Tanto o
sistema da concentração como o sistema da desconcentração dizem respeito à
organização administrativa de uma determinada pessoa colectiva pública. Mas o
problema da maior ou menor concentração ou desconcentração existente não tem
nada a ver com as relações entre o Estado e as demais pessoas colectivas: é uma
questão que se põe apenas dentro do Estado, ou apenas dentro de qualquer outra
entidade pública.
A
concentração ou desconcentração têm como pano de fundo a organização vertical
dos serviços públicos, consistindo basicamente na ausência ou na existência de
distribuição vertical de competência entre os diversos graus ou escalões da
hierarquia.
Assim a “concentração
de competência”, ou a “administração concentrada” é o sistema em que
o superior hierárquico mais elevado é o único órgão competente para tomar
decisões, ficando os subalternos limitados às tarefas de preparação e execução
das decisões daquele. Por seu turno, a “desconcentração de competência”,
ou “administração desconcentrada”, é o sistema em que o poder decisório
se reparte entre superior e um ou vários órgãos subalternos, os quais, todavia,
permanecem, em regra, sujeitos à direcção e supervisão daquele.
A
desconcentração traduz-se num processo de descongestionamento de competências,
conferindo-se a funcionários ou agentes subalternos certos poderes decisórios,
os quais numa administração concentrada estariam reservados exclusivamente ao
superior.
Não existem
sistemas integralmente concentrados, nem sistemas absolutamente
desconcentrados. O que normalmente sucede é que os sistemas se nos apresentam
mais ou menos concentrados – ou mais ou menos desconcentrados. Entre nós, o
princípio da desconcentração administrativa encontra consagração constitucional
no artigo 267º/2 CRP.
A principal
razão pela qual se desconcentram competências consiste em procurar aumentar a
eficiência dos serviços públicos.
Por outro
lado, há quem contraponha a estas vantagens da desconcentração certos
inconvenientes: em primeiro lugar, diz-se, a multiplicidade dos centros
decisórios pode inviabilizar uma actuação harmoniosa, coerente e concertada da
Administração; etc.
A tendência
moderna, mesmo nos países centralizados, é para favorecer e desenvolver
fortemente a desconcentração.
Por vezes sucede que a lei,
atribuindo a um órgão a competência normal para a prática de determinados
actos, permite no entanto que esse órgão delegue noutro parte dessa competência
(artigo 35º/1 CPA).
Do ponto de
vista da ciência da administração, a delegação de poderes é um instrumento de
difusão do poder de decisão numa organização pública que repousa na iniciativa
dos órgãos superiores desta.
Do ponto de
vista do Direito Administrativo, a “delegação de competências” (ou “delegação
de poderes”) é o acto pelo qual um órgão da Administração, normalmente
competente para decidir em determinada matéria, permite de acordo com a lei,
que outro órgão ou agente pratiquem actos administrativos sobre a mesma
matéria.
São três os
requisitos da delegação de poderes, de harmonia com a definição dada:
a) Em primeiro lugar, é necessária
uma tal lei que preveja expressamente a faculdade de um órgão delegar poderes
noutro: é a chamada lei de habilitação. Porque a competência é irrenunciável e
inalienável, só pode haver delegação de poderes com base na lei (artigo 111º/2
CRP). Mas o artigo 29º CPA, acentua bem que os princípios da irrenunciabilidade
e da inalienabilidade da competência não impedem a figura da delegação de
poderes (n.º 1 e 2);
b) Em segundo lugar, é necessária a
existência de dois órgãos, ou de um órgão e um agente, da mesma pessoa
colectiva pública, ou de dois órgãos normalmente competente (o delegante) e
outro, o órgão eventualmente competente (o delegado);
c) Por último, é necessária a
prática do acto de delegação propriamente dito, isto é, o acto pelo qual o
delegante concretiza a delegação dos seus poderes no delegado, permitindo-lhe a
prática de certos actos na matéria sobre a qual é normalmente competente.
Para que o
acto de delegação seja válido e eficaz, a lei estabelece um certo número de
requisitos especiais, para além dos requisitos gerais exigíveis a todos os
actos da Administração, a saber:
a) Quanto ao
conteúdo, artigo 37º/1 CPA. É através desta especificação dos poderes delegados
que se fica a saber se a delegação é ampla ou restrita, e genérica ou
específica;
b) Quanto à
publicação, artigo 37º/2 CPA;
c) Falta de
algum requisito exigido por lei: os requisitos quanto ao conteúdo são
requisitos de validade, pelo que a falta de qualquer deles torna o acto de
delegação inválido; os requisitos quanto à publicação são requisitos de
eficácia, donde se segue que a falta de qualquer deles torna o acto de
delegação ineficaz.
Uma vez
conferida a delegação de poderes pelo delegante ao delegado, este adquire a
possibilidade de exercer esses poderes para a prossecução do interesse público.
O que o delegante tem é a faculdade de avocação
de casos concretos compreendidos no âmbito da delegação conferida (artigo 39º/2
CPA): se avocar, e apenas quando o fizer, o delegado deixa de poder resolver
esses casos, que passam de novo para a competência do delegante. Mas em cada
momento há um único órgão competente. Além do poder de avocação, o delegante
tem ainda o poder de dar ordens, directivas ou instruções ao delegado, sobre o
modo como deverão ser exercidos os poderes delegados (artigo 39º/1 CPA). O
delegante pode revogar qualquer acto praticado pelo delegado ao abrigo da
delegação – quer por o considerar ilegal, quer sobretudo por o considerar
inconveniente (artigo 39º/2 CPA). Algumas leis especiais dão ao delegante o
direito de ser informado dos actos que o delegado for praticando ao abrigo da
delegação.
Sob pena de
ilegalidade, os actos administrativos praticados pelo delegado ao abrigo da
delegação devem obediência estrita aos requisitos de validade fixados na lei.
Para além disso, a sua legalidade depende ainda da existência, validade e
eficácia do acto de delegação, ficando irremediavelmente inquinados pelo vício
de incompetência se a delegação ao abrigo da qual forem praticados for
inexistente, inválida ou ineficaz. Os actos do delegado devem conter a menção
expressa de que são praticados por delegação, identificando-se o órgão
delegante (artigo 38º CPA).
Serão os actos do delegado definitivos? Entre nós, a regra geral é de que os actos do delegado são definitivos e
executórios nos mesmos termos em que o seriam se tivessem sido praticados pelo
delegante. Esta regra decorre, para a administração central, do disposto no
artigo 15º/1 LOSTA; e para a administração local do art. 52º/7 LAL, entre outros.
Caberá recurso hierárquico dos actos do delegado para o delegante? A reposta a esta pergunta varia, conforme estejamos
perante uma delegação hierárquica ou uma delegação não hierárquica. Se se
tratar de uma delegação hierárquica, dos actos praticados pelo subalterno –
delegado cabe sempre recurso hierárquico para o superior-delegante: se os actos
do delegado forem definitivos será facultativo; se não forem, será necessário.
Tratando-se de uma delegação não hierárquica, uma vez que não há hierarquia não
pode haver recurso hierárquico; mas a lei pode admitir um “recurso
hierárquico impróprio”. Se a lei for omissa, entendemos que, nos casos em
que o delegante puder revogar os actos do delegado, o particular pode sempre
interpor recurso hierárquico impróprio; mas tal recurso será meramente
facultativo quando os actos sejam definitivos.
É evidente
que se a delegação for conferida apenas para a prática de um, único acto, ou
para ser usada durante certo período, praticado, aquele acto ou decorrido este
período a delegação caduca. Há, porém, dois outros motivos de extinção que
merecem referência:
a) Por um lado, a delegação pode ser
extinta por revogação: o
delegante pode, em qualquer momento e sem necessidade de fundamentação, pôr
termo à delegação (artigo 40º-a CPA). A delegação de poderes é, pois, um acto
precário;
b) Por outro lado, a delegação
extingue-se por caducidade
sempre que mudar a pessoa do delegante ou a do delegado (artigo 40º-b CPA). A
delegação de poderes é, pois, um acto praticado intuitu personae.
Como funciona o regime jurídico da subdelegação? Era a regra segundo a qual o delegado só poderia
subdelegar se – para além de a lei de habilitação lho permitir – o delegante
autorizasse expressamente a subdelegação, mantendo aquele um controle absoluto
sobre a convivência e a oportunidade desta. Este regime foi substancialmente
alterado pelo artigo 36º CPA, o qual veio introduzir duas importantes
inovações.
a) Salvo disposição legal em
contrário, o delegante pode autorizar o delegado a subdelegar (artigo 36º/1
CPA): passou a haver uma habilitação genérica permissiva de todas as
subdelegações de 1º grau;
b) O subdelegado pode subdelegar as
competências que lhe tenham sido subdelegadas, salvo disposição legal em
contrário ou reserva expressa do delegante ou subdelegante (artigo 36º/2 CPA).
Quanto ao mais, o regime das subdelegações de poderes é idêntico ao da
delegação (artigos 37º a 40º CPA).
Quanto à
natureza da delegação há três concepções:
a) A primeira é a tese da alienação: é a concepção
mais antiga. De acordo com esta tese, a delegação de poderes é um acto de
transmissão ou alienação de competências do delegante para o delegado: a
titularidade dos poderes, que pertencia ao delegante antes da delegação, passa
por força desta, e com fundamento na lei de habilitação, para a esfera de
competência do delegado. A razão pela qual esta tese, não satisfaz, reside na
sua incapacidade de explicar adequadamente o regime jurídico estabelecido na
lei para a delegação de poderes. Na verdade se esta fosse uma autêntica
alienação, isso significaria que os poderes delegados deixariam de pertencer ao
delegante: a titularidade de tais poderes passaria, na íntegra, para o
delegado, e o delegante ficaria inteiramente desligado de toda e qualquer
responsabilidade quanto aos poderes delegados e quanto à matéria incluída no
objecto da delegação.
b) A segunda tese da autorização: a competência
do delegante não é alienada nem transmitida, no todo ou em parte para o
delegado. O que se passa é que a lei de habilitação confere desde logo uma
competência condicional ao delegado, sobre as matérias em que permite a
delegação. Antes da delegação, o delegado já é competente: só que não pode
exercer essa sua competência enquanto o delegante lho permitir. O acto de
delegação visa, pois, facultar ao delegado o exercício de uma permissão do
delegante, já é uma competência do delegado. Há vários motivos que nos levar a
não aceitar esta tese: parece que essa tese é contrária à letra da lei. As leis
que permitem a delegação de poderes exprimem-se sensivelmente nos termos
seguintes: “o órgão A pode delegar os poderes tais e tais no órgão B”, ao
dizer “os seus poderes”, a lei está inequivocamente a sublinhar que a competência
é do delegante. Se o potencial delegado já fosse competente por lei antes de o
acto de delegação ser praticado, então tinha de se reconhecer ao potencial
delegado um interesse legítimo na pretensão de exercer a competência delegável,
uma vez que esta competência seria uma competência própria do delegado ao
superior hierárquico que lhe autorizasse o exercício da competência delegável.
Se fosse verdadeira a tese da autorização o delegado, uma vez recebida a
delegação, praticaria os actos administrativos compreendidos no objecto da
delegação no exercício de uma competência própria, ou seja, de uma competência
que directamente lhe seria atribuída pela lei. Ora, isto é incompatível com o
poder de orientação a cargo do delegante que existe na delegação de poderes,
inclusivamente quando não há hierarquia: em toda a delegação de poderes está
ínsita a ideia de que o delegante tem o poder de orientar o delegado quanto ao
exercício dos poderes delegados. Se se tratasse do exercício de uma competência
própria do delegado, não faria sentido que o delegante tivesse qualquer poder
de orientação. A tese da autorização também não é compatível com o poder de
revogar a delegação, que a lei confere ao delegante. Esta tese, também não é
compatível com uma outra solução que existe no regime jurídico da delegação de
poderes, e que é o poder que o delegante tem de revogar os actos praticados
pelo delegado no exercício da delegação
c) A terceira tese é da transferência de exercício:
a delegação de poderes não é uma alienação porque o delegante não fica alheio à
competência que decida delegar, nem é uma autorização, porque antes de o
delegante praticar o acto de delegação o delegado não é competente: a
competência advém-lhe do acto de delegação, e não da lei de habilitação. Por
outro lado, a competência exercida pelo delegado com base na delegação de
poderes não é uma competência própria, mas uma competência alheia. Logo, a
delegação de poderes constitui uma transferência do delegante para o delegado:
não, porém, uma transferência da titularidade dos poderes, mas uma
transferência do exercício dos poderes.
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