quinta-feira, 29 de novembro de 2012

"A Autonomia das Universidades públicas"


     

 Ao estudar os vários tipos de administração pública existentes no nosso país: directa, indirecta,  autónoma, indirecta independente, independente; e a sua vastíssima composição, não consensual aos vários sectores da doutrina, surge-me a seguinte questão,que tem dominado na doutrina nas ultimas décadas: onde posicionar as Universidades públicas?
                Parece ser óbvio que as Universidades não pertencem à pessoa colectiva Estado (Estado Administração) nem prosseguem fins directos sob forma imediata da mesma. Logo, parece descartada a hipótese das Universidades públicas pertencerem à administração directa do Estado. Acrescentando o facto de estas deterem personalidade jurídica – são pessoas de direito público distintas da pessoa colectiva Estado – e o facto da prossecução dos interesses das mesmas ser feita através de orgãos próprios, que não o governo, inclinar-nos-emos para um posicionamento na esfera da administração estadual indirecta ou autónoma.
O Professor Freitas do Amaral situa as Universidades como espécie de institutos públicos – estabelecimentos públicos – logo, pertencentes à administração estadual indirecta. Mas admite que anteriormente adoptava outra posição. Nasce tal designação pelo facto de o Prof. Considerar que existem pessoas colectivas públicas que não são nem direcções gerais – portanto, serviços personalizados – nem fundações públicas. Tais pessoas colectivas são as Universidades, hospitais do Estado e a Misericórdia de Lisboa até aos anos 90.
Classifica estabelecimentos públicos como “ estabelecimentos abertos ao público e destinados a fazer prestações de carácter cultural ou social aos cidadãos ” e são regidos pela lei-quadro dos institutos públicoslei nº3/2004 de 15 de Janeiro na versão do Decreto-lei nº5/2012 de 17 de Janeiro. Tal lei assume carácter geral, é portanto susceptível de ser complementada por leis especiais, uma vez que, como podemos ter a percepção, as várias “espécies” de institutos públicos são divergentes entre si; apresentam como (poucos) pontos de contacto o facto de prosseguirem fins do Estado, indirectos e de forma mediata. (Leia-se : Em tudo o que não contrariar a presente lei e demais leis especiais, e ressalvado o disposto no capítulo VI do título III, as instituições de ensino superior públicas estão sujeitas ao regime aplicável às demais pessoas colectivas de direito público de natureza administrativa, designadamente à lei quadro dos institutos públicos, que vale como direito subsidiário naquilo que não for incompatível com as disposições da presente lei.” – Regimo jurídico das instituições de ensino superior ( lei nº62/2007))
Outros professores consideram que as Universidades devem ser consideradas na esfera da administração autónoma do Estado, nomeadamente os Profs.Marcelo Rebelo de Sousa, Jorge Miranda e Vasco Pereira da Silva.      
O primeiro, refere que se até à publicação da 1ªLei da Autonomia Universitária, em 1988, faria sentido considerá-las pertencentes à superintendência do Estado-Administração, após tal publicação, estas transferiram-se para a administração autónoma do Estado.
                Perguntamo-nos porquê ?
A resposta está na CRP´76, mais especificamente na sua revisão constitucional de 1982, em que foi conferida autonomia aos estabelecimentos de ensino superior. Embora os interesses próprios das Universidades coexistam com os do Estado-Administração, a realização de uns e de outros só pode ser feita autonomamente, não se devendo as Universidades sujeitar ao poder de direcção e superintendência do Estado-Administração. Pelos factos de as Universidades públicas serem pessoas colectivas de direito público, criadas pelo Estado e, por, como já foi referido, satisfazerem interesses comuns aos do Estado, estas devem manter-se sob a tutela do mesmo, sendo consensual que não podem extravazar mais do que a administração autónoma.
A consagração do príncipio constitucional da autonomia universitária marcou o início de um braço de ferro que dura até à actualidade ( hoje mais do que nunca é vivido!) entre Estado e Universidades que, embora autónomas, financeiramente dependem do Estado, que, através do orçamento as controla, e deste modo, lhes nega a autonomia.
Cabe explorar um pouco a concretização desta “autonomia universitária”:
O legislador constituinte consagrou tal autonomia como um direito fundamental cultural, num duplo sentido: o primeiro pessoal , o segundo institucional.        
Quanto ao primeiro, passa pela garantia por parte da comunidade académica da sua liberdade criativa e de transmissão/aquisição de conhecimentos (direito fundamental dos cidadãos), a segunda dimensão, aparenta atribuir às pessoas colectivas Universidades direitos fundamentais, caracteristicos das pessoas singulares. Mas, no seu artigo 12º, a CRP´76 ao atribuir capacidade de gozo de direitos a pessoas colectivas supera assim uma concepção de atribuição de direitos fundamentais apenas a pessoas singulares; aliás, a consignação de direitos fundamentais a pessoas colectivas aparenta ser mais extensa que a personalidade jurídica das mesmas;querendo com tal dizer que, associações sem personalidade jurídica podem (e são!), à luz da CRP´76 sujeitos de direitos fundamentais (exemplo das comissões de trabalhadores).
A autonomia das pessoas colectivas universidades com garantia constitucional reverte-se em científica – direito de autodeterminação e auto-organização das universidades em matéria científica; pedagógica – capacidade de determinação dos orgãos e formas de ensino de avaliação e distribuição dos docentes; administrativa – autogoverno, através dos orgãos próprios da própria comunidade universitária; estatuitária – capacidade de elaborar e aprovar a sua própria “consitituição”, dentro dos limites da lei e da sua especialidade; por fim, refiro-me à autonomia financeira, o cerne da questão – capacidade de angariar receitas próprias e elaboração do próprio orçamento. 
Tal autonomia é consagrada pelo artigo 11º da lei da autonomia das universidades ( lei nº 62/2007).
Quanto à autonomia financeira, esta é consagrada no artigo nº111 da mesma lei e as suas receitas estão descritas no artigo nº115. É curioso verificar que, de acordo com o primeiro, para além das dotações do orçamento de Estado, são receitas das Universidades: as provenientes dos pagamentos de propinas, provenientes das actividades de investigação e desenvolvimento,rendimentos da propriedade intelectual, rendimentos de bens próprios e fruição, receitas derivadas de prestações de serviço, produto de venda ou arrendamento de bens imóveis.
Como sabemos, a grande fatia de rendimentos provem das dotações do orçamento de Estado, logo, parece-me ser de concluír que, embora a tendência e a consagração Constitucional o comprove, seja num sentido de crescente autonomia universitária, o Estado, ao diminuir o seu orçamento disponível para as Universidades controla a autonomia das pessoas colectivas em questão. É certo que apenas tem o poderío de intervir na autonomia financeira mas, será que ao minimizar tal autonomia não estará também a prejudicar as outras – científica, pedagógica, administrativa e estatuitária ? Infelizmente penso que sim.
Com se podem defender as Universidades perante tal actuação?
Algumas Universidades converteram-se a Instituições (tema interessante para um futuro Post).
Este ano, em “Estudos de homenagem ao Prof.Jorge Miranda”, o nosso Prof.Director Vera-Cruz Pinto relatou que desde a entrada em vigor da lei da autonomia Universitária de 1988 , o Estado já reduziu em 50% o seu financiamento à Faculdade de Direito de Lisboa.
O Prof. Mostrou-se também contra a ideia de auto-financiamento das Universidades, nomeadamente através da prestação de serviços. Tal ideia iría contra a tendência gratuita do ensino, prejudicará as Universidades onde os alunos, docentes e trabalhadores não-docentes sejam economicamente mais débeis.( No caso da FDL, colocar-se-ía em causa algumas políticas existentes de de ajuda a alunos de estrados ecónomicos mais baixos - nomeadamente os acordos internacionais com a Lusofonia).
Vivemos numa época de excepção, na qual têm sido tomadas medidas, nomeadamente cortes financeiros, que não se pensavam possíveis; estatísticas do Conselho de Reitores das Universidades Públicas mostram uma tendência francamente decrescente do orçamento disponível para as Universidades na última década. Temos a certeza que, nos próximos anos será pior. Parece-me ser a altura ideal para as Universidade se fazerem valer da autonomia que (ainda) dispõe e lutar para a ampliar. Como?
Sabendo que o valor das propinas, na maioria das Universidades públicas já está próxima do valor máximo legal, pode-se, talvez, explorar ao máximo o artigo nº111 acima referido. Parece-me ainda ser possível rentabilizar espaços e infra-estruturas, produzir mais receita derivada de serviços, de investigações, ...  Não numa óptica de Universidade-empresa que se mostre concorrente dos seus alunos e colaboradores( compreendendo a posição do Prof.Vera-Cruz quanto ao facto de o objectivo das Universidades não ser o lucro) mas, talvez numa óptica de Universidade-comunidade-empresa, querendo com isto dizer que uma melhor organização de toda a comunidade académica poderia lutar por uma melhor rentabilização e, acima de tudo segurança por parte das Universidades. Lutando por uma maior autonomia perante a pessoa colectiva Estado as Universidades poderiam mesmo mostrar os seus valores institucionais e demarcar-se da Administração Central.
Relacionando com a divergência da “posição” das Universidades no aparelho administrativo, penso que tal posicionamento é mais influenciado pela conjuntura nacional do que pela qualificação a que se lhes queira atribuir; reitero no entanto que, considerando que as Universidades ou são estabelecimentos públicos da administração indrecta ou associações da administração autónoma, financeiramente podemos considerá-las instituições da administração quase despótica directa do Estado.

BIBLIOGRAFIA

Curso de Direito Administrativo, FREITAS DO AMARAL, DIOGO
Direito Administrativo , REBELO DE SOUSA, MARCELO 
Estudos em Homenagem ao Prof.Jorge Miranda, Vol VI, VERA-CRUZ PINTO, EDUARDO
Introdução ao Direito Administrativo, CAUPERS,JOÃO

LEGISLAÇÃO

Constituição da República Portuguesa
lei nº 62/2007 de 10 de Setembro, REGIME JURÍDICO DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR 
lei do orçamento de Estado para 2012




                                                                                    Afonso Costa Gomes

                                                                                               nº 21987 

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