Como funciona a centralização e a
descentralização na Administração Pública portuguesa?
A concentração e a desconcentração são figuras que se
reportam à organização interna de cada pessoa colectiva pública, ao passo que a
centralização e a descentralização põem em causa várias pessoas colectivas públicas
ao mesmo tempo.
No plano jurídico, diz-se “centralizado”, o sistema em que todas as atribuições
administrativas de um dado país são por lei conferidas ao Estado, não
existindo, portanto, quaisquer outras pessoas colectivas públicas incumbidas do
exercício da função administrativa.
Chamar-se-á, pelo contrário, “descentralizado”, o sistema em
que a função administrativa não esteja apenas confiada ao Estado, mas também a
outras pessoas colectivas territoriais.
Dir-se-á que há centralização, sob o ponto de vista
político-administrativo, quando os órgãos das autarquias locais sejam
livremente nomeados ou demitidos pelos órgãos do Estado, quando devam
obediência ao Governo ou ao partido único, ou quando se encontrem sujeitos a
formas particularmente intensas de tutela administrativa, designadamente a uma
ampla tutela de mérito.
Pelo contrário, diz-se que há descentralização em
sentido político-administrativo quando os órgãos das autarquias locais são
livremente eleitos pelas respectivas populações, quando a lei os considera
independentes na órbita das suas atribuições e competências, e quando estiverem
sujeitos a formas atenuadas de tutela administrativa, em regra restritas ao
controle da legalidade.
Vantagens e
Inconvenientes
A centralização tem, teoricamente, algumas vantagens:
assegura melhor que qualquer outro sistema a unidade do Estado; garante a
homogeneidade da acção política e administrativa desenvolvida no país; e
permite uma melhor coordenação do exercício da função administrativa.
Pelo contrário, a centralização tem numerosos
inconvenientes. Gera a hipertrofia do Estado, provocando o gigantismo do poder
central; é fonte de ineficácia da acção administrativa, porque quer confiar
tudo ao Estado; é causa de elevados custos financeiros relativamente ao
exercício da acção administrativa; abafa a vida local autónoma, eliminando ou
reduzindo a muito pouco a actividade própria das comunidades tradicionais; não
respeita as liberdades locais; e faz depender todo o sistema administrativo da
insensibilidade do poder central, ou dos seus delegados, à maioria dos
problemas locais.
As vantagens da descentralização: primeiro, a
descentralização garante as liberdades locais, servindo de base a um sistema
pluralista de Administração Pública, que é por sua vez uma forma de limitação
ao poder político; segundo, a descentralização proporciona a participação dos
cidadãos na tomada das decisões públicas em matérias que concernem aos
interesses, e a participação é um dos grandes objectivos do Estado moderno
(artigo 2º CRP); depois, a descentralização permite aproveitar para a realização
do bem comum a sensibilidade das populações locais relativamente aos seus
problemas, e facilita a mobilização das iniciativas e das energias locais para
as tarefas de administração pública; a descentralização tem a vantagem de
proporcionar, em princípio, soluções mais vantajosas do que a centralização, em
termos de custo-eficácia.
Mas a descentralização também oferece alguns
inconvenientes: o primeiro é o de gerar alguma descoordenação no exercício da
função administrativa; e o segundo é o de abrir a porta ao mau uso dos poderes
discricionários da Administração por parte de pessoas nem sempre bem preparadas
para os exercer.
Em Portugal, o artigo 6º/1 CRP, estabelece que o “Estado
é unitário e que respeita na sua organização os princípios da autonomia das
autarquias locas e da descentralização democrática da administração pública”. E
no mesmo sentido vai o artigo 267º/2 CRP. Por consequência, constitucionalmente,
o sistema administrativo português tem de ser um sistema descentralizado: toda
a questão está em saber qual o grau, maior ou menor, da descentralização que se
pode ou deve adoptar.
Espécies de
Descentralização
Tem-se que distinguir as formas de descentralização e
os graus de descentralização.
Quanto às formas, a descentralização pode ser
territorial, institucional e associativa.
A descentralização territorial é a que dá origem à
existência de autarquias locais; a descentralização institucional, a que dá
origem aos institutos públicos e às empresas públicas; e a descentralização
associativa, a que dá origem às associações públicas.
Quanto aos graus, há numerosos graus de
descentralização. Do ponto de vista jurídico, esses graus são os seguintes.
a) Simples
atribuições de personalidade jurídica de Direito Privado.
b)
Atribuição de personalidade jurídica de Direito Público.
c)
Atribuição de autonomia administrativa.
d)
Atribuição de autonomia financeira.
e)
Atribuição de faculdades regulamentares.
f)
Atribuição de poderes legislativos próprios.
Limites da
Descentralização
Esses limites podem ser de três ordens: limites a
todos os poderes da Administração, e portanto também aos poderes das entidades
descentralizadas; limites à quantidade de poderes transferíveis para as entidades
descentralizadas; e limites ao exercício dos poderes transferidos (artigo 267º/2
CRP).
A Tutela
Administrativa
Consiste no conjunto dos poderes de intervenção de uma
pessoa colectiva pública na gestão de outra pessoa colectiva, a fim de
assegurar a legalidade ou o mérito da sua actuação. Resultam as seguintes
características:
- A tutela
administrativa pressupõe a existência de duas pessoas colectivas distintas: a
pessoa colectiva tutelar, e a pessoa colectiva tutelada.
- Destas
duas pessoas colectivas, uma é necessariamente uma pessoa colectiva pública. A
segunda – a entidade tutelada – será igualmente, na maior parte dos casos, uma
pessoa colectiva pública.
- Os poderes
de tutela administrativa são poderes de intervenção na gestão de uma pessoa
colectiva.
- O fim da
tutela administrativa é assegurar, em nome da entidade tutelar, que a entidade
tutelada cumpra as leis em vigor e garantir que sejam adoptadas soluções
convenientes e oportunas para a prossecução do interesse público.
Figuras afins
Em primeiro lugar, a tutela não se confunde com a
hierarquia: este é um modo de organização situado no interior de cada pessoa
colectiva pública, ao passo que a tutela administrativa assenta numa relação
jurídica entre duas pessoas colectivas diferentes.
Em segundo lugar, tão-pouco se pode confundir a tutela
administrativa com os poderes dos órgãos de controle jurisdicional da
Administração Pública: porque a tutela administrativa é exercida por órgãos da
Administração e não por Tribunais; e o seu desempenho traduz uma forma de
exercício da função administrativa e não da função jurisdicional.
Em terceiro lugar, não se confunde a tutela
administrativa com certos controles internos da Administração, tais como a
sujeição a autorização ou aprovação por órgãos da mesma pessoa colectiva
pública.
Espécies
Há que distinguir as principais espécies de tutela
administrativa quanto ao fim e quanto ao conteúdo.
Quanto ao fim, a tutela administrativa desdobra-se em
tutela de legalidade e tutela de mérito.
A “tutela de legalidade” é a que visa controlar
a legalidade das decisões da entidade tutelada; a “tutela de mérito” é
aquela que visa controlar o mérito das decisões administrativas da entidade
tutelada.
Quando averiguamos da legalidade de uma decisão, nós
estamos a apurar se essa decisão é ou não conforme à lei. Quando averiguamos do
mérito de uma decisão, estamos a indagar se essa decisão, independentemente de
ser legal ou não, é uma decisão conveniente ou inconveniente, etc.
Noutro plano, distinguem-se espécies de tutela
administrativa quanto ao conteúdo:
a) Tutela
integrativa: é aquela
que consiste no poder de autorizar ou aprovar os actos da entidade tutelada.
Distinguem-se em tutela integrativa à priori, que é aquela que consiste
em autorizar a prática de actos, e tutela integrativa à posteriori, que
é a que consiste no poder de aprovar actos da entidade tutelada. Tanto a
autorização tutelar como a aprovação tutelar pode ser expressas ou tácitas;
totais ou parciais; e puras, condicionais ou a termo. O que nunca podem é
modificar o acto sujeito a apreciação pela entidade tutelar. Qualquer
particular lesado por eventual ilegalidade da decisão deverá impugnar o acto da
entidade tutelada, e não a autorização ou aprovação tutelar, salvo se estas
estiverem, elas mesmas, inquinadas por vícios próprios que fundamentem a sua
impugnação autónoma.
b) Tutela
inspectiva: consiste no
poder de fiscalização dos órgãos, serviços, documentos e contas da entidade
tutelada – ou, se quisermos utilizar uma fórmula mais sintética, consiste no
poder de fiscalização da organização e funcionamento da entidade tutelada.
c) Tutela
sancionatória: consiste no
poder de aplicar sanções por irregularidades que tenham sido detectadas na
entidade tutelada.
d) Tutela
revogatória: é o poder de
revogar os actos administrativos praticados pela entidade tutelada. Só existe
excepcionalmente, na tutela administrativa este poder.
e) Tutela
substitutiva: é o poder
da entidade tutelar se suprir as omissões da entidade tutelada, praticando, em
vez dela e por conta dela, os actos que forem legalmente devidos.
97. Regime
Jurídico
Existe um princípio geral da maior importância em
matéria de tutela administrativa, e que é este: a tutela administrativa
não se presume, pelo que só existe quando a lei expressamente a
prevê e nos precisos termos em que a lei estabelecer.
A tutela administrativa sobre as autarquias locais é
hoje uma simples tutela de legalidade, pois já não há tutela de mérito sobre as
autarquias locais (artigo 242º/1 CRP e Lei 27/96).
A entidade tutelada tem legitimidade para impugnar,
quer administrativa quer contenciosamente, os actos pelos quais a entidade
tutelar exerça os seus poderes de tutela.
Natureza
Jurídica da Tutela Administrativa
Há pelo menos três orientações quanto ao modo de
conceber a natureza jurídica da tutela administrativa:
a) A tese da
analogia com a tutela civil: a tutela administrativa seria no fundo uma figura
bastante semelhante à tutela civil, tão semelhante que ambas se exprimiam pelo
mesmo vocábulo – tutela. Tal como no Direito Civil a tutela visa prover ao
suprimento de diversas incapacidades, assim também no Direito Administrativo o
legislador terá sentido a necessidade de criar um mecanismo apto a prevenir ou
remediar as deficiências várias que sempre têm lugar na actuação das entidades
públicas menores ou subordinadas. A tutela administrativa, tal como a tutela
civil, visaria portanto suprir as deficiências orgânicas ou funcionais das
entidades tuteladas.
b) A tese da
hierarquia enfraquecida: segundo esta opinião, a tutela administrativa é como
uma hierarquia enfraquecida, ou melhor, os poderes tutelares são no fundo
poderes hierárquicos enfraquecidos.
c) A tese do
poder de controle: é a que actualmente se nos afigura mais adequada. Vistas as coisas a esta
luz, a tutela administrativa não tem analogia relevante com a tutela civil, nem
com a hierarquia enfraquecida, e constitui uma figura sui generis, com o
Direito de cidade no conjunto dos conceitos e categorias do mundo jurídico,
correspondendo à ideia de um poder de controle exercido por um órgão da
administração sobre certas pessoas colectivas sujeitas à sua intervenção, para
assegurar o respeito de determinados valores considerados essenciais.
Os poderes da tutela administrativa não se presumem, e
por isso só existem quando a lei explicitamente os estabelece, ao contrário dos
poderes hierárquicos que os presume existirem, portanto, a lei não surge para
limitar poderes que sem ela seriam mais fortes, mas para conferir poderes que
sem ela não existiriam de todo em todo. Os poderes tutelares não são poderes
hierárquicos enfraquecidos ou quebrados pela autonomia.
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