Ao estudar
os vários tipos de administração pública existentes no nosso país: directa,
indirecta, autónoma, indirecta
independente, independente; e a sua vastíssima composição, não consensual aos
vários sectores da doutrina, surge-me a seguinte questão,que tem dominado na
doutrina nas ultimas décadas: onde posicionar as Universidades públicas?
Parece
ser óbvio que as Universidades não pertencem à pessoa colectiva Estado (Estado
Administração) nem prosseguem fins directos sob forma imediata da mesma. Logo,
parece descartada a hipótese das Universidades públicas pertencerem à
administração directa do Estado. Acrescentando o facto de estas deterem
personalidade jurídica – são pessoas de direito público distintas da pessoa
colectiva Estado – e o facto da prossecução dos interesses das mesmas ser feita
através de orgãos próprios, que não o governo, inclinar-nos-emos para um
posicionamento na esfera da administração estadual indirecta ou autónoma.
O Professor
Freitas do Amaral situa as Universidades como espécie de institutos públicos –
estabelecimentos públicos – logo, pertencentes à administração estadual
indirecta. Mas admite que anteriormente adoptava outra posição. Nasce tal designação
pelo facto de o Prof. Considerar que existem pessoas colectivas públicas que
não são nem direcções gerais – portanto, serviços personalizados – nem fundações
públicas. Tais pessoas colectivas são as Universidades, hospitais do Estado e a
Misericórdia de Lisboa até aos anos 90.
Classifica
estabelecimentos públicos como “ estabelecimentos abertos ao público e
destinados a fazer prestações de carácter cultural ou social aos cidadãos ” e
são regidos pela lei-quadro dos
institutos públicos – lei nº3/2004
de 15 de Janeiro na versão do Decreto-lei
nº5/2012 de 17 de Janeiro. Tal lei assume carácter geral, é portanto
susceptível de ser complementada por leis especiais, uma vez que, como podemos
ter a percepção, as várias “espécies” de institutos públicos são divergentes
entre si; apresentam como (poucos) pontos de contacto o facto de prosseguirem
fins do Estado, indirectos e de forma mediata. (Leia-se : ” Em tudo o que não contrariar a presente lei e demais leis
especiais, e ressalvado o disposto no capítulo VI do título III, as instituições
de ensino superior públicas estão sujeitas ao regime aplicável às demais
pessoas colectivas de direito público de natureza administrativa,
designadamente à lei quadro dos institutos públicos, que vale como direito
subsidiário naquilo que não for incompatível com as disposições da presente
lei.” – Regimo
jurídico das instituições de ensino superior ( lei nº62/2007))
Outros professores consideram
que as Universidades devem ser consideradas na esfera da administração autónoma
do Estado, nomeadamente os Profs.Marcelo Rebelo de Sousa, Jorge Miranda e Vasco
Pereira da Silva.
O primeiro, refere que se até à
publicação da 1ªLei da Autonomia
Universitária, em 1988, faria sentido considerá-las pertencentes à superintendência
do Estado-Administração, após tal publicação, estas transferiram-se para a
administração autónoma do Estado.
Perguntamo-nos porquê ?
A resposta está na CRP´76, mais especificamente na sua
revisão constitucional de 1982, em que foi conferida autonomia aos
estabelecimentos de ensino superior. Embora os interesses próprios das
Universidades coexistam com os do Estado-Administração, a realização de uns e
de outros só pode ser feita autonomamente, não se devendo as Universidades
sujeitar ao poder de direcção e superintendência do Estado-Administração. Pelos
factos de as Universidades públicas serem pessoas colectivas de direito
público, criadas pelo Estado e, por, como já foi referido, satisfazerem
interesses comuns aos do Estado, estas devem manter-se sob a tutela do mesmo,
sendo consensual que não podem extravazar mais do que a administração autónoma.
A consagração do príncipio constitucional
da autonomia universitária marcou o início de um braço de ferro que dura até à
actualidade ( hoje mais do que nunca é vivido!) entre Estado e Universidades
que, embora autónomas, financeiramente dependem do Estado, que, através do
orçamento as controla, e deste modo, lhes nega a autonomia.
Cabe explorar um pouco a
concretização desta “autonomia universitária”:
O
legislador constituinte consagrou tal autonomia como um direito fundamental cultural,
num duplo sentido: o primeiro pessoal , o segundo institucional.
Quanto ao
primeiro, passa pela garantia por parte da comunidade académica da sua
liberdade criativa e de transmissão/aquisição de conhecimentos (direito
fundamental dos cidadãos), a segunda dimensão, aparenta atribuir às pessoas
colectivas Universidades direitos fundamentais, caracteristicos das pessoas
singulares. Mas, no seu artigo 12º,
a CRP´76 ao atribuir capacidade de
gozo de direitos a pessoas colectivas supera assim uma concepção de atribuição
de direitos fundamentais apenas a pessoas singulares; aliás, a consignação de
direitos fundamentais a pessoas colectivas aparenta ser mais extensa que a
personalidade jurídica das mesmas;querendo com tal dizer que, associações sem
personalidade jurídica podem (e são!), à luz da CRP´76 sujeitos de direitos fundamentais (exemplo das comissões de
trabalhadores).
A autonomia
das pessoas colectivas universidades com garantia constitucional reverte-se em
científica – direito de autodeterminação e auto-organização das universidades
em matéria científica; pedagógica – capacidade de determinação dos orgãos e
formas de ensino de avaliação e distribuição dos docentes; administrativa –
autogoverno, através dos orgãos próprios da própria comunidade universitária;
estatuitária – capacidade de elaborar e aprovar a sua própria “consitituição”,
dentro dos limites da lei e da sua especialidade; por fim, refiro-me à
autonomia financeira, o cerne da questão – capacidade de angariar receitas
próprias e elaboração do próprio orçamento.
Tal
autonomia é consagrada pelo artigo 11º
da lei da autonomia das universidades ( lei nº 62/2007).
Quanto à
autonomia financeira, esta é consagrada no artigo nº111 da mesma lei e as suas receitas estão descritas no artigo nº115. É curioso verificar que, de
acordo com o primeiro, para além das dotações do orçamento de Estado, são
receitas das Universidades: as provenientes dos pagamentos de propinas,
provenientes das actividades de investigação e desenvolvimento,rendimentos da
propriedade intelectual, rendimentos de bens próprios e fruição, receitas
derivadas de prestações de serviço, produto de venda ou arrendamento de bens
imóveis.
Como
sabemos, a grande fatia de rendimentos provem das dotações do orçamento de
Estado, logo, parece-me ser de concluír que, embora a tendência e a consagração
Constitucional o comprove, seja num sentido de crescente autonomia
universitária, o Estado, ao diminuir o seu orçamento disponível para as
Universidades controla a autonomia das pessoas colectivas em questão. É certo
que apenas tem o poderío de intervir na autonomia financeira mas, será que ao
minimizar tal autonomia não estará também a prejudicar as outras – científica,
pedagógica, administrativa e estatuitária ? Infelizmente penso que sim.
Com se
podem defender as Universidades perante tal actuação?
Algumas
Universidades converteram-se a Instituições (tema interessante para um futuro
Post).
Este ano,
em “Estudos de homenagem ao Prof.Jorge Miranda”, o nosso Prof.Director Vera-Cruz
Pinto relatou que desde a entrada em vigor da lei da autonomia Universitária de
1988 , o Estado já reduziu em 50% o seu financiamento à Faculdade de Direito de
Lisboa.
O Prof. Mostrou-se
também contra a ideia de auto-financiamento das Universidades, nomeadamente
através da prestação de serviços. Tal ideia iría contra a tendência gratuita do
ensino, prejudicará as Universidades onde os alunos, docentes e trabalhadores
não-docentes sejam economicamente mais débeis.( No caso da FDL, colocar-se-ía
em causa algumas políticas existentes de de ajuda a alunos de estrados
ecónomicos mais baixos - nomeadamente os acordos internacionais com a
Lusofonia).
Vivemos
numa época de excepção, na qual têm sido tomadas medidas, nomeadamente cortes
financeiros, que não se pensavam possíveis; estatísticas do Conselho de
Reitores das Universidades Públicas mostram uma tendência francamente
decrescente do orçamento disponível para as Universidades na última década. Temos
a certeza que, nos próximos anos será pior. Parece-me ser a altura ideal para
as Universidade se fazerem valer da autonomia que (ainda) dispõe e lutar para a
ampliar. Como?
Sabendo que
o valor das propinas, na maioria das Universidades públicas já está próxima do
valor máximo legal, pode-se, talvez, explorar ao máximo o artigo nº111 acima referido. Parece-me ainda
ser possível rentabilizar espaços e infra-estruturas, produzir mais receita
derivada de serviços, de investigações, ... Não numa óptica de
Universidade-empresa que se mostre concorrente dos seus alunos e colaboradores(
compreendendo a posição do Prof.Vera-Cruz quanto ao facto de o objectivo das
Universidades não ser o lucro) mas, talvez numa óptica de
Universidade-comunidade-empresa, querendo com isto dizer que uma melhor
organização de toda a comunidade académica poderia lutar por uma melhor
rentabilização e, acima de tudo segurança por parte das Universidades. Lutando
por uma maior autonomia perante a pessoa colectiva Estado as Universidades poderiam mesmo mostrar os seus valores institucionais e demarcar-se da
Administração Central.
Relacionando
com a divergência da “posição” das Universidades no aparelho administrativo,
penso que tal posicionamento é mais influenciado pela conjuntura nacional do
que pela qualificação a que se lhes queira atribuir; reitero no entanto que,
considerando que as Universidades ou são estabelecimentos públicos da
administração indrecta ou associações da administração autónoma,
financeiramente podemos considerá-las instituições da administração quase
despótica directa do Estado.
BIBLIOGRAFIA
Curso de Direito Administrativo, FREITAS DO AMARAL, DIOGO
Direito Administrativo , REBELO DE SOUSA, MARCELO
Estudos em Homenagem ao Prof.Jorge Miranda, Vol VI, VERA-CRUZ PINTO, EDUARDO
Introdução ao Direito Administrativo, CAUPERS,JOÃO
LEGISLAÇÃO
Constituição da República Portuguesa
lei nº 62/2007 de 10 de Setembro, REGIME JURÍDICO DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR
lei do orçamento de Estado para 2012
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