quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A Privatização da Administração Pública: Quais os fundamentos? Parte 1


Por ser um tema muito actual, todos nós temos em mente uma noção do conceito "privatização", ainda que muito básica: processo pelo qual algo que era público passa a pertencer aos domínios da esfera privada; o que era do governo cai nas mãos do governado.
No entanto, a doutrina tem estudado a dinâmica do conceito, como é o exemplo do fiscalista Nuno Sá Gomes ou do constitucionalista Prof.Paulo Otero.
Nuno Sá Gomes faz uma tripartipação entre privatização em sentido restrito - o Estado passa para a iniciativa privada os determinados meios de produção - em sentido amplo - transferência do património público para a iniciativa privada ou concessão de serviços público - e em sentido amplíssimo - medidas tendentes para diminuir o peso do Estado, nomeadamente do sector empresarial, exemplo das acções do poder público no planeamento da economia.
Já o Prof.Paulo Otero divide em seis as espécies de noções jurídicas de privatização no direito português, que não cabe aqui desenvolver sob pena de se tornar uma exposição demasiado extensa.
Cabe sim, aqui desenvolver quais os fundamentos para privatizar a Administração Pública. Para isso é necessário tratar dos princípios que justificam, em primeira instância, a privatização, num plano mais teórico.
É nas teorias liberais, ou neoliberais mais recentemente, que encontramos os defensores deste fenómeno, ao desenvolverem argumentos decorrentes dos princípios da não-intervenção, do livre mercado, da eficácia, havendo ainda quem inclua o princípio do respeito pelas vinculações comunitárias, a desenvolver mais à frente.
A ideia da eficácia é na verdade um dos fundamentos da privatização que assenta em argumentos mais sólidos, e por isso mesmo, um dos princípios mais evocados pela doutrina no que toca a este assunto.
De facto, não podemos negar que o movimento da privatização se começou a desenvolver gradualmente quando os Estados atravessaram um período de grandes dificuldades no seu aparato empresarial: quando o paradigma de Estado paternalista, com aquela velha máquina estatal pesada e obsoluta, falha em evoluir e acompanhar os tempos modernos, o que a privatização traz de vantajoso é, sem dúvida, mais eficácia.
Contudo, hoje bem sabemos pela experiência que este princípio da eficácia nunca poderá ser observado como fundamento absoluto das privatizações: ora, ao invés, este mesmo princípio pode servir para sustentar um dos limites à privatização - que será desenvolvido na Parte 2 deste artigo.
Mas também podemos ter em consideração a administração dos Estados Unidos da América, um país dito rico e bastante desenvolvido economicamente, que utiliza a privatização em larga escala, nomeadamente em quase todo o seu sector de serviços públicos, que para além da sua conhecida situação de falta de sistema nacional de saúde pública, até os municípios privatizam actividades tão simples como a colheita de lixo ou a limpeza da via pública - algo que sabemos poder ter consequências desastrosas para os cidadãos.
Achei ainda com especial pertinência fazer uma referência a um dos fundamentos apresentados pelo Prof. Paulo Otero, que reside na exigência constitucional de aprofundamento da democracia participativa, decorrente dos artigos 2º e 267º nº1 e 5 da nossa Constituição:

"Artigo 2º: A República Portuguesa é um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultura e o aprofundamento da democracia participativa"

"Artigo 267º/1: A Administração Pública será estruturada de modo a evitar a burocratizarão, aproximar os serviços das populações e assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva, designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de moradores e outras formas de representação democrática.  
267º/5: O processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito".

Mas não é tudo: um terceiro fundamento para as privatizações tem sede num princípio referido na introdução deste artigo -  o princípio do respeito às vinculações comunitárias.
Pela circunstância de Portugal estar inserido na União Europeia, instância internacional que tem grande peso nas nossas decisões económicas e financeiras, temos um grande motivador de flexibilização dos sectores empresarias públicos, abrindo-se espaço para a iniciativa privada.
No plano prático, medidas como a submissão de empresas públicas ao mesmo regime legal aplicado às empresas privadas ou o fim da possibilidade de incentivos fomentadores por parte do Estado, são claramente sinais de um ambiente comunitário de incentivo às privatizações.
O que agora foi exposto em nada se confunde com a eventualidade de se considerar a existência de um princípio da subsidariedade imposto pela União, como é lógico, até o contrário é decorrente do artigo 295º do Tratado da União, que dispõe serem assuntos da soberania do Estado o regime de apropriação de bens pelo Poder Público.
Os três pilares acima citados reforçam a consagração dos métodos privatizantes utilizados pelos Estados contemporâneos, pelo menos aqueles que considerei serem de maior relevância prática e teórica.
Porém, o êxito das privatizações, em alguns sectores não é justificação para se implantar um tipo de Estado descuidado de alguns deveres inerentes à própria razão de ser do poder público.
Em última instância, a decisão de privatizar ou não alguns sectores da Administração Pública do Estado dependerá e muito da ideologia seguida pelos governantes, ou por outros factores como, por exemplo, a eventual pressão do mercado externo, ou um especial interesse do sector privado em trabalhar com um determinado seguimento pertencente ao domínio público.
Na parte 2 deste artigo vou tentar escrever sobre o inverso: Quais os limites existente à privatização da Administração Pública?

 Principal bibliografia consultada:
- Maria João Estroninho: "Fuga para o Direito Privado"
- Nuno Sá Gomes: "Manuel de Direito Fiscal"
- Paulo Otero: "Relatório de Direito Administrativo"
- Luis Cabral de Moncada: "Estudo em Homenagem ao Professor Doutor Joaquim Moreira da Silva Cunha"

Leonor Caldeira Nº 21936

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