segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A figura do Estado em Direito Administrativo


Pouco ou nada nos interessa a conceção constitucional de Estado na trilogia clássica de povo, território e poder politico, para a compreensão desta entidade no Direito Administrativo. Neste ramo de direito público, o Estado aparece-nos sob a forma de pessoa coletiva que define e executa o interesse publico nas suas mais diversas formas. É, portanto, a atividade Administrativa do Estado que interessa a este ramo. Porém,  hoje em dia não só do Estado se compõe a Administração Pública como adiante se verá.

Nas palavras do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, o Estado constitui a pessoa coletiva mais importante dentro da Administração Pública pelos amplos poderes de direção, de superintendência e de tutela que detém sobre as demais pessoas públicas. Com esta definição, conseguimos perceber que,  ao lado do estado, existem na Administração  entidades privadas e públicas com personalidade própria que ladeiam com o Estado. É, no entanto, consensual a importância principal do Estado na prossecução do interesse publico. O Estado surge-nos como “o maestro da orquestra que é a Administração Pública em Portugal” como diz o Prof. Vasco Pereira da Silva.

Como todas as pessoas coletivas, o Estado detém um substrato pessoal e patrimonial com o propósito de alcançar as funções que a lei lhe reserva. É neste sentido que se fala em Estado-Administração dentro do Direito Administrativo.                               

O Estado é, hoje em dia, a principal entidade administrativa do país por orientar, definir , executar e fiscalizar a Administração Pública em sentido amplo. Tendo a lei como principal critério e fundamento na sua ação (art. 266º nº2 CRP), o seu domínio é manifestado nos diversos tipos de Administração Pública, senão vejamos: na Administração Indireta, o Estado goza de superintendência e de tutela que garantem o controlo sobre as outras entidades, sejam elas públicas ou privadas; em relação à Administração periférica, muitos dos órgãos e serviços que a compõem pertencem mesmo ao aparelho estatal, as restantes tal como na Administração Local estão sob a tutela do Estado. No entanto, é na Administração Direta que mais se sente a força jurídica e Administrativa do Estado como sendo o mais importante entre os vários elementos do Direito Administrativo e da Administração Pública.

A Administração Direta é a atividade exercida por órgãos e serviços integrados na pessoa coletiva Estado que prosseguem o interesse público definido pela lei. Na verdade, neste tipo de administração, todos os órgãos e serviços  que agem em nome da administração pertencem ao Estado ou dele fazem parte formando uma pluralidade desses mesmos órgãos e serviços, sem que nenhum deles tenha a personalidade jurídica que assiste somente ao Estado individualmente, enquanto pessoa coletiva. Segundo o Prof. João Caupers, a Administração Direta pode tomar uma de duas formas: pode ser central (tendo os órgãos e as respectivas sedes na capital exercendo uma autoridade vinculativa a todo  o território), ou pode simplesmente tomar forma de administração periférica.

Na administração central, o Estado assume, através da lei, diversas funções e atribuições que devem ser exercidas enquanto pessoa coletiva pública. As atribuições têm vindo a aumentar á medida que o tempo passa de forma a corresponder ao crescente aumento das necessidades da população. Porém, se em outras entidades administrativas as funções estão claramente enumeradas pela lei, o mesmo não se passa com o Estado e as suas atribuições, devido á sua complexidade e estrutura: são vários os diplomas legais que conferem atribuições ao Estado, chegam aos milhares. É, no entanto, na Constituição, por excelência, que se encontram as atribuições de forma mais genérica e ampla. Sublinhe-se que quer sejam atribuições do Estado quer sejam de outra qualquer pessoa coletiva pública, elas são sempre conferidas por lei e somente por lei. Pela dificuldade de enumeração dessas atribuições , alguma doutrina tentou expor classificações de forma a simplificar a compreensão das mesmas.

Bernard Gournay, um administrativista francês agrupa três categorias de atribuições: as  principais, as auxiliares e as de comando. Nas principais existem quatro grupos: o primeiro pertence às atribuições de soberania onde nos aparece a defesa nacional, os negócios estrangeiros e a administração interna; outro grupo é o das funções económicas onde nos surgem os assuntos relativos ao comércio, agricultura, indústria e crédito entre outras; o terceiro grupo trata de funções sociais como a saúde, segurança social, trabalho etc… ; o ultimo grupo, entre as funções principais, é o das atribuições educativas e culturais. A segunda categoria, a das auxiliares, é também chamada de categoria de funções logísticas, que têm que ver com a gestão patrimonial, financeira e pessoal, cabem aqui, entre outras, as funções judiciais. Finalmente, na última categoria apresentada por Gournay, temos as atribuições de comandos que tem que ver com o planeamento, as previsões e as organizações da Administração. Estas atribuições têm como objetivo a preparação de tomadas de decisão pelo que, por norma, se antecipam ás restantes categorias na ação administrativa do Estado. Não obstante esta ou outras classificações é (insista-se), na constituição enquanto lei fundamental que se encontrão plasmadas as mais diversas funções do Estado. A isso se deve o teor programático do texto de 1976.

Sabemos então o que compete ao Estado sob forma de Administração Central, mas sendo o Estado composto por órgãos e serviços, exercerão todos eles a atividade administrativa? A resposta é negativa uma vez que só os órgãos administrativos o fazem, excluindo portanto os órgãos com atuação maioritariamente política ou judicial como os Tribunais ou o Presidente da República. No que toca à Administração Pública, é o Governo o órgão por excelência da função Administrativa.

O Governo tem, na sua função administrativa, o principal centro da atividade central do Estado. É o órgão superior da Administração Pública conforme o artigo 182º da Constituição. Para o Prof. Diogo Freitas do Amaral o Governo, enquanto órgão administrativo, tem três funções principais administrativas: garantir  a execução das leis, assegurar o funcionamento da administração publica e promover a satisfação das necessidades coletivas. A orgânica de cada Governo é descrita pela lei por ele publicada respeitante à sua organização, onde se vão mudando os ministérios, secretários de estado, subsecretários de estado e áreas de competência. Porém, está constitucionalmente previsto um Primeiro-Ministro e diferentes Ministros que tratam de áreas relacionadas com as funções acima descritas (por exemplo, para as atribuições de defesa, relativas ao grupo das atribuições de soberania, existe um Ministro de Estado e da Defesa). Os ministérios correspondentes a cada Ministro podem ser classificados da seguinte forma: Ministérios de Soberania (Defesa, NE, ou Administração Interna), Económicos (Finanças, Economia ou Agricultura), Sociais (Educação, Cultura ou Saúde) e, por fim, os ministérios técnicos (Obras Públicas ou Assuntos Parlamentares).  Ao contrário da hierarquia do Estado em sentido amplo, dentro do Governo, o principio é de não hierarquia, pelo que todos os membros do Governo têm competências únicas e próprias, apesar de, na prática, esta situação ser algo questionável.  O governo tem ainda no Conselho de Ministros, um dos centros de maior atividade administrativa do Estado; este Conselho surge-nos quando o Governo atua sob forma colegial (ver artigo 200º).

Não só do Governo se compõe o Estado enquanto pessoa coletiva, porém, as competências e organizações deste órgão espelham bem a importância do Estado enquanto ente administrativo. Outros órgãos e serviços, outras características e, porventura, outras funções cabem ao Estado. Não se deve confundir esta complexa entidade com as demais entidades privadas e/ou públicas, nem com os que atuam em seu nome como governantes ou funcionários públicos. O Estado tem património próprio, tem obrigações e deveres, pode contrair dívidas e pode ser responsabilizado judicialmente, é isto que o “transforma” em pessoa coletiva. Desta forma,  surge a ideia de que o estado pode comprar, vender, emprestar, enfim,  atuar na órbita do direito privado como uma pessoa coletiva vulgar que não o é. Aparece-nos então como praticamente certa, a ideia de que o Estado tem personalidade jurídica.

O Estado estará, hoje em dia, em crise? A resposta parece ser afirmativa segundo alguns autores. À medida que o tempo passa, esta entidade deve acompanhar a evolução das necessidades coletivas, e a questão prende-se então em saber se estará o Estado preparado para os novos desafios que se lhe colocam. O Estado continua exercendo todas as atividades que lhe são por lei confiadas, mas desta realidade nasce um novo problema, o da sustentabilidade do próprio Estado e, para tal muito contribui o contínuo aumento das suas atribuições.  O Estado deve hoje situar as suas fronteiras de ação dentro daquilo que for sustentável e indispensável, pois depreende-se que esta entidade não poderá alcançar todas as necessidades coletivas de uma determinada população. Porém, como diz o Prof. Jorge Miranda, “ não se antevê um modelo alternativo de organização ou um sistema coerente de entidades públicas ou privadas que substituam o Estado”. Ele, o Estado,  continuará a ser o centro de maior atividade administrativa, pelo menos em Portugal, e a sua existência tem sido imune a crises, revoluções ou quaisquer outras grandes mudanças sociais.

 Bibliografia:
Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 2006
Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, 2ª edição, 1999
Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, Direito Administrativo, vol. I, 2004
João Caupers, A Administração periférica do Estado,1994
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo III, 6ª edição, 2010

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