quarta-feira, 14 de novembro de 2012


As Relações Administrativas: 
Hierarquia, Superintendência e Tutela


O que passarei a analisar não se assemelha a uma Administração Publica observada de uma forma estática no sentido de uma separação mais ou menos vincada do que caracteriza a estrutura da organização administrativa. Irei analisar as relações que se originam dentro e entre as pessoas colectivas e os seus órgãos administrativos. Observar-se-á uma visão intrapessoal e interpessoal. Será desta forma que conseguiremos perceber mais claramente que a Administração não se coaduna com “acções estáticas” pois, tanto numa forma como noutra, prevalece uma “agilidade dinâmica que dá vida ao direito administrativo”.
As relações a que me refiro estão patentes em dois artigos da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente nos artigos 199.º d) e 182.º. Refere este último “O Governo é o órgão de condução de política geral e o órgão superior da administração pública”. Tem-se como pedra basilar a relação de hierarquia, com uma posição de vantagem do Governo face aos demais. Já o artigo 199.º d) refere que cabe ao Governo no exercício de funções administrativas “Dirigir os serviços e a actividade da administração directa do Estado, civil e militar, superintender na administração directa do Estado e exercer a tutela sobre esta e sobre a administração autónoma”. Por sua vez, na norma expressa estão referidos os dois tipos de relação: superintendência e a tutela.


Hierarquia:
Começo assim a abordagem, tratando da primeira relação enunciada, a hierarquia. Esta manifesta-se verticalmente onde, 2 ou mais órgãos de uma mesma pessoa colectiva, estão aglutinados por dois poderes distintos: o poder de direcção para o superior hierárquico e o dever de obediência para o subordinado. O poder de direcção consiste em emanar ordens (directivas relativas a um caso concreto e individualizado, especificado) ou instruções (para um caso futuro não individualizado, abstracto). O superior hierárquico goza de uma grande abrangência no que respeita aos subalternos, podendo emanar comandos vinculativos em toda a área de competência do subalterno. Já o dever de obediência deve advir de um acto legal e de um superior hierárquico legítimo e em matéria de serviço como nos refere o artigo 271.º da Constituição da República Portuguesa. É importante referir também o artigo 266.º nº2 não somente para o subalterno mas também para o superior hierárquico, quando refere que “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei…”. No entanto, nem todas as ordens são imposição de uma obrigação de obediência, tornando-se assim excepções ao poder de direcção. Essas excepções estão presentes não só no artigo 271.º nº3 da Constituição (quando implique a prática de um crime) como em outros casos. Caso como a observância de um comando oriundo do superior hierárquico que não se mostre legitimo para o fazer gerando incompetência; quando essa ordem não for realizada em matéria de serviço; quando não possua uma forma legal; se for nulo não existem produção de efeitos como se retira da letra do 271.º nº3 já supra citado.
Premente será também referir que o superior hierárquico detém um poder de supervisão, que consiste numa legitimidade de revogar, anular ou suspender (total ou parcialmente) actos dos subalternos. Outros poderes se observam na esfera deste. São eles o poder de inspecção – fiscalizar o poder dos subalternos e bom funcionamento dos serviços -, poder disciplinar – carateriza-se pela faculdade de punir o subalterno -, poder de decidir recursos – faculdade de reapreciar os actos previamente decididos pelos subalternos podendo revogar ou confirmar e, eventualmente, substitui-los -, por último surge o poder de decidir conflitos de competência que se encontra expresso no artigo 42.º e 43.º do Código do Procedimento Administrativo.  
Esta relação (hierarquia) está muito patente na Administração Directa do Estado. Destaque da relação hierárquica sob forma vertical trazendo subjacente a si algumas vantagens. São elas uma repartição de competência entre órgãos, uma identificação escalonar da responsabilidade, critérios de resolução de litígios e melhor prossecução do interesse público e, por último, prevalência da vontade do superior hierárquico.


Superintendência:
Passo agora a caracterizar a relação de superintendência. Este poder é conferido ao Estado, exercido pelo órgão superior da Administração Pública – Governo -, bem como a outras pessoas colectivas de fins múltiplos para definir objectivos e guiar a actuação de pessoas colectivas de fins singulares colocadas pela lei na sua subordinação. Observa-se assim uma devolução de poderes da parte da administração directa passando esta a estar ligada à administração indirecta. Esta relação não é, nem pode ser, presumida, sendo condição “sine qua non” da sua existência a expressão na lei.


Tutela:
Por último, passo a caracterizar a relação de tutela. Esta consiste num conjunto de poderes de poderes de intervenção de uma pessoa colectiva pública na gestão de outra pessoa colectiva pública a fim de assegurar a legalidade e/ou o mérito da sua actuação. Deste modo, caracteriza-se pela existência de duas pessoas colectivas públicas; fim da tutela administrativa é assegurar em nome da entidade que tutela (entidade tutelar) que a entidade tutelada cumpra as leis em vigor e garantir que sejam adoptadas medidas as soluções convenientes e oportunas para a prossecução do interesse público. Esta relação tem o seu relevo na administração indirecta e autónoma do Estado. Friso que tal como a superintendência só a tutela quando e nas formas previstas na lei. 
Quanto ao fim da tutela, este pode ser de legalidade (visa controlar a legalidade das decisões) ou de mérito (fiscalizar a conveniência e oportunidade das decisões).
Quanto ao conteúdo, a tutela pode ser inspectiva – poder de fiscalizar a organização, funcionamento de órgãos ou serviços, os documentos e as contas -, integrativa – aprovar os actos ou autorizar -, sancionatória – aplicar sanções por irregularidades que tenham sido detectadas pela entidade tutelada -, revogatória – poder de revogar ou anular os actos administrativos -, substitutiva – suprir omissões, praticando os actos que forem legalmente devidos.

Nota: quanto às autarquias locais, estas estão sujeitas a tutela de legalidade, estando somente sujeitas, quanto ao conteúdo, a tutela inspectiva e integrativa.

Nota 1: A Administração Autónoma está normalmente sujeita a tutela. Há casos de total imunidade tutelar. São os casos das ordens profissionais e demais associações públicas que estão sujeita somente a um controlo judicial da sua actuação. 




Jorge Silva
Nº 19691

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