Pouco ou nada nos interessa a conceção
constitucional de Estado na trilogia clássica de povo, território e poder
politico, para a compreensão desta entidade no Direito Administrativo. Neste
ramo de direito público, o Estado aparece-nos sob a forma de pessoa coletiva
que define e executa o interesse publico nas suas mais diversas formas. É,
portanto, a atividade Administrativa do Estado que interessa a este ramo.
Porém, hoje em dia não só do Estado se
compõe a Administração Pública como adiante se verá.
Nas palavras do Prof. Marcelo
Rebelo de Sousa, o Estado constitui a pessoa coletiva mais importante dentro da
Administração Pública pelos amplos poderes de direção, de superintendência e de
tutela que detém sobre as demais pessoas públicas. Com esta definição,
conseguimos perceber que, ao lado do
estado, existem na Administração
entidades privadas e públicas com personalidade própria que ladeiam com
o Estado. É, no entanto, consensual a importância principal do Estado na prossecução
do interesse publico. O Estado surge-nos como “o maestro da orquestra que é a
Administração Pública em Portugal” como diz o Prof. Vasco Pereira da Silva.
Como todas as pessoas coletivas,
o Estado detém um substrato pessoal e patrimonial com o propósito de alcançar
as funções que a lei lhe reserva. É neste sentido que se fala em
Estado-Administração dentro do Direito Administrativo.
O Estado é, hoje em dia, a
principal entidade administrativa do país por orientar, definir , executar e
fiscalizar a Administração Pública em sentido amplo. Tendo a lei como principal
critério e fundamento na sua ação (art. 266º nº2 CRP), o seu domínio é
manifestado nos diversos tipos de Administração Pública, senão vejamos: na
Administração Indireta, o Estado goza de superintendência e de tutela que
garantem o controlo sobre as outras entidades, sejam elas públicas ou privadas;
em relação à Administração periférica, muitos dos órgãos e serviços que a
compõem pertencem mesmo ao aparelho estatal, as restantes tal como na Administração
Local estão sob a tutela do Estado. No entanto, é na Administração Direta que
mais se sente a força jurídica e Administrativa do Estado como sendo o mais
importante entre os vários elementos do Direito Administrativo e da Administração
Pública.
A Administração Direta é a atividade
exercida por órgãos e serviços integrados na pessoa coletiva Estado que
prosseguem o interesse público definido pela lei. Na verdade, neste tipo de
administração, todos os órgãos e serviços
que agem em nome da administração pertencem ao Estado ou dele fazem
parte formando uma pluralidade desses mesmos órgãos e serviços, sem que nenhum
deles tenha a personalidade jurídica que assiste somente ao Estado
individualmente, enquanto pessoa coletiva. Segundo o Prof. João Caupers, a
Administração Direta pode tomar uma de duas formas: pode ser central (tendo os
órgãos e as respectivas sedes na capital exercendo uma autoridade vinculativa a
todo o território), ou pode simplesmente
tomar forma de administração periférica.
Na administração central, o
Estado assume, através da lei, diversas funções e atribuições que devem ser
exercidas enquanto pessoa coletiva pública. As atribuições têm vindo a aumentar
á medida que o tempo passa de forma a corresponder ao crescente aumento das
necessidades da população. Porém, se em outras entidades administrativas as
funções estão claramente enumeradas pela lei, o mesmo não se passa com o Estado
e as suas atribuições, devido á sua complexidade e estrutura: são vários os
diplomas legais que conferem atribuições ao Estado, chegam aos milhares. É, no
entanto, na Constituição, por excelência, que se encontram as atribuições de
forma mais genérica e ampla. Sublinhe-se que quer sejam atribuições do Estado
quer sejam de outra qualquer pessoa coletiva pública, elas são sempre
conferidas por lei e somente por lei. Pela dificuldade de enumeração dessas
atribuições , alguma doutrina tentou expor classificações de forma a
simplificar a compreensão das mesmas.
Bernard Gournay, um administrativista
francês agrupa três categorias de atribuições: as principais, as auxiliares e as de comando.
Nas principais existem quatro grupos: o primeiro pertence às atribuições de
soberania onde nos aparece a defesa nacional, os negócios estrangeiros e a administração
interna; outro grupo é o das funções económicas onde nos surgem os assuntos
relativos ao comércio, agricultura, indústria e crédito entre outras; o
terceiro grupo trata de funções sociais como a saúde, segurança social,
trabalho etc… ; o ultimo grupo, entre as funções principais, é o das
atribuições educativas e culturais. A segunda categoria, a das auxiliares, é
também chamada de categoria de funções logísticas, que têm que ver com a gestão
patrimonial, financeira e pessoal, cabem aqui, entre outras, as funções
judiciais. Finalmente, na última categoria apresentada por Gournay, temos as
atribuições de comandos que tem que ver com o planeamento, as previsões e as
organizações da Administração. Estas atribuições têm como objetivo a preparação
de tomadas de decisão pelo que, por norma, se antecipam ás restantes categorias
na ação administrativa do Estado. Não obstante esta ou outras classificações é
(insista-se), na constituição enquanto lei fundamental que se encontrão
plasmadas as mais diversas funções do Estado. A isso se deve o teor programático
do texto de 1976.
Sabemos então o que compete ao
Estado sob forma de Administração Central, mas sendo o Estado composto por
órgãos e serviços, exercerão todos eles a atividade administrativa? A resposta
é negativa uma vez que só os órgãos administrativos o fazem, excluindo portanto
os órgãos com atuação maioritariamente política ou judicial como os Tribunais
ou o Presidente da República. No que toca à Administração Pública, é o Governo
o órgão por excelência da função Administrativa.
O Governo tem, na sua função
administrativa, o principal centro da atividade central do Estado. É o órgão
superior da Administração Pública conforme o artigo 182º da Constituição. Para o
Prof. Diogo Freitas do Amaral o Governo, enquanto órgão administrativo, tem
três funções principais administrativas: garantir a execução das leis, assegurar o
funcionamento da administração publica e promover a satisfação das necessidades
coletivas. A orgânica de cada Governo é descrita pela lei por ele publicada respeitante
à sua organização, onde se vão mudando os ministérios, secretários de estado,
subsecretários de estado e áreas de competência. Porém, está
constitucionalmente previsto um Primeiro-Ministro e diferentes Ministros que
tratam de áreas relacionadas com as funções acima descritas (por exemplo, para
as atribuições de defesa, relativas ao grupo das atribuições de soberania,
existe um Ministro de Estado e da Defesa). Os ministérios correspondentes a
cada Ministro podem ser classificados da seguinte forma: Ministérios de
Soberania (Defesa, NE, ou Administração Interna), Económicos (Finanças,
Economia ou Agricultura), Sociais (Educação, Cultura ou Saúde) e, por fim, os
ministérios técnicos (Obras Públicas ou Assuntos Parlamentares). Ao contrário da hierarquia do Estado em
sentido amplo, dentro do Governo, o principio é de não hierarquia, pelo que
todos os membros do Governo têm competências únicas e próprias, apesar de, na
prática, esta situação ser algo questionável.
O governo tem ainda no Conselho de Ministros, um dos centros de maior
atividade administrativa do Estado; este Conselho surge-nos quando o Governo atua
sob forma colegial (ver artigo 200º).
Não só do Governo se compõe o
Estado enquanto pessoa coletiva, porém, as competências e organizações deste órgão
espelham bem a importância do Estado enquanto ente administrativo. Outros
órgãos e serviços, outras características e, porventura, outras funções cabem
ao Estado. Não se deve confundir esta complexa entidade com as demais entidades
privadas e/ou públicas, nem com os que atuam em seu nome como governantes ou
funcionários públicos. O Estado tem património próprio, tem obrigações e
deveres, pode contrair dívidas e pode ser responsabilizado judicialmente, é
isto que o “transforma” em pessoa coletiva. Desta forma, surge a ideia de que o estado pode comprar,
vender, emprestar, enfim, atuar na órbita
do direito privado como uma pessoa coletiva vulgar que não o é. Aparece-nos
então como praticamente certa, a ideia de que o Estado tem personalidade
jurídica.
O Estado estará, hoje em dia, em
crise? A resposta parece ser afirmativa segundo alguns autores. À medida que o
tempo passa, esta entidade deve acompanhar a evolução das necessidades
coletivas, e a questão prende-se então em saber se estará o Estado preparado
para os novos desafios que se lhe colocam. O Estado continua exercendo todas as
atividades que lhe são por lei confiadas, mas desta realidade nasce um novo
problema, o da sustentabilidade do próprio Estado e, para tal muito contribui o
contínuo aumento das suas atribuições. O
Estado deve hoje situar as suas fronteiras de ação dentro daquilo que for sustentável
e indispensável, pois depreende-se que esta entidade não poderá alcançar todas
as necessidades coletivas de uma determinada população. Porém, como diz o Prof.
Jorge Miranda, “ não se antevê um modelo alternativo de organização ou um
sistema coerente de entidades públicas ou privadas que substituam o Estado”.
Ele, o Estado, continuará a ser o centro
de maior atividade administrativa, pelo menos em Portugal, e a sua existência tem
sido imune a crises, revoluções ou quaisquer outras grandes mudanças sociais.
Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, 2ª edição, 1999
Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos, Direito Administrativo, vol. I, 2004
João Caupers, A Administração periférica do Estado,1994
Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo III, 6ª edição, 2010
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