quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Análise à Delegação de Poderes - Regime Legal e Natureza Jurídica

Parte I

Estamos perante o instrumento administrativo da delegação de poderes, quando, uma determinada lei, atribui a um órgão da Administração, certas competências para a prática de determinados atos, dando ainda a este a faculdade de delegar, a outro órgão ou agente, uma parte dessas competências. Dá-se, portanto, na Delegação de poderes uma transferência do próprio poder de ação ou decisão sobre certos atos, que passam da competência de um órgão para outro, com o devido consentimento legal e do delegante. São várias as definições dadas, pela doutrina, sobre esta figura: O Prof. Paulo Otero define a delegação de poderes como “ o ato através do qual um órgão (delegante) exerce a faculdade legal de permitir que outro órgão ou agente (delegado) pratique um ou vários atos jurídicos, sobre competência normalmente atribuída, por lei, ao primeiro com a possibilidade de não ser por ele exercida em termos exclusivos (poderes delegados) ”; o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa define a delegação de poderes como o “ ato através do qual um órgão administrativo, normalmente competente para decidir, permite, de acordo com a lei, que outro órgão ou agente pratique atos administrativos sobre a mesma matéria”; para o Prof. Freitas do Amaral trata-se “ de um ato pelo qual um órgão da administração, normalmente competente para decidir em determinada matéria, permite, de acordo com a lei, que, outro órgão ou agente, pratique atos administrativos sobre a mesma matéria” Todas estas, e as restantes, definições doutrinárias surgem-nos com base no artigo 35º, nº1 do Código de Procedimento Administrativo.

Deste artigo, facilmente, se extraem pelo menos três requisitos para que se possa verdadeiramente falar em delegação de poderes: uma lei que preveja a delegação, a existência de dois órgãos ou de um órgão  e um agente e, por último, a pratica do próprio ato de delegação. O primeiro requisito repousa no princípio da legalidade, só existirá delegação de poderes se houver uma lei que a preveja, é a chamada lei de habilitação, uma vez que habilita ou permite ao órgão ou agente em questão que possa delegar matérias para outro. O artigo 111º, nª2 da Constituição da República Portuguesa prevê, indiretamente, que casos como o da delegação tenham de estar sujeitos a consentimento legal, em suma não haverá delegação se não houver lei para esse efeito. Tudo isto terá efeitos imediatos no respeito que se possa ter pelos princípios da irrenunciabilidade e da inalienabilidade da competência administrativa, adiante se verá melhor este aspeto. O segundo requisito é o de qua a delegação deve ser efetuada por dois órgãos distintos, ou, por um órgão e um agente dessa mesma pessoa coletiva. Trata-se aqui de impedir que a competência seja delegada a um órgão ou agente sem prática corrente no tratamento de determinadas matéria sujeitas a delegação. Pela solenidade dos órgãos e seus agentes, só eles devem delegar competências. Finalmente, o ultimo requisito é o do consentimento do delegante para que o delegado pratique os atos sobre delegação, a isto de chama o ato de delegação. Pode, no entanto, a lei prever expressamente a delegação de poderes, os atos que o delegado pode praticar e porventura qual o órgão delegado, através da habilitação, mas mesmo sob estas condições, o órgão possivelmente delegante, poderá resolver não delegar as suas competências e os seus poderes, ainda que isso esteja previsto numa lei de habilitação. É, portanto, necessário o próprio consentimento do agente ou órgão delegante. Porém, o Prof. João Caupers, discorda da relevância do ato de delegação, uma vez que para este autor, mais relevante do que o ato será a vontade do delegante. Basta, para se completarem os requisitos, não um ato, mas sim uma omissão juridicamente relevante-delegação tácita, aí a lei de habilitação considera delegados certos poderes, um exemplo desta situação encontra-se no nº2 do artigo 56º dos estatutos da Faculdade de Direito de Lisboa.

A delegação de poderes, pertence assim, a uma modalidade de competência delegada dentro dos casos de desconcentração da administração. A isto se deve, como em todas as competências delegadas, um aumento significativo das atribuições administrativas, das necessidades coletivas e no crescente numero de pessoas coletivas. Como nos diz o Prof. Paulo Otero, no seu estudo sobre a delegação de competências, a competência delegada representa hoje um tipo de concorrência muito frequente nos órgãos que compõem a Administração pública portuguesa, sendo a delegação de poderes a mais expressiva forma desta circunstancia.

Cabe agora falar sobre as outras figuras do Direito Administrativo que não devem ser confundidas com a delegação de poderes: em primeiro lugar temos a transferência legal de competências, esta figura não necessita, ao contrário da delegação de poderes, do ato do delegante, ou seja, não preenche o terceiro requisito em cima falado. Esta é uma transferência de poderes que opera de forma definitiva nos órgãos, ao contrário da delegação de poderes cuja duração é sempre reduzida, sendo sempre passível de revogação. Há, autores, porém que enquadram a delegação tácita numa modalidade de transferência legal de poderes, no entanto, a desconcentração de competências deriva sempre da lei, independentemente do ato de delegação; outra figura é a da concessão onde o destinatário desta figura é, por norma, uma pessoa coletiva privada, pelo que, só por isso está afastada a possível confusão com a delegação de poderes, onde o destinatário é por norma, sempre um sujeito publico; na representação, os efeitos jurídicos, á semelhança do Direito Civil, vão repercutir-se na esfera do representado ao contrário da delegação onde os efeitos jurídicos e inerentes responsabilidades vão cair na esfera jurídica do órgão ou agente; outra figura é a da suplência que se dá, quando um agente ou titular de um determinado órgão não pode efetuar certos atos administrativos por doença, ausência ou impedimentos de qualquer outra natureza, sendo para tal substituído por outros agentes. Ao contrário da delegação de poderes, nesta figura não existe uma lei de habilitação, o que torna suficiente a distinção, acorre apenas uma transmissão por necessidade de certas competências e poderes; outra figura é a da delegação de assinaturas que acontece, quando, um inferior hierárquico assina a correspondência do seu superior, nestas situações apenas existe uma transferência não de poderes, mas sim da competência apenas de assinar algo em nome do superior. A figura que mais duvidas, na comparação com a delegação de poderes, levanta, é a da delegação tácita: traduz-se no silencio do órgão delegante, quando a correspondente lei de habilitação expressa qual o órgão ou agente e quais as competências e poderes delegados. Falta aqui, portanto, o elemento correspondente ao ato de delegação feito pelo delegante, conforme o terceiro requisito legal. A delegação tácita é também, e a par da delegação de poderes, um forma de desconcentração administrativa, tomando porém a primeira a forma originária ou contrário da segunda que toma a forma derivada. Trata-se de uma preterição do ato de delegação, necessário para a delegação de poderes. Alguns autores, questionam a constitucionalidade desta modalidade de delegação, pela faculdade que assiste ao delegado de mesmo, na delegação tácita, poder livremente revogar ou modificar a delegação. Esta faculdade suscita duvidas na compatibilidade que possa vir a ter com a o artigo 115º, nº5 da CRP. Diz-nos, em jeito de resposta, o Prof. Paulo Otero que o referido artigo, não proíbe em absoluto que uma determinada lei possa facultar a revogação, modificação ou suspensão. O artigo em causa, só se aplica aos atos com eficácia externa, onde não se enquadra a figura da delegação tácita, trata-se por lógica de um puro ato administrativo interno, pelo que, este autor concluir pela constitucionalidade da figura em questão. Concluindo as diferenças entre as delegações tácitas e de poderes, poderemos dizer que as primeiras estão sujeitas a um vinculo de confiança que passa a unir o delegante e delegado e que a simples omissão do primeiro bastará para que os poderes sejam delegados. Nas segundas, mesmo que a confiança institucional e orgânica exista, será necessário o ato de delegação por parte do órgão delegante, para que todo o processo se manifeste legalmente e de acordo com o artigo 35º nº1 do CPA.

Referiu-se á pouco, que o primeiro requisito para a delegação de poderes, é a existência de uma lei de habilitação, ou seja, de uma lei que preveja, estipule, habilite uma delegação de competências e poderes. Seguindo, então, o principio de que só será permitida a delegação de poderes com a existência desta lei, surgem-nos na doutrina várias classificações e tipos diferentes de leis de habilitação, no entanto, duas classificações afiguram-se mais importantes para o tratamento da figura da delegação de poderes: em primeiro lugar, poderá a habilitação legal, ser genérica, quando uma só lei permita que determinados órgãos deleguem quando quiserem. A lei servirá de fundamento à delegação de todos os atos praticados, é o que se passa quando um órgão colegial, por exemplo, delega poderes no seu presidente. Porém denote-se que só poderão ser delegados, nesta espécie de habilitação, poderes para praticar atos de administração ordinária (atos não definitivos)excluindo-se da habilitação genérica os atos de administração extraordinária (atos definitivos); a habilitação, pode tomar a forma inversa, ou seja pode tomar a forma de habilitação especifica quando a lei que habilita, permita apenas que um órgão ou agente pratique um determinado ato devidamente especificado, só esse ato, e mais nenhum, poderá ser realizado pelo órgão ou agente delegado. Sublinhe-se, que a lei de habilitação não derroga a norma anterior que tinha atribuído competência, ela vai constituir o fundamento do ato de delegação, fundamentando a delegação e a receção de determinados poderes. Ela será a lei que dará sentido á exceção consagrada no artigo 111º, nº2 da Constituição, uma norma não exequível por si mesma, sem nunca modificar de forma alguma a norma que atribuiu as competências.

Mesmo existindo lei de habilitação, e pondo de parte o problema doutrinário atrás referido, é necessário ainda, juntamente com os  órgãos ou agente, um ato de delegação emanado pelo órgão delegante. Este ato vai garantir a posição de delegante do órgão competente, e transmitir confiança institucional ao órgão ou agente delegado. Este ato, reveste-se da maior importância, para se obter num sentido amplo, uma verdadeira delegação de poderes. O ato em questão, poderá ser classificado em quatro espécies e formas: A primeira atende á sua origem, ou seja, se o ato é originário ou derivado. Se for originário, a competência para a pratica do ato resulta diretamente da habilitação, se for derivado, o ato provem de competência transmitida por outro ato semelhante - a subdelegação; a segunda classificação tem em conta a relação entre delegante e delegado, e a sua posição hierárquica, o ato pode surgir em virtude de uma relação hierárquica ou não hierárquica; A especificidade ou generalização do ato do delegante, constitui outra das classificações. Sendo especifico atenderá apenas a um ato isolado, sendo genérico consentirá uma pluralidade de atos; finalmente, surge-nos a classificação que opõe os atos de delegação em amplos ou restritos, consoante o ato delegue uma grande quantidade de poderes e competências ou uma pequena parcela de poderes sujeitos a delegação. Estas são as mais usuais classificações de atos de delegação, que, com uma breve analise, bastará para surgir a duvida, se todos os poderes e todas as competências podem ser sujeitas a delegação. Surgem-nos autores que apontam nesse sentido, o de uma possível delegação total de poderes, porém, diz-nos o Professor Freitas do Amaral que a delegação só atenderá a uma parcela de poderes e não á sua totalidade e isto porque se assim não fosse estaria o delegante (titular de órgão) a renunciar ás suas funções e ao seu cargo ficando apenas com o vencimento e com a honra. Mais ainda se diz a respeito da impossibilidade de delegação total: poderes existem, que pela sua natureza ou mesmo por lei, são considerados indelegáveis, basta no primeiro caso pensar nos poderes disciplinares no caso, por exemplo, de uma delegação hierárquica, seria impensável um inferior praticar atos de natureza disciplinar contra o seu superior ainda que este tenha delegado.
 
Bibliografia:
 Marcelo Rebelo de Sousa, lições de Direito Administrativo, Lisboa 1994;
Paulo Otero, A competência Delegada, AAFDL, 1987;
Paulo Otero, O poder de substituição em Direito Administrativo;
João Caupers, Direito Administrativo, Editorial Noticias, 1996;
Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 3ª edição

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