outra entidade sobre a
qual também devemos fazer distinção é a representação porque apesar de ambas
terem as mesmas incidências verifica-se que na representação os actos
praticados pelo representante são feitos em nome do representado e os efeitos
jurídicos irão portanto ter efeito na esfera do representado, no entanto na
delegação de poderes verifica-se que o delegado exerce competência em nome próprio
e portanto os actos que pratica inserem-se na sua esfera jurídica e como
consequência os acto provenientes da sua delegação persistem como actos
próprios. Em relação à substituição e à delegação de poderes constata-se que a
substituição existe quando uma entidade exerce poderes que pertencem a outra
entidade distinta, no entanto aquilo que diferencia substituição de delegação
de poderes recai sobre o facto que na delegação de poderes não existe uma
invasão da esfera jurídica do delegante por parte do delegado situação que
ocorre no caso da substituição. Outra distinção recai sobre a suplência porque
a mesma é referente a situações em que um órgão administrativo não pode exercer
as suas funções por ausência, falta ou impedimento e as mesmas são asseguradas
por um órgão suplente passando deste modo o órgão suplente a ser
provisoriamente o titular da função, algo que não ocorre na delegação de
poderes.
Em relação ao
regime jurídico da delegação de poderes no direito português convêm num
primeiro plano verificar historicamente a sua figura só era admitida nalguns
diplomas legais, no entanto num plano actual a mesma para se efectivar basta
que seja regulada por um diploma básico como refere os artigos 35 a 40 do CPA, sem no entanto
descurar que nalgumas situações verifica-se a sua presença em alguns diplomas
especiais.
Numa
continuação da analise do regime jurídico da delegação de poderes verifica-se
que para que um acto de delegação seja eficaz é necessário que o mesmo
especifique quais os poderes que são delegados ou quais os actos que o delegado
pode praticar conforme o disposto no art.37 nº1 do CPA, sabendo-se através
desta especificação de poderes se a delegação de poderes é ampla ou restrita e
genérica ou especifica. Essa indicação da competência deve ser feita por
enumeração explícita dos poderes delegados ou dos actos que o delegado pode
praticar e não através de uma reserva genérica de competência a favor do
delegante. Em relação a publicação dos actos conforme nos dispõe o art.37 nº2
do CPA a mesma deve ser feita no diário da república ou em caso de se tratar de
administração local deve ser fixado “…nos lugares do estilo quando tal boletim
não exista.” (at.37 nº2 2 parte CPA)
Verifica-se
portanto que quando os requisitos, no que à delegação de poderes diz respeito, não estão cumpridos torna o acto de delegação inválido, no entanto quando
estamos perante uma situação em que os requisitos quanto à publicação do acto
não estão cumpridos estamos a recair numa situação de eficácia o que nos leva a
constatar que a sua falta reproduz-se na ineficácia do acto.
Quando à
delegação de poderes a mesma é conferida pelo delegante ao delegado e
verificamos que este fica com a possibilidade de exercer esses poderes para
prossecução do interesse público. No que diz respeito aos poderes do delegante
após o acto de delegação verifica-se uma divisão de opiniões doutrinárias. Para
o Prof. Marcelo Caetano e para o Prof. André Gonçalves Pereira quando o
delegante faz uso do acto de delegação não perde os seus poderes ficando portanto
o delegado e o delegante com poderes de competência simultânea podendo ambos
praticar o acto relativo a esse objecto, no entanto o primeiro que praticar o
acto automaticamente invalida o acto do outro. O Prof. Freitas do Amaral
discorda desta posição visto que no seu entender o delegante ao delegar poderes
no delegado não pode exercer pessoalmente os poderes que delegou, o que ele
pode fazer é a avocação de casos concretos conforme o presente no art.39 nº2 do
CPA, visto que a delegação conferida a partir desse momento deixa de produzir
efeitos retornando os poderes conferidos à esfera do delegante. Para além
avocação o delegante também pode dar ordens, directivas ou instruções ao
delegado nos termos do art.39 nº1 do CPA. No caso de a delegação se tratar de
uma delegação hierárquica verifica-se que o delegante pode dar ordens através
de um exercício do poder de direcção, caso a delegação não seja hierárquica o
delegante só emitirá directivas mediante o seu poder de superintendência.
Também se verifica que o delegante pode a qualquer momento revogar o acto
praticado pelo delegado no âmbito da delegação conferida, por o considerar
ilegal ou por o considerar inconveniente estando essa situação representada no
art.39 nº2 do CPA. Os actos praticados pelo delegado devem respeitar os
requisitos de validade pressupostos pela lei (assim como os actos praticados
pelo delegante). Seguindo a mesma linha de pensamento constata-se que também os
actos praticados pelo delegado são actos definitivos e executórios como seriam
os actos praticados pelo delegante.
Para
finalizar, em relação à natureza jurídica da delegação de poderes existem três concepções sobre a mesma, sendo elas:
A tese da
alienação que é defendida pelo Prof. Rogério Soares e que de acordo com ele a
delegação de poderes é um acto de transmissão de competência do delegante para
o delegado e por consequência a titularidade dos poderes que pertencia ao
delegante antes da delegação passa através da lei de habilitação para a esfera
de competência do delegado.
A tese de
autorização que é defendida pelo Prof. Marcelo Caetano e pelo Prof. André
Gonçalves Pereira e segundo a qual a competência do delegante não é transmitida
para o delegado, o que se verifica é que a lei de habilitação confere
competência condicional ao delegado sobre o que a delegação o permite.
A tese de
transferência de exercício que é defendida pelo Prof. Freitas do Amaral e que
defende que a competência advém do acto de delegação e não da lei de
habilitação, tratando-se a competência exercida pelo delegado não de uma
competência própria mas sim de uma competência exercida no âmbito da delegação
de poderes. Verificando-se portanto uma transferência do delegante para o
delegado recaindo a mesma não numa transferência da titularidade dos poderes mas sim numa transferência de titularidade.
João Augusto Gomes Ramos, aluno nº 20605
Bibliografia:
Diogo Freitas do Amaral- Curso de Direito Administrativo- Volume 1
Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado Matos- Curso de Direito Administrativo Geral- Tomo I
0 comentários:
Enviar um comentário