Delegação tácita de poderes (verdadeira delegação?)
Mecanismo que permite a um órgão a transferência do
exercício de determinada competência que lhe é primária e normalmente
incumbida, a outro, preenchidos certos pressupostos (cfr. artº 35º CPA), o
instituto da delegação de poderes tem inerente um propósito de mobilidade e
flexibilização administrativa. Forma derivada de desconcentração, a delegação
de poderes decorre não só da lei de habilitação mas também da vontade do
próprio órgão delegante, concretizada através de um acto de delegação, facto
que, de certa forma a torna precária, na medida em que é livremente revogada
pelo delegante
A delegação de poderes propriamente dita atrás descrita não
se confunde, contudo, com a chamada delegação tácita de poderes. Instituto
bastante presente no nosso sistema administrativo local (ver por exemplo a LAL,
que confere sob esta forma inúmeros poderes jurídicos aos Presidentes de
Câmara), a delegação tácita de poderes, ao contrário do que ocorre com a
delegação prevista no CPA – cfr. artº 35º e ss. -, representa uma forma de
desconcentração originária, na medida em que, sem haver a necessidade de um
acto de autorização por parte de um órgão de hierarquia superior, a competência
exercida pelo órgão é-lhe conferida por lei e este exercê-la-á como se fosse sua
até ao momento em que o outro decida avocar a si a mesma competência, caso em
que a delegação tácita deixará de funcionar.
Apesar do nome que a conforma, a maioria da doutrina
discorda que a “delegação tácita de poderes”, pela natureza e regime que
enforma, possa ser considerada uma verdadeira delegação de poderes.
Numa primeira fase, Diogo Freitas do Amaral dizia-nos que,
ao enquadrar uma desconcentração originária, na delegação tácita, o suposto “delegante”
nada delega, uma vez que o poder de decidir pertence ope legis ao impropriamente chamado “delegado”. Contudo, não há
muito tempo, este autor acabou por reformular esta sua opinião e considerar que
a delegação tácita está afinal no meio-termo entre uma desconcentração
originária e derivada.
No entanto a maioria da doutrina contínua a destrinçar de
forma restrita estes dois institutos. Seguindo a posição de Paulo Otero (apesar
de não a adoptar por completo), o Professor Vasco Pereira da Silva, considera pertinente
a convicção do primeiro. Para Paulo Otero, a delegação tácita de poderes, ao
não ser uma verdadeira delegação, aproxima-se mais do instituto da
transferência de poderes. Forma de desconcentração originária de poderes, a
transferência legal de poderes, produzindo-se ope legis, valoriza e exalta o exercício da competência pelo órgão
a que a lei se refere. Assim, tal como a delegação tácita, a transferência
legal de poderes é supostamente definitiva e estável (contrariamente ao que
ocorre com a delegação de poderes propriamente dita, que normalmente representa
uma situação transitória, tornando-a de certa forma, mais precária) até ao
momento em que uma lei disponha em sentido contrário, nesta, ou o órgão de hierarquia
superior decida avocar a si a competência, naquela. Por tudo isto, também o
Professor Vasco Pereira da Silva nos diz que a chamada delegação tácita de
poderes não é uma verdadeira delegação, na medida em que enforma um caracter de
estabilidade, uma vez que, ao decorrer apenas da lei não pode ser posta em
causa, que a delegação propriamente dita não conforma.
nº21994
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