Por ser um tema muito actual, todos nós temos em mente
uma noção do conceito "privatização", ainda que muito básica:
processo pelo qual algo que era público passa a pertencer aos domínios da
esfera privada; o que era do governo cai nas mãos do governado.
No entanto, a doutrina tem estudado a dinâmica do
conceito, como é o exemplo do fiscalista Nuno Sá Gomes ou do constitucionalista
Prof.Paulo Otero.
Nuno Sá Gomes faz uma tripartipação entre privatização em
sentido restrito - o Estado passa
para a iniciativa privada os determinados meios de produção - em sentido amplo - transferência do património
público para a iniciativa privada ou concessão de serviços público - e em
sentido amplíssimo - medidas
tendentes para diminuir o peso do Estado, nomeadamente do sector empresarial,
exemplo das acções do poder público no planeamento da economia.
Já o Prof.Paulo Otero divide em seis as espécies de
noções jurídicas de privatização no direito português, que não cabe aqui
desenvolver sob pena de se tornar uma exposição demasiado extensa.
Cabe sim, aqui desenvolver quais os fundamentos para
privatizar a Administração Pública. Para isso é necessário tratar dos princípios
que justificam, em primeira instância, a privatização, num plano mais teórico.
É nas teorias liberais, ou neoliberais mais recentemente,
que encontramos os defensores deste fenómeno, ao desenvolverem argumentos
decorrentes dos princípios da não-intervenção, do livre mercado, da eficácia,
havendo ainda quem inclua o princípio do respeito pelas vinculações
comunitárias, a desenvolver mais à frente.
A ideia da eficácia é na verdade um dos
fundamentos da privatização que assenta em argumentos mais sólidos, e por isso
mesmo, um dos princípios mais evocados pela doutrina no que toca a este
assunto.
De facto, não podemos negar que o movimento da
privatização se começou a desenvolver gradualmente quando os Estados atravessaram
um período de grandes dificuldades no seu aparato empresarial: quando o
paradigma de Estado paternalista, com aquela velha máquina estatal pesada e
obsoluta, falha em evoluir e acompanhar os tempos modernos, o que a
privatização traz de vantajoso é, sem dúvida, mais eficácia.
Contudo, hoje bem sabemos pela experiência que este
princípio da eficácia nunca poderá ser observado como fundamento absoluto das
privatizações: ora, ao invés, este mesmo princípio pode servir para sustentar
um dos limites à privatização - que será desenvolvido na Parte 2 deste artigo.
Mas também podemos ter em consideração a administração
dos Estados Unidos da América, um país dito rico e bastante desenvolvido
economicamente, que utiliza a privatização em larga escala, nomeadamente em
quase todo o seu sector de serviços públicos, que para além da sua conhecida
situação de falta de sistema nacional de saúde pública, até os municípios
privatizam actividades tão simples como a colheita de lixo ou a limpeza da via
pública - algo que sabemos poder ter consequências desastrosas para os
cidadãos.
Achei ainda com especial pertinência fazer uma referência
a um dos fundamentos apresentados pelo Prof. Paulo Otero, que reside na exigência
constitucional de aprofundamento da democracia participativa, decorrente dos artigos 2º e 267º nº1 e
5 da nossa Constituição:
"Artigo 2º: A República Portuguesa é um Estado de
direito democrático, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e
organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos
direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de
poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultura e o
aprofundamento da democracia participativa"
"Artigo 267º/1: A Administração Pública será
estruturada de modo a evitar a burocratizarão, aproximar os serviços das
populações e assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva,
designadamente por intermédio de associações públicas, organizações de
moradores e outras formas de representação democrática.
267º/5: O processamento da actividade administrativa será
objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar
pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou
deliberações que lhes disserem respeito".
Mas não é tudo: um terceiro fundamento para as
privatizações tem sede num princípio referido na introdução deste artigo - o princípio do respeito às vinculações
comunitárias.
Pela circunstância de Portugal estar inserido na União
Europeia, instância internacional que tem grande peso nas nossas decisões
económicas e financeiras, temos um grande motivador de flexibilização dos
sectores empresarias públicos, abrindo-se espaço para a iniciativa privada.
No plano prático, medidas como a submissão de empresas
públicas ao mesmo regime legal aplicado às empresas privadas ou o fim da
possibilidade de incentivos fomentadores por parte do Estado, são claramente
sinais de um ambiente comunitário de incentivo às privatizações.
O que agora foi exposto em nada se confunde com a
eventualidade de se considerar a existência de um princípio da subsidariedade
imposto pela União, como é lógico, até o contrário é decorrente do artigo 295º
do Tratado da União, que dispõe serem assuntos da soberania do Estado o regime
de apropriação de bens pelo Poder Público.
Os três pilares acima citados reforçam a consagração dos métodos
privatizantes utilizados pelos Estados contemporâneos, pelo menos aqueles que
considerei serem de maior relevância prática e teórica.
Porém, o êxito das privatizações, em alguns sectores não
é justificação para se implantar um tipo de Estado descuidado de alguns deveres
inerentes à própria razão de ser do poder público.
Em última instância, a decisão de privatizar ou não
alguns sectores da Administração Pública do Estado dependerá e muito da
ideologia seguida pelos governantes, ou por outros factores como, por exemplo,
a eventual pressão do mercado externo, ou um especial interesse do sector
privado em trabalhar com um determinado seguimento pertencente ao domínio
público.
Na parte 2 deste artigo vou tentar escrever sobre o
inverso: Quais os limites existente à privatização da Administração Pública?
Principal
bibliografia consultada:
- Maria João Estroninho: "Fuga para o Direito Privado"
- Nuno Sá Gomes: "Manuel de Direito Fiscal"
- Paulo Otero: "Relatório de Direito Administrativo"
- Luis Cabral de Moncada: "Estudo em Homenagem ao Professor Doutor Joaquim Moreira da Silva Cunha"
Leonor Caldeira Nº 21936
- Maria João Estroninho: "Fuga para o Direito Privado"
- Nuno Sá Gomes: "Manuel de Direito Fiscal"
- Paulo Otero: "Relatório de Direito Administrativo"
- Luis Cabral de Moncada: "Estudo em Homenagem ao Professor Doutor Joaquim Moreira da Silva Cunha"
Leonor Caldeira Nº 21936
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