O dever de obediência é o contraponto do poder de
direcção e é o principal dever típico da relação hierárquica. Este dever
consiste segundo o artigo 3º nº7 do Estatuto Disciplinar na “obrigação de o
subalterno cumprir as ordens e instruções dos seus legítimos superiores
hierárquicos, dadas em objecto de serviço sob a forma legal”. Daqui, retiramos a
existência de três requisitos para a que exista o dever de obediência e que
são:
-a ordem ou instruções provenham de legítimo superior hierárquico
-ordens ou instruções tem de ser dadas em matéria de serviço
-as ordens e instruções têm de ser feitas da forma legal prescrita
Ou seja, não há dever de obediência Assim, nos
casos em que a ordem ou instrução é ilegal não fica o subalterno com a
obrigação de a respeitar.
O Prof. Freitas do Amaral distingue entre a
possibilidade de uma ordem ser “extrinsecamente” ou “intrinsecamente” ilegal. O
primeiro caso verifica-se quando, por exemplo, a ordem provenha de um órgão que
não seja legítimo superior do subalterno ou quando uma ordem respeite a um
assunto da vida particular do superior ou do subalterno, ou ainda quando a
ordem tenha, por exemplo, sido dada verbalmente e a lei exija forma escrita
para esse acto. Nestes casos a ordem é “extrinsecamente” ilegal e o subalterno
não fica obrigado a cumpri-la. O segundo caso verifica-se quando o subalterno
receber uma ordem que provenha de um legítimo superior hierárquico e que se
debruce sobre matérias de serviço mas que é “intrinsecamente” ilegal implicando,
portanto, se for acatada a pratica pelo subalterno de um acto ilegal ou
ilícito. Esta segunda questão é mais complexa e a doutrina tem defendido
diversas posições para o que deve ser feito pelo subalterno nestes casos em que
a ordem é “intrinsecamente” ilegal.
Tem se verificado essencialmente duas correntes: a
hierárquica e a legalista.
A corrente hierárquica defende que existe sempre
dever de obediência, não estando na mão do subalterno decidir ou questionar a
legalidade das ordens do seu superior hierárquico. Para quem defende esta
corrente admitir que o subalterno poderia questionar a legalidade das ordens, é
exatamente ir contra a razão de ser da hierarquia. O subalterno poderá sempre
exercer o direito de respeitosa representação junto do superior expondo-lhe as
suas dúvidas, mas tem sempre de cumprir com aquilo que for decidido pelo seu
superior. Esta posição foi defendida por Otto Mayer, Laband e Nézard.
Por outro lado, para a corrente legalista não há
dever de obediência em relação a ordens julgadas ilegais. Esta corrente foi
defendida por nomes como Hauriu e Jezé ou Orlando e Santi Romano. Esta corrente
teve uma versão mais restritiva, uma posição mais intermédia e uma posição mais
ampla. Na primeira (a mais restritiva) defendeu-se que não existiria dever de
obediência se a ordem implicasse a prática de um crime. Na segunda posição (a
mais intermédia) o dever de obediência cessa se e só se a ordem for
inequivocamente ilegal. Se houver duvidas ou mera divergência de entendimentos
e interpretações quanto há legalidade da ordem, esta continua a ser imperativa
e a ter de ser acatada para o subalterno. Na terceira versão (a mais ampla)
defendia-se que não há dever de obediência a uma ordem ilegal,
independentemente do motivo da ilegalidade, na medida em que acima do superior
esta sempre a lei e o subalterno deve sempre respeitar em primeiro lugar a
legalidade e só depois a hierarquia.
No fundo a questão reparte-se em saber o que é que
prevalece: se a lei ou se a hierarquia.
Na doutrina Portuguesa Marcello Caetano adoptava a
corrente hierárquica, embora “ temperada nos termos em que está regulada na lei
portuguesa”.
O Prof. Freitas do amara chama a atenção para o
facto de a apesar de aparentemente num sistema administrativo que se encontra
sujeito ao princípio da legalidade não se deveria sequer colocar a questão de
saber se os subalternos devem ou não cumprir ordens ilegais. No entanto algumas
razões obstam que tal conclusão seja tao óbvia e clara, na medida em que
consagrar o direito de desobedecer a ordens ilegais dadas por um superior
hierárquico pode gerar um factor de indisciplina nos serviços públicos,
significa também dar a todos os subalternos o poder de examinar as ordens dos
seus superior e determina ainda que se o subalterno tiver o dever de desobedecer
a ordens ilegais, a consequência que dele advém no caso de decidir é que também
ele se torna responsável pelas consequências da execução de uma ordem ilegal.
Assim o Prof. Freitas do Amaral defende a posição
legalista devido ao princípio do Estado de Direito Democrático (preâmbulo da
CRP) e ainda devido à submissão da Administração à lei que é consagrada no
artigo 266º nº 2 da nossa Lei Fundamental. Mas defende esta corrente numa
posição mais moderada.
Na vigência do
Constituição de 1933 a natureza autoritária do regime levou a que se optasse
pela prevalência da corrente hierárquica.
Actualmente prevalece um sistema legalista mitigado
e que resulta do artigo 271 nº 3 da CRP e do já citado artigo 3ºm nº 7 do
Estatuto Disciplinar.
Assim , no actual sistema português há dever de
obediência quando as ordens respeito o artigo 3º nº 7 do Estatuto Disciplinar.
Não há, no entanto, dever de obediência a ordens
cujo cumprimento implique a prática de um crime (artigo 271 nº 3 CRP) ou quando
as ordens provenham de um acto nulo (artigo 134º nº1 do CPA).
Note-se que o subalterno só ficará excluído da
responsabilidade pelas consequências da execução da ordem se antes da sua
execução tiver reclamado ou exigido a transmissão ou confirmação delas por
escrito, fazendo menção de forma expressa de que considera ilegais as ordens
recebidas (artigo 10º nº 1 e 2 do Estatuto Disciplinar).
Para o Prof. Freitas do Amaral o dever de obediência
a ordens ilegais é uma excepção ao princípio da legalidade, mas é uma excepção que
é admitida pela Constituição.
A opinião do Prof. Vasco Pereira da Silva é a de
que cessa o dever de obediência sempre que estejam em causa direitos
fundamentais ou a dignidade da pessoa humana (artigo 133º alínea d) do CPA).
Após a análise sobre o dever de obediência no
sistema administrativo posso concluir
que este é bastante importante na relação de hierarquia e que não é um dever
absoluto, na medida em que pode comportar importantes execpções à sua aplicação
de forma a se poder fazer valer o princípio da legalidade da Administração
Pública e evitar que normas ilegais ou que se revelem na pratica de um acto
criminoso não sejam aceitáveis nem sejam executadas pelo subalterno que esteja
sujeito ao dever de obediência.
-CRP: Constituição da República Portuguesa
CPA: Código de Procedimento Administrativo
Legislação:
-Constituição da República Portuguesa
-Decreto-Lei nº 24/84 de 16 de Janeiro que aprova o
Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central,
Regional e Local.
-Código do procedimento Administrativo
Bibliografia:
Diogo
Freitas do Amaral, "Curso de Direito Administrativo", Almedina,
Coimbra-volume 1, 3ªEdição, 2006
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