O Estado e a Administração Pública
Ao longo da
História, o Estado tem assumido funções cada vez mais complexas, com uma cada
vez maior diferenciação de funções, órgãos e serviços, em resultado dos
factores socioculturais e políticos. Exemplo disso é o Estado Liberal,
caracterizado pelo abstencionismo, “laissez-faire”,
ou seja, a redução ao mínimo das suas funções perante a sociedade, que ao
passar a Estado Social de Direito, passa a ser um Estado prestador de serviços,
um Estado que assiste os cidadãos. É a partir das ideias de Estado de Direito,
como Estado baseado na garantia dos Direitos dos cidadãos, através do respeito
pela legalidade, que se lhe irá atribuir personalidade jurídica. O Estado passa
a ser uma pessoa colectiva, pois subordina-se ao sistema normativo. São
reconhecidos direitos fundamentais aos cidadãos perante o Estado.
O
Estado é, assim, formado por uma colectividade que institui um poder político
no seu território, o qual visa prosseguir vários fins, através de um conjunto
de competências constantes na Constituição. Mais precisamente, os fins do
Estado dão origem a entes jurídicos para a sua prossecução (Estado-aparelho) e
fazem com que se desenvolvam actividades, funções do Estado, as quais
dividem-se em: funções primárias (função política e função legislativa) e
funções secundárias (função administrativa e função jurisdicional). A função do
Estado será, deste modo, uma tarefa, um fim do Estado com vista às necessidades
colectivas.
Estando
no âmbito do Direito Administrativo, cabe-nos limitar-nos sobre a função
administrativa do Estado, sendo que, em primeiro lugar, é pertinente verificar
um pouco da sua evolução no Estado Português.
Na
Idade Média, já havia alguns indícios de Administração Pública, como a
existência de órgãos centrais, funcionários régios, cobrando impostos e
construindo edifícios públicos, tendo havido ainda o aparecimento de fórmulas
de governo local. No século XV, a burocracia do Estado começa a aumentar,
graças à criação de uma série de funcionários do Estado.
Já
no século XVIII, com o Despotismo Esclarecido, as reformas pombalinas vão no
sentido de aperfeiçoar tecnicamente os serviços, embora a centralização do
poder no Rei fizesse com que as garantias individuais fossem escassas.
Contudo,
no século XIX, dão-se as Reformas de Mouzinho da Silveira dão origem à moderna
Administração Pública portuguesa. Uma das principais medidas foi a separação
entre a administração e a justiça e a correspondente separação entre órgãos
administrativos e tribunais, em 1832.
Em
1851, com a Regeneração, criou-se o Ministério das Obras Públicas, Comércio e
Indústria e reduziu-se o número de municípios, mas antes, em 1845 criou-se um
Conselho de Estado e, apenas em 1870, um Supremo Tribunal Administrativo. Em
1853 começou o ensino universitário de Direito Administrativo.
Com
a Primeira República (1910-1926), embora não houvesse uma ideia económica a
prosseguir, a estrutura da Administração central cresceu bastante.
Já
com o Estado Novo (1926-1974), houve um predomínio da administração central
sobre a administração municipal e ainda o controlo do poder central sobre os
órgãos locais, devido ao autoritarismo político. Outra circunstância a
considerar foi o corporativismo, ou seja, a organização social e política, ao
qual se juntaram elementos com finalidades de influências doutrinárias.
Por
fim, com a Revolução de 25 de Abril de 1974, consolidou-se o princípio da
separação entre administração e justiça e manteve-se o predomínio da administração
central sobre a municipal. Houve ainda uma liberalização do sistema de
garantias dos particulares contra os actos da Administração e um aumento do
intervencionismo estadual com a socialização dos principais meios de produção.
Em 2002, houve ainda uma reforma do contencioso administrativo com o reforço do
controlo dos tribunais sobre a administração.
Mas,
afinal, o que é a Administração Pública? Neste momento, interessa remetermo-nos
para a Constituição da República Portuguesa. Em primeiro lugar, há que analisar
o artigo 266, nº1 que preceitua o seguinte: “A Administração Pública visa a
prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses
legalmente protegidos dos cidadãos.” Aqui, podemos verificar que a
Administração é um meio de realização do estado ideal de convivência social,
que Dworkin chama de “Império do Direito”, ou seja, a Administração Pública
obedece à lei e aos princípios do Direito. Os professores Jorge Miranda e Rui
Medeiros afirmam que, por isso, neste artigo encontra-se uma verdadeira “Carta
Ética da Administração Pública”.
Outro
conceito fundamental é o de interesse
público, o qual é o “norte da administração pública” (Professores Marcelo
Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos), pois consta nas normas que definem atribuições
e fins a realizar pelo Estado e demais entidades públicas, exprimindo a ideia
de bem comum. No entanto, este conceito tem um carácter geral, mas não
universal, uma vez que o momento da universalidade do interesse público
corresponde ao seu limite, que são os direitos fundamentais. Para além disso, a
Administração Pública está ainda subordinada ao princípio da legalidade, a
actuação da administração deverá ser sempre conforme as normas.
Existem
ainda outras características que convém serem esclarecidas: a imparcialidade da
Administração Pública na actuação com os particulares, que, porém, se torna em
parcialidade, quando as entidades públicas do Estado tomam iniciativa de
realização das necessidades colectivas, prosseguindo o interesse público e, por
isso, agindo como partes; o princípio da subsidiariedade, em que a aproximação
às populações é essencial para que o Estado desempenhe correctamente os seus
fins e as suas tarefas, sendo que, neste contexto, surgem dois fenómeno, o da
descentralização (delegação de poderes ou atribuições públicas a entidades
infra-estatais, que, assim, também vão exercer a função administrativa a nível
territorial) e o da desconcentração (pluralidade de órgãos do Estado consoante
a divisão em funções e competências, a diferente nível hierárquico ou não, e
num âmbito central ou local). Relativamente a estes dois fenómenos, há dois
tipos de limites a ter em conta: os limites materiais (a eficácia da
Administração) e os limites orgânicos (manifestam a estrutura hierárquica das
pessoas colectivas públicas). Estamos, neste ponto, perante duas acepções da
Administração Pública, a Administração em sentido material e a Administração em
sentido orgânico. A primeira será a Administração Pública como actividade dos
serviços públicos e agentes administrativos levada a cabo na prossecução do
interesse da colectividade, com vista à satisfação das suas necessidades. A
segunda, por seu turno, será a Administração Pública como o sistema de órgãos,
serviços e agentes do Estado, assim como as restantes pessoas colectivas
públicas que asseguram a satisfação das necessidades colectivas.
Apesar
de o Estado ser a pessoa colectiva pública que desempenha a actividade
administrativa sob a direcção do Governo, que é o órgão principal da
administração do Estado, verifica-se que o Estado exerce esta sua competência
de várias formas: na Administração directa, em que há uma centralização
administrativa, pois trata-se de órgãos e serviços do Estado, centrais ou
periféricos e integrados na sua pessoa colectiva; na Administração indirecta,
onde, por outro lado, existe uma descentralização, pois quem prossegue os fins
do Estado são pessoas colectivas distintas do Estado. Já no caso da
Administração autónoma, ela prossegue interesses públicos próprios das pessoas
que a constituem.
Interessa
aqui referir o artigo 199º alínea d) da Constituição da República Portuguesa,
que dispõe que é da competência do Governo dirigir a Administração directa do
Estado, superintender a Administração indirecta e exercer tutela sobre a
Administração autónoma. Significa tal que, na primeira, ele dirige, na segunda
ele define objectivos e guia as respectivas pessoas colectivas e na terceira,
intervenciona quando necessário. No entanto, este artigo não se aplica às
entidades privadas que colaboram no exercício da função administrativa, nas
quais o Estado tem poderes de fiscalização, mas estas conservam autonomia.
Salienta-se ainda que no artigo também não estão em causa os órgãos
independentes da Administração. Neste caso, há uma redução da intervenção do
Governo, sendo que estas entidades também têm funções administrativas e só são
criadas com razões que o justifiquem, como a especialização técnica e a
imparcialidade face ao Governo.
A
Administração Pública tem, como tal, conseguido adquirir um papel cada vez mais
relevante na sociedade. Com o tempo, ela deixou de ter apenas uma mera
competência de execução das leis e passou a executar as directrizes e opções
fundamentais do poder político. Graças a ela, o Estado tornou-se prestador de serviços,
capaz de uma maior e eficaz assistência às crescentes necessidades dos
cidadãos.
Bibliografia:
Diogo Freitas do Amaral “Curso de Direito Administrativo”
Volume I;
Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos “Direito
Administrativo – Introdução e Princípios Fundamentais”;
Jorge Miranda “Manual de Direito Constitucional” Tomo III;
Jorge Miranda e Rui Medeiros “Constituição Portuguesa
Anotada” Tomos II e III.
Diana Furtado Guerra
Nº21984
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