“Juro, como português e como militar, guardar e fazer guardar a
Constituição e as Leis da República, servir as Forças Armadas e cumprir com os
deveres militares. Juro defender a minha Pátria e estar sempre pronto a lutar
pela sua liberdade e independência, mesmo com sacrifício da própria vida.”
- Juramento de Bandeira dos militares portugueses
Actualmente, as Forças Armadas assumem um papel fundamental de
respeito e preservação dos deveres, garantias e direitos constitucionais. As
relações que se estabelecem entre o Estado e as Forças Armadas estão inseridas
no âmbito de um acordo institucional, primariamente fundado no princípio de
separação de poderes. No entanto, a perspectiva muda quando olhamos as Forças
Armadas de diferentes ópticas: Numa perspectiva de soberania, o artigo 273º/1
CRP assume a Defesa como um “direito
e dever fundamental de todos os portugueses”. Por outro lado, numa
perspectiva administrativa, é da competência do Governo “dirigir os serviços e a actividade da administração directa
do Estado, civil e militar, superintender na administração indirecta e exercer
a tutela sobre esta e sobre a administração autónoma” (199/d CRP), o que subordina o ramo
militar à actividade administrativa, não só através do exposto como através de
uma restrição de direitos aos militares (270º CRP). A dualidade que resulta dos critérios
constitucionais acaba por afectar a própria estrutura militar. Nas
palavras do Professor Eduardo
Vera-Cruz Pinto, as Forças Armadas têm-se vindo a tornar num “mero corpo
da Administração Pública totalmente dependente dos poderes executivos, que o
legislador procura gradualmente eliminar”, o que se deve muito em parte à
inércia constitucional em tutelar as Forças Armadas não como Instituição per se mas como ramo da Administração Pública sui generis.
No sector da Defesa (um dos mais antigos em Portugal, senão o mais
antigo), a Administração Pública faz-se exercer sob um princípio de autonomia
do qual o Conselho Superior de Defesa Nacional goza, nos termos que lhe forem
atribuídos por lei (274º/1 CRP). Todavia a norma levanta, à partida, algumas
questões que merecem discussão. Em primeira mão, a extinção dos Tribunais
Militares com a IV Revisão Constitucional de 1997 e consequente Lei nº 100/2003
de 15 de Novembro levou a que os crimes de natureza penal marcial fossem
julgados nos Tribunais das mais variadas Instâncias, mas por juízes militares,
sem prejuízo do actual artigo 213º CRP. Numa abordagem mais técnica, afirma-se
sem sombra de dúvida que o comando constitucional de tendencial desburocratização constante do artigo 267º/1 CRP não foi
cumprido: A abordagem legislativa a esta questão não só foi infeliz como também
incauta, dado que de certa forma abriu caminho à centralização administrativa
no ramo da Defesa (que se irá traduzir, inevitavelmente, numa maior ineficácia
e ineficiência na prestação de serviços administrativos militares) e transferiu
inadvertidamente a instabilidade politico-legislativa para o seio das Forças
Armadas, corroendo a mecânica estrutural militar, não obstante a sujeição dos tribunais
única e somente à lei, à luz do princípio de independência dos Tribunais que o
artigo 203º CRP vem consagrar.
Em segundo lugar, actividade das Forças Armadas advém,
maioritariamente, da função administrativa, através da emissão de regulamentos
e produção de actos administrativos, execução de operações no terreno (que se
traduzem em procedimentos logísticos e logo, administrativos), e/ou negócios de contratos públicos (relativamente à aquisição de material
militar). Ora, tendo em conta que a função administrativa se insere nas funções
legislativa e política em sede de interdependência, a administração militar
acaba por perder terreno em relação às restantes, sendo frequentemente relegada
para plano de fundo e sujeita a agressões normativas, corroborando a ideia de
propensão para a centralização.
Por último, a função militar destaca-se das restantes pela sua íntima
ligação aos valores e princípios que advém da própria condição militar. Há um sentimento de pertença à
Instituição, avaliado a um nível subjectivo (através do militar em si) e
objectivo (a conduta militar deve primar pela disciplina e organização). No
Código de Justiça Militar, são inúmeras as referências legais nesse sentido: Actos de cobardia (58º CJM); Actos de valor (22º CJM); Traição à Pátria (25º CJM, transposto integralmente
para o 308º CP); Deserção (72º e seg. CJM); Falta à palavra de oficial
prisioneiro de guerra (104º
CJM); ultraje à bandeira e
outros símbolos (102º CJM),
entre outros. Não obstante, a organização militar pauta-se por um princípio de
unidade de acção e imparcialidade, também aduzida pela Administração Pública e,
tal como esta, subordina a sua finalidade aos interesses do povo português,
apesar de numa vertente mais valorativa e politicamente isenta.
Porquanto podemos assegurar que as Forças Armadas são o garante da
soberania nacional, isso permite-nos tecer algumas breves e finais
considerações acerca da amplitude do exercício que lhe é constitucionalmente
demandado. Formalmente, as Forças Armadas são independentes, todavia a
regulação da sua actividade está sujeita aos órgãos legislativos e executivos
do Estado (Assembleia da República, Governo e Presidente da República), daí que
lhe possamos atribuir uma determinada dependência material. Com efeito, a gradual integração das
Forças Armadas na Administração Pública traduz-se na profissionalização da
actividade militar, o que leva determinados autores a falar em mercenários do Estado, uma
designação que não acolhe, na sua larga maioria, concordância pelos motivos
mais óbvios, que atribuem ao militar por inerência do seu estatuto determinados
“privilégios” que nada mais são senão uma compensação pelas restrições que
advém da sua condição, que se concretizam em assistências devidas,
estabelecidas no artigo 17º do EMFAR. Melhor não poderia ter dito Moniz Barreto na sua carta a El-Rei de Portugal, em
1893, pronunciando-se sobre o militar aos olhos da sociedade portuguesa:
“(…) Corações mesquinhos lançam-lhes em rosto o pão que comem; como se
os cobres do pré pudessem pagar a Liberdade e a Vida. Publicistas de vista
curta acham-nos caros demais, como se alguma coisa houvesse mais cara que a
servidão. Eles, porém, calados, continuam guardando a Nação do estrangeiro e de
si mesma. Pelo preço de sua sujeição, eles compram a liberdade para todos e a
defendem da invasão estranha e do julgo das paixões. Se a força das coisas os
impede agora de fazer em rigor tudo isto, algum dia o fizeram, algum dia o
farão. E, desde hoje, é como se o fizessem. Porque, por definição o homem da
guerra é nobre. E quando ele se põe em marcha, à sua esquerda vai a coragem, e
à sua direita a disciplina”.
Paulo Fernando Simões
Ramos
Nº 22511
Bibliografia:
- MARQUES DA SILVA, Marco
António; MIRANDA, Jorge. Tratado
Luso-Brasileiro da Dignidade Humana. Pág.
55 e seg.
- VERA-CRUZ PINTO, Eduardo. Os Tribunais Militares e o Estado
de Direito democrático.
- MIRANDA, Jorge. Direito Constitucional das Forças
Armadas. Pág. 67 e seg.
- PIMENTEL, Luís. A restrição de direitos aos
militares das Forças Armadas.
Diplomas Legais
- Constituição da República Portuguesa (CRP)
- Código da Justiça Militar (CJM)
- Estatuto dos Militares das Forças Armadas
(EMFAR)
- Regulamento de Disciplina Militar
- Acórdão do Tribunal Constitucional 33/2002
(Processo nº 1141/98)
- Acórdão do Tribunal Constitucional 103/87
(Processo nº 74/83)
- Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR)
- Regulamento de Disciplina Militar
- Acórdão do Tribunal Constitucional 33/2002 (Processo nº 1141/98)
- Acórdão do Tribunal Constitucional 103/87 (Processo nº 74/83)
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