sexta-feira, 16 de novembro de 2012


O Estado e a Administração Pública
Ao longo da História, o Estado tem assumido funções cada vez mais complexas, com uma cada vez maior diferenciação de funções, órgãos e serviços, em resultado dos factores socioculturais e políticos. Exemplo disso é o Estado Liberal, caracterizado pelo abstencionismo, “laissez-faire”, ou seja, a redução ao mínimo das suas funções perante a sociedade, que ao passar a Estado Social de Direito, passa a ser um Estado prestador de serviços, um Estado que assiste os cidadãos. É a partir das ideias de Estado de Direito, como Estado baseado na garantia dos Direitos dos cidadãos, através do respeito pela legalidade, que se lhe irá atribuir personalidade jurídica. O Estado passa a ser uma pessoa colectiva, pois subordina-se ao sistema normativo. São reconhecidos direitos fundamentais aos cidadãos perante o Estado.
                O Estado é, assim, formado por uma colectividade que institui um poder político no seu território, o qual visa prosseguir vários fins, através de um conjunto de competências constantes na Constituição. Mais precisamente, os fins do Estado dão origem a entes jurídicos para a sua prossecução (Estado-aparelho) e fazem com que se desenvolvam actividades, funções do Estado, as quais dividem-se em: funções primárias (função política e função legislativa) e funções secundárias (função administrativa e função jurisdicional). A função do Estado será, deste modo, uma tarefa, um fim do Estado com vista às necessidades colectivas.
                Estando no âmbito do Direito Administrativo, cabe-nos limitar-nos sobre a função administrativa do Estado, sendo que, em primeiro lugar, é pertinente verificar um pouco da sua evolução no Estado Português.
                Na Idade Média, já havia alguns indícios de Administração Pública, como a existência de órgãos centrais, funcionários régios, cobrando impostos e construindo edifícios públicos, tendo havido ainda o aparecimento de fórmulas de governo local. No século XV, a burocracia do Estado começa a aumentar, graças à criação de uma série de funcionários do Estado.
                Já no século XVIII, com o Despotismo Esclarecido, as reformas pombalinas vão no sentido de aperfeiçoar tecnicamente os serviços, embora a centralização do poder no Rei fizesse com que as garantias individuais fossem escassas.
                Contudo, no século XIX, dão-se as Reformas de Mouzinho da Silveira dão origem à moderna Administração Pública portuguesa. Uma das principais medidas foi a separação entre a administração e a justiça e a correspondente separação entre órgãos administrativos e tribunais, em 1832.
                Em 1851, com a Regeneração, criou-se o Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria e reduziu-se o número de municípios, mas antes, em 1845 criou-se um Conselho de Estado e, apenas em 1870, um Supremo Tribunal Administrativo. Em 1853 começou o ensino universitário de Direito Administrativo.
                Com a Primeira República (1910-1926), embora não houvesse uma ideia económica a prosseguir, a estrutura da Administração central cresceu bastante.
                Já com o Estado Novo (1926-1974), houve um predomínio da administração central sobre a administração municipal e ainda o controlo do poder central sobre os órgãos locais, devido ao autoritarismo político. Outra circunstância a considerar foi o corporativismo, ou seja, a organização social e política, ao qual se juntaram elementos com finalidades de influências doutrinárias.
                Por fim, com a Revolução de 25 de Abril de 1974, consolidou-se o princípio da separação entre administração e justiça e manteve-se o predomínio da administração central sobre a municipal. Houve ainda uma liberalização do sistema de garantias dos particulares contra os actos da Administração e um aumento do intervencionismo estadual com a socialização dos principais meios de produção. Em 2002, houve ainda uma reforma do contencioso administrativo com o reforço do controlo dos tribunais sobre a administração.
                Mas, afinal, o que é a Administração Pública? Neste momento, interessa remetermo-nos para a Constituição da República Portuguesa. Em primeiro lugar, há que analisar o artigo 266, nº1 que preceitua o seguinte: “A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.” Aqui, podemos verificar que a Administração é um meio de realização do estado ideal de convivência social, que Dworkin chama de “Império do Direito”, ou seja, a Administração Pública obedece à lei e aos princípios do Direito. Os professores Jorge Miranda e Rui Medeiros afirmam que, por isso, neste artigo encontra-se uma verdadeira “Carta Ética da Administração Pública”.
                Outro conceito fundamental é o de interesse público, o qual é o “norte da administração pública” (Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos), pois consta nas normas que definem atribuições e fins a realizar pelo Estado e demais entidades públicas, exprimindo a ideia de bem comum. No entanto, este conceito tem um carácter geral, mas não universal, uma vez que o momento da universalidade do interesse público corresponde ao seu limite, que são os direitos fundamentais. Para além disso, a Administração Pública está ainda subordinada ao princípio da legalidade, a actuação da administração deverá ser sempre conforme as normas.
                Existem ainda outras características que convém serem esclarecidas: a imparcialidade da Administração Pública na actuação com os particulares, que, porém, se torna em parcialidade, quando as entidades públicas do Estado tomam iniciativa de realização das necessidades colectivas, prosseguindo o interesse público e, por isso, agindo como partes; o princípio da subsidiariedade, em que a aproximação às populações é essencial para que o Estado desempenhe correctamente os seus fins e as suas tarefas, sendo que, neste contexto, surgem dois fenómeno, o da descentralização (delegação de poderes ou atribuições públicas a entidades infra-estatais, que, assim, também vão exercer a função administrativa a nível territorial) e o da desconcentração (pluralidade de órgãos do Estado consoante a divisão em funções e competências, a diferente nível hierárquico ou não, e num âmbito central ou local). Relativamente a estes dois fenómenos, há dois tipos de limites a ter em conta: os limites materiais (a eficácia da Administração) e os limites orgânicos (manifestam a estrutura hierárquica das pessoas colectivas públicas). Estamos, neste ponto, perante duas acepções da Administração Pública, a Administração em sentido material e a Administração em sentido orgânico. A primeira será a Administração Pública como actividade dos serviços públicos e agentes administrativos levada a cabo na prossecução do interesse da colectividade, com vista à satisfação das suas necessidades. A segunda, por seu turno, será a Administração Pública como o sistema de órgãos, serviços e agentes do Estado, assim como as restantes pessoas colectivas públicas que asseguram a satisfação das necessidades colectivas.
                Apesar de o Estado ser a pessoa colectiva pública que desempenha a actividade administrativa sob a direcção do Governo, que é o órgão principal da administração do Estado, verifica-se que o Estado exerce esta sua competência de várias formas: na Administração directa, em que há uma centralização administrativa, pois trata-se de órgãos e serviços do Estado, centrais ou periféricos e integrados na sua pessoa colectiva; na Administração indirecta, onde, por outro lado, existe uma descentralização, pois quem prossegue os fins do Estado são pessoas colectivas distintas do Estado. Já no caso da Administração autónoma, ela prossegue interesses públicos próprios das pessoas que a constituem.
                Interessa aqui referir o artigo 199º alínea d) da Constituição da República Portuguesa, que dispõe que é da competência do Governo dirigir a Administração directa do Estado, superintender a Administração indirecta e exercer tutela sobre a Administração autónoma. Significa tal que, na primeira, ele dirige, na segunda ele define objectivos e guia as respectivas pessoas colectivas e na terceira, intervenciona quando necessário. No entanto, este artigo não se aplica às entidades privadas que colaboram no exercício da função administrativa, nas quais o Estado tem poderes de fiscalização, mas estas conservam autonomia. Salienta-se ainda que no artigo também não estão em causa os órgãos independentes da Administração. Neste caso, há uma redução da intervenção do Governo, sendo que estas entidades também têm funções administrativas e só são criadas com razões que o justifiquem, como a especialização técnica e a imparcialidade face ao Governo.
                A Administração Pública tem, como tal, conseguido adquirir um papel cada vez mais relevante na sociedade. Com o tempo, ela deixou de ter apenas uma mera competência de execução das leis e passou a executar as directrizes e opções fundamentais do poder político. Graças a ela, o Estado tornou-se prestador de serviços, capaz de uma maior e eficaz assistência às crescentes necessidades dos cidadãos.

Bibliografia:
Diogo Freitas do Amaral “Curso de Direito Administrativo” Volume I;
Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos “Direito Administrativo – Introdução e Princípios Fundamentais”;
Jorge Miranda “Manual de Direito Constitucional” Tomo III;
Jorge Miranda e Rui Medeiros “Constituição Portuguesa Anotada” Tomos II e III.

Diana Furtado Guerra
Nº21984

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