sexta-feira, 30 de novembro de 2012



 

Tanto o sistema da concentração como o sistema da desconcentração dizem respeito à organização administrativa de uma determinada pessoa colectiva pública. Mas o problema da maior ou menor concentração ou desconcentração existente não tem nada a ver com as relações entre o Estado e as demais pessoas colectivas: é uma questão que se põe apenas dentro do Estado, ou apenas dentro de qualquer outra entidade pública.

A concentração ou desconcentração têm como pano de fundo a organização vertical dos serviços públicos, consistindo basicamente na ausência ou na existência de distribuição vertical de competência entre os diversos graus ou escalões da hierarquia.

Assim a “concentração de competência”, ou a “administração concentrada” é o sistema em que o superior hierárquico mais elevado é o único órgão competente para tomar decisões, ficando os subalternos limitados às tarefas de preparação e execução das decisões daquele. Por seu turno, a “desconcentração de competência”, ou “administração desconcentrada”, é o sistema em que o poder decisório se reparte entre superior e um ou vários órgãos subalternos, os quais, todavia, permanecem, em regra, sujeitos à direcção e supervisão daquele.

A desconcentração traduz-se num processo de descongestionamento de competências, conferindo-se a funcionários ou agentes subalternos certos poderes decisórios, os quais numa administração concentrada estariam reservados exclusivamente ao superior.

Não existem sistemas integralmente concentrados, nem sistemas absolutamente desconcentrados. O que normalmente sucede é que os sistemas se nos apresentam mais ou menos concentrados – ou mais ou menos desconcentrados. Entre nós, o princípio da desconcentração administrativa encontra consagração constitucional no artigo 267º/2 CRP.

A principal razão pela qual se desconcentram competências consiste em procurar aumentar a eficiência dos serviços públicos.

Por outro lado, há quem contraponha a estas vantagens da desconcentração certos inconvenientes: em primeiro lugar, diz-se, a multiplicidade dos centros decisórios pode inviabilizar uma actuação harmoniosa, coerente e concertada da Administração; etc.

A tendência moderna, mesmo nos países centralizados, é para favorecer e desenvolver fortemente a desconcentração.

Por vezes sucede que a lei, atribuindo a um órgão a competência normal para a prática de determinados actos, permite no entanto que esse órgão delegue noutro parte dessa competência (artigo 35º/1 CPA).

Do ponto de vista da ciência da administração, a delegação de poderes é um instrumento de difusão do poder de decisão numa organização pública que repousa na iniciativa dos órgãos superiores desta.

Do ponto de vista do Direito Administrativo, a “delegação de competências” (ou “delegação de poderes”) é o acto pelo qual um órgão da Administração, normalmente competente para decidir em determinada matéria, permite de acordo com a lei, que outro órgão ou agente pratiquem actos administrativos sobre a mesma matéria.

São três os requisitos da delegação de poderes, de harmonia com a definição dada:

a) Em primeiro lugar, é necessária uma tal lei que preveja expressamente a faculdade de um órgão delegar poderes noutro: é a chamada lei de habilitação. Porque a competência é irrenunciável e inalienável, só pode haver delegação de poderes com base na lei (artigo 111º/2 CRP). Mas o artigo 29º CPA, acentua bem que os princípios da irrenunciabilidade e da inalienabilidade da competência não impedem a figura da delegação de poderes (n.º 1 e 2);

b) Em segundo lugar, é necessária a existência de dois órgãos, ou de um órgão e um agente, da mesma pessoa colectiva pública, ou de dois órgãos normalmente competente (o delegante) e outro, o órgão eventualmente competente (o delegado);

c) Por último, é necessária a prática do acto de delegação propriamente dito, isto é, o acto pelo qual o delegante concretiza a delegação dos seus poderes no delegado, permitindo-lhe a prática de certos actos na matéria sobre a qual é normalmente competente.

 

Para que o acto de delegação seja válido e eficaz, a lei estabelece um certo número de requisitos especiais, para além dos requisitos gerais exigíveis a todos os actos da Administração, a saber:

a) Quanto ao conteúdo, artigo 37º/1 CPA. É através desta especificação dos poderes delegados que se fica a saber se a delegação é ampla ou restrita, e genérica ou específica;

b) Quanto à publicação, artigo 37º/2 CPA;

c) Falta de algum requisito exigido por lei: os requisitos quanto ao conteúdo são requisitos de validade, pelo que a falta de qualquer deles torna o acto de delegação inválido; os requisitos quanto à publicação são requisitos de eficácia, donde se segue que a falta de qualquer deles torna o acto de delegação ineficaz.

Uma vez conferida a delegação de poderes pelo delegante ao delegado, este adquire a possibilidade de exercer esses poderes para a prossecução do interesse público. O que o delegante tem é a faculdade de avocação de casos concretos compreendidos no âmbito da delegação conferida (artigo 39º/2 CPA): se avocar, e apenas quando o fizer, o delegado deixa de poder resolver esses casos, que passam de novo para a competência do delegante. Mas em cada momento há um único órgão competente. Além do poder de avocação, o delegante tem ainda o poder de dar ordens, directivas ou instruções ao delegado, sobre o modo como deverão ser exercidos os poderes delegados (artigo 39º/1 CPA). O delegante pode revogar qualquer acto praticado pelo delegado ao abrigo da delegação – quer por o considerar ilegal, quer sobretudo por o considerar inconveniente (artigo 39º/2 CPA). Algumas leis especiais dão ao delegante o direito de ser informado dos actos que o delegado for praticando ao abrigo da delegação.

Sob pena de ilegalidade, os actos administrativos praticados pelo delegado ao abrigo da delegação devem obediência estrita aos requisitos de validade fixados na lei. Para além disso, a sua legalidade depende ainda da existência, validade e eficácia do acto de delegação, ficando irremediavelmente inquinados pelo vício de incompetência se a delegação ao abrigo da qual forem praticados for inexistente, inválida ou ineficaz. Os actos do delegado devem conter a menção expressa de que são praticados por delegação, identificando-se o órgão delegante (artigo 38º CPA).

Serão os actos do delegado definitivos? Entre nós, a regra geral é de que os actos do delegado são definitivos e executórios nos mesmos termos em que o seriam se tivessem sido praticados pelo delegante. Esta regra decorre, para a administração central, do disposto no artigo 15º/1 LOSTA; e para a administração local do art. 52º/7 LAL, entre outros.

Caberá recurso hierárquico dos actos do delegado para o delegante? A reposta a esta pergunta varia, conforme estejamos perante uma delegação hierárquica ou uma delegação não hierárquica. Se se tratar de uma delegação hierárquica, dos actos praticados pelo subalterno – delegado cabe sempre recurso hierárquico para o superior-delegante: se os actos do delegado forem definitivos será facultativo; se não forem, será necessário. Tratando-se de uma delegação não hierárquica, uma vez que não há hierarquia não pode haver recurso hierárquico; mas a lei pode admitir um “recurso hierárquico impróprio”. Se a lei for omissa, entendemos que, nos casos em que o delegante puder revogar os actos do delegado, o particular pode sempre interpor recurso hierárquico impróprio; mas tal recurso será meramente facultativo quando os actos sejam definitivos.

É evidente que se a delegação for conferida apenas para a prática de um, único acto, ou para ser usada durante certo período, praticado, aquele acto ou decorrido este período a delegação caduca. Há, porém, dois outros motivos de extinção que merecem referência:

a) Por um lado, a delegação pode ser extinta por revogação: o delegante pode, em qualquer momento e sem necessidade de fundamentação, pôr termo à delegação (artigo 40º-a CPA). A delegação de poderes é, pois, um acto precário;

b) Por outro lado, a delegação extingue-se por caducidade sempre que mudar a pessoa do delegante ou a do delegado (artigo 40º-b CPA). A delegação de poderes é, pois, um acto praticado intuitu personae.


Como funciona o regime jurídico da subdelegação? Era a regra segundo a qual o delegado só poderia subdelegar se – para além de a lei de habilitação lho permitir – o delegante autorizasse expressamente a subdelegação, mantendo aquele um controle absoluto sobre a convivência e a oportunidade desta. Este regime foi substancialmente alterado pelo artigo 36º CPA, o qual veio introduzir duas importantes inovações.

a) Salvo disposição legal em contrário, o delegante pode autorizar o delegado a subdelegar (artigo 36º/1 CPA): passou a haver uma habilitação genérica permissiva de todas as subdelegações de 1º grau;

b) O subdelegado pode subdelegar as competências que lhe tenham sido subdelegadas, salvo disposição legal em contrário ou reserva expressa do delegante ou subdelegante (artigo 36º/2 CPA). Quanto ao mais, o regime das subdelegações de poderes é idêntico ao da delegação (artigos 37º a 40º CPA).

Quanto à natureza da delegação há três concepções:

a) A primeira é a tese da alienação: é a concepção mais antiga. De acordo com esta tese, a delegação de poderes é um acto de transmissão ou alienação de competências do delegante para o delegado: a titularidade dos poderes, que pertencia ao delegante antes da delegação, passa por força desta, e com fundamento na lei de habilitação, para a esfera de competência do delegado. A razão pela qual esta tese, não satisfaz, reside na sua incapacidade de explicar adequadamente o regime jurídico estabelecido na lei para a delegação de poderes. Na verdade se esta fosse uma autêntica alienação, isso significaria que os poderes delegados deixariam de pertencer ao delegante: a titularidade de tais poderes passaria, na íntegra, para o delegado, e o delegante ficaria inteiramente desligado de toda e qualquer responsabilidade quanto aos poderes delegados e quanto à matéria incluída no objecto da delegação.

b) A segunda tese da autorização: a competência do delegante não é alienada nem transmitida, no todo ou em parte para o delegado. O que se passa é que a lei de habilitação confere desde logo uma competência condicional ao delegado, sobre as matérias em que permite a delegação. Antes da delegação, o delegado já é competente: só que não pode exercer essa sua competência enquanto o delegante lho permitir. O acto de delegação visa, pois, facultar ao delegado o exercício de uma permissão do delegante, já é uma competência do delegado. Há vários motivos que nos levar a não aceitar esta tese: parece que essa tese é contrária à letra da lei. As leis que permitem a delegação de poderes exprimem-se sensivelmente nos termos seguintes: “o órgão A pode delegar os poderes tais e tais no órgão B”, ao dizer “os seus poderes”, a lei está inequivocamente a sublinhar que a competência é do delegante. Se o potencial delegado já fosse competente por lei antes de o acto de delegação ser praticado, então tinha de se reconhecer ao potencial delegado um interesse legítimo na pretensão de exercer a competência delegável, uma vez que esta competência seria uma competência própria do delegado ao superior hierárquico que lhe autorizasse o exercício da competência delegável. Se fosse verdadeira a tese da autorização o delegado, uma vez recebida a delegação, praticaria os actos administrativos compreendidos no objecto da delegação no exercício de uma competência própria, ou seja, de uma competência que directamente lhe seria atribuída pela lei. Ora, isto é incompatível com o poder de orientação a cargo do delegante que existe na delegação de poderes, inclusivamente quando não há hierarquia: em toda a delegação de poderes está ínsita a ideia de que o delegante tem o poder de orientar o delegado quanto ao exercício dos poderes delegados. Se se tratasse do exercício de uma competência própria do delegado, não faria sentido que o delegante tivesse qualquer poder de orientação. A tese da autorização também não é compatível com o poder de revogar a delegação, que a lei confere ao delegante. Esta tese, também não é compatível com uma outra solução que existe no regime jurídico da delegação de poderes, e que é o poder que o delegante tem de revogar os actos praticados pelo delegado no exercício da delegação

c) A terceira tese é da transferência de exercício: a delegação de poderes não é uma alienação porque o delegante não fica alheio à competência que decida delegar, nem é uma autorização, porque antes de o delegante praticar o acto de delegação o delegado não é competente: a competência advém-lhe do acto de delegação, e não da lei de habilitação. Por outro lado, a competência exercida pelo delegado com base na delegação de poderes não é uma competência própria, mas uma competência alheia. Logo, a delegação de poderes constitui uma transferência do delegante para o delegado: não, porém, uma transferência da titularidade dos poderes, mas uma transferência do exercício dos poderes.

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