Ao depararmo-nos com a Lei Orgânica do Ministério das Finanças, somos confrontados com a atenção conferida no artigo 4º, por parte do legislador, às pessoas colectivas pertencentes à Administração Directa, lendo o artigo seguinte verificamos que tal atenção também recai acerca das pessoas colectivas, agora, pertencentes à Administração Indirecta. Tanto uma como outra no âmbito do Ministério das Finanças.
Eis que no continuar da nossa leitura e chegados ao artigo 6º da mesma lei, observamos a autonomização do Banco de Portugal. O leitor ,atento, questionará a natureza deste e inevitavelmente consultará a Lei Orgânica do Banco de Portugal, cujo artigo 1º se verificará tão ou menos elucidativo que o artigo 6º da Lei orgânica do Ministério das Finanças (acima referido::
Artigo 1ºO Banco de Portugal, adiante abreviadamente designado por Banco, é uma pessoa colectiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio.
Recairá o Banco no âmbito das entidades administrativas independentes consagradas no artigo 7º da Lei Orgânica do Ministério das Finanças, quando o mesmo artigo não o contempla enquanto tal?
Será este o cerne do presente artigo.
Primeiramente, é de apresentar o objecto em causa: O Banco de Portugal (designado, aqui, também como “Banco”) foi fundado em 1846, sendo produto da fusão do Banco de Lisboa e da Companhia Financeira Nacional. No período do Estado Novo, tal entidade detinha uma natureza privada até ser nacionalizado no pós- Revolução de 1974; a ascensão do Banco a órgão constitucional ocorre no ano seguinte e actualmente, até pelas revisões efectuadas à CRP, o Banco é tido como o “banco central nacional” que “exerce as suas funções nos termos da lei e das normas internacionais a que os Estado português se vincule” (artigo 102º CRP), remetendo esta última parte, para as competências do Banco Central Europeu (doravante BCE) consagradas no tratado da U.E, tratado este assinado por Portugal, e para a adopção de uma moeda única.
No que concerne ao domínio orgânico, o Banco é composto por um governador, um Conselho Administrativo (constituído por um governador, um ou dois vice-governadores e três a cinco administradores), um Conselho Consultivo e um Conselho de Auditoria.
Finda a apresentação, regressemos à temática da natureza do Banco.
No enunciado do artigo 6º da Lei Orgânica do Ministério das Finanças, verifica-se que o Banco dispõe de “garantias de independência estabelecidas nas disposições dos tratados que regem a União Europeia”, garantias de independência face aos órgãos de soberania do Estado português, advindas da integração do Banco no Sistema Europeu de Bancos Centrais; composto pelo BCE e pelos bancos centrais dos Estados membros.
Tal é imposto pelo Protocolo relativo aos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais.
Ao proceder à análise do fenómeno de independência do Banco (Banco este dotado de personalidade jurídica), é de atender ao próprio conceito de “independência”, podendo assentar este numa divisão estrutural, baseada numa vertente pessoal ou orgânica e numa vertente funcional.
Relacionar-se-á a vertente pessoal com impedimentos aos quais os membros do Conselho de Administração do Banco estão adstritos, enuncie-se o artigo 61º, da Lei Orgânica do Banco, relativo aos mesmos. Exemplo de impedimento será portanto o facto de estarem vedadas, aos membros do Conselho de Administração, práticas de funções remuneradas fora do Banco, salvo se se tratar de funções referentes à docência catedrática, mediante autorização do Ministro das Finanças.
Paralelamente, a vertente funcional, debruça-se no facto das instituições da Comunidade Europeia, bem como a AR e o Governo português, não poderem dar ordens aos órgãos do Banco, no exercício das suas funções; para além do anteriormente referido, engloba ainda, a vertente funcional, os aspectos abaixo mencionados no artigo 18º da Lei Orgânica do Banco:
Artigo 18º
1- É vedado ao Banco conceder descobertos ou qualquer outra forma de crédito ao Estado e serviços ou organismos dele dependentes, a outras pessoas colectivas de direito público e a empresas públicas ou quaisquer entidades sobre as quais o Estado, as Regiões Autónomas ou as autarquias locais possam exercer, directa ou indirectamente, influência dominante.
1- É vedado ao Banco conceder descobertos ou qualquer outra forma de crédito ao Estado e serviços ou organismos dele dependentes, a outras pessoas colectivas de direito público e a empresas públicas ou quaisquer entidades sobre as quais o Estado, as Regiões Autónomas ou as autarquias locais possam exercer, directa ou indirectamente, influência dominante.
2- Fica igualmente vedado ao Banco garantir quaisquer obrigações do Estado ou de outras entidades referidas no número anterior, bem como a compra directa de títulos de dívida emitidos pelo Estado ou pelas mesmas entidades.
Verificando-se as excepções, no artigo 19º da mesma lei.
Fomentando ainda o grau de independência do Banco, são as ordens nacional e internacional que estabelecem como imperativo a demissão do governador e restante Conselho de Administração mediante o preenchimento de certos requisitos que constam no artigo 14º, nº2, do estatuto do Sistema Europeu de Bancos Centrais.
Firma-se como ponto assente: a independência do banco face aos órgão de soberania portugueses. Não podendo considerar-se uma independência ilimitada, dado que: o Banco de Portugal deva articular a sua actividade com os regulamentos e decisões do BCE, tal como a deve conciliar com a politica económica do Governo, designadamente no Orçamento de Estado; adicionam-se a estas limitações a designação dos administradores (levada a cabo pelo Governo, em Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro das Finanças) e a demissão do Conselho de Administração pelo Governo, nas condições do artigo 33º da lei Orgânica do Banco de Portugal.
O Banco é concomitantemente uma autoridade reguladora do sistema bancário, uma autoridade monetária e ainda é titular de uma competência administrativa de carácter consultivo, já que, aconselha o Governo nos sectores económico e financeiro no alcance das suas atribuições.
Cabe agora reiterar o objectivo essencial desta exposição: a tentativa de determinar a natureza jurídica do Banco.
A Lei Orgânica do Banco, classifica-o como uma pessoa colectiva de direito público, todavia na imprecisão do legislador, foram suscitadas dúvidas relativamente à dita natureza.
Apresenta-se no presente texto a perspectiva de José Lucas Cardoso, para quem o Banco de Portugal é uma figura híbrida que reúne características de instituto público e de empresa pública.
Relembrando a definição de instituto público conferido pelo Professor Diogo Freitas do Amaral, verifica-se que os requisitos se encontram preenchidos: “pessoa colectiva de tipo institucional, criada para assegurar o desempenho de determinadas funções administrativas de carácter não empresarial pertencentes ao Estado ou a outras pessoas colectivas públicas”. Isto é, o Banco, tem por base uma instituição, criada para assegurar a realização de um fenómeno associado à consolidação do Estado Moderno (cunhagem de moeda em termos exclusivos do poder político); para além disto exerce funções de natureza administrativa, ao aprovar normas dirigidas às entidades adstritas à sua supervisão.
Adiciona-se a este facto, a característica que reconduz o Banco, a também, ser considerado, por José Lucas Cardoso, uma empresa pública: a existência de competências que lhe permitem agir no mercado como banco comercial; não esquecendo o Prof.Freitas do Amaral, na designação de empresa pública: “organizações económicas de fim lucrativo, criadas e controladas por entidades jurídicas públicas”.
Fundamenta José Lucas Cardoso, que o banco ao estar imbuído da prossecução de uma actividade burocrática e simultaneamente de uma actividade comercial, adquire funções de natureza híbrida.
Relembrando que o banco é detentor de um regime independente do Governo, cuja acção sobre o Banco se relaciona unicamente com uma “intervenção tutelar”, e ainda, note-se, a capacidade de aprovar unilateralmente decisões vinculativas para os operadores financeiros, direcionam o Banco, para o que se considera: uma autoridade administrativa independente.
Como caracterizar então uma autoridade administrativa independente?
Na esteira de Vital Moreira, devem estas instâncias, caracterizar-se pela: independência funcional e pela independência face aos interesses envolvidos na sua actividade.
Um último esclarecimento, deve relacionar-se como o facto da ordem jurídica portuguesa não conferir tratamento uniforme a todas as autoridades administrativas independentes portuguesas, concedendo personalidade jurídica a umas (como por exemplo: Banco de Portugal) e a outras negando-lha (caso das autoridades protectoras dos Direitos Fundamentais).
Desta feita, é visível a falta de consagração de uma estrutura jurídica padronizada, susceptível de ser reconduzida a uma característica típica da Administração Independente.
Por: Cátia Ferrage
aluna nº: 22026
aluna nº: 22026
Bibliografia:
Cardoso, José Lucas- Autoridades Administrativas Independentes e Constituição
Cardoso, José Lucas- Autoridades Administrativas Independentes e Constituição
Moreira, Vital- Administração Pública Autónoma e associações públicas”
Amaral, Diogo Freitas do- Curso de Direito Administrativo (volume I)
Diplomas Legais:
Constituição da República Portuguesa
Lei Orgânica do Banco de Portugal
Lei Orgânica do Ministério das Finanças
Estatuto do Banco Europeu de Bancos Centrais
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