sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Análise à Delegação de Poderes - Regime Legal e Natureza Jurídica

Parte II
O ato de delegação, constitui um requisito para a delegação de poderes enquanto figura genérica, no entanto, este ate deve também preencher requisitos para que seja aferida a sua validade e consequentemente, a validade da delegação.  Requisitos esses que se prendem com razões de conteúdo e publicação. No que diz respeito ao requisito do conteúdo, deve o órgão delegante especificar quais os poderes que irá delegar e por sinal quais os atos que o órgão delegado pode praticar, disto resulta o nº1 do artigo 37º do CPA. Refira-se que o conteúdo deve ser explicito e a indicação de poderes deve ser efetuada positivamente, ou seja, não é de se admitir uma reserva genérica de competências onde tudo o que lá não estive-se inscrito seria delegável. Quanto á publicação, o ato de delegação deve estar publicado em diário da republica ou no boletim de autarquia, consoante a natureza da delegação. A falta destes requisitos vai tornar inválida delegação, pelo que os requisitos necessários são considerados como requisitos de validade substancial.

Para se conhecer melhor a figura da delegação de poderes é fundamental ter em conta a relação subjacente á delegação, ou seja, a relação entre delegante e delegado, quais os poderes que assistem  aos dois e quais as consequências jurídicas que se extraem desta relação. Sendo a delegação conferida, fica o órgão ou agente delegado, apto a realizar determinados poderes e competências, está, portanto, agora pronto a agir na prossecução do interesse público. O artigo 39º, nº1 do CPA vem conferir ao delegante a possibilidade de dar ordens e instruções no caso de uma delegação hierárquica, e diretivas e recomendações numa delegação não hierárquica, todos estes poderes do delegante só servirão para os atos, por ele mesmo, delegados. As diretivas e recomendações, no caso de uma delegação não hierárquica, deixam ao delegado uma certa discricionariedade na execução dos poderes, mas não poderão ser amplas ao ponto de se diluírem nem tão reduzidas que se confundam com uma ordem ou instrução, é esta a opinião do Prof. Paulo Otero sobre a vinculatividade das diretivas de delegação não hierárquica. Não obstante tudo isto, compreende-se então que o delegado tem, após o ato de delegação, toda a legitimidade para exercer os poderes que lhe foram delegados. Mas poderá o delegante exercer os poderes, visto que não se revogou a lei que atribuiu competência? Para o Professor Freitas do Amaral, a resposta a esta questão encontra-se no artigo 39º, nº2 sobre a avocação: Se o delegante avocar o delegado deixa de poder exercer os poderes anteriormente delegados, que voltam agora para a esfera do órgão a quem foi, inicialmente, conferida a competência. Por exemplo: começa-se numa situação onde o órgão A é o competente para exercer os poderes X  e Y. Mais tarde, o órgão A delega os poderes X e Y para o órgão B. Agora, B é o órgão com competência para exercer os poderes X e Y. Finalmente, o órgão A, mais tarde avoca os poderes X e Y, e estes saem da competência de B para voltarem a esfera de A, devido á avocação. Segundo alguns autores, por exemplo o Prof. Marcello Caetano, que defendem a tese de que, delegante e delegado podem exercer os poderes , sob delegação, em simultâneo, sendo que o primeiro dos órgãos que realizar um ato, impedirá, logicamente, o segundo de o realizar. Esta tese, com todo o devido respeito pelos seus autores, está hoje desatualizada devido á figura da avocação. Não há, pelo menos no ordenamento jurídico português atualmente, nenhuma previsão de uma competência de poderes simultânea.

Outra realidade que se pode extrair do artigo 39º, nº2 do CPA, é a capacidade conferida ao delegante de poder revogar os atos praticados pelo delegado. Para revogação desses atos devem estar preenchidos um de dois requisitos: ou a simples inconveniência (o que só por isso oferece amplos poderes ao delegante, pois trata-se de um conceito indeterminado) ou a simples ilegalidade do ato. Os atos praticados pelo delegado devem também preencher todos os requisitos de validade fixadas por lei, bem como um requisito especial: devem os atos de sob delegação conter a menção expressa do órgão delegante e quais os poderes delegados. Este requisito surge na prossecução da defesa do particular para os casos da impugnação contenciosa. Ainda na relação da delegação, existem algumas leis que conferem ao delegante, o direito de ser informado  pelo delegado sobre os atos e poderes que foram pelo primeiro conferidos.

Toda a relação subjacente á delegação, vai resultar numa serie de atos realizados através dos poderes delegados. Esse atos são definitivos e executórios (não obstante a classificação  em administração ordinária e extraordinária bem como o principio de que os atos praticados pelo delegado, são sempre revogáveis pelo delegante). Existe uma equiparação de regime nos atos praticados pelo delegado relativamente aos atos praticados pelo delegante. É igual a validade do ato, seja praticado pelo delegante, seja pelo delegado, desde que se observem os requisitos em cima tratados. Os atos praticados pelo delegado são definitivos na medida em que entram em vigor sem precisar de autorização ou confirmação do delegante, e são também executórios (ver nº6 do artigo 65º da LAL), a única autorização que é dada, é anterior e trata-se do próprio ato de delegação de poderes. Exceções há a definitividade e execução dos atos delegados, nomeadamente em delegações hierárquicas, como se compreende, onde os atos praticados pelo delegado inferior carecem  de recurso ao delegante superior. É para efeitos contenciosos que se permite este recurso, numa medida que legitima a defesa do particular em relação a administração, este problema nem sequer se coloca  em sede de delegações não hierárquicas.

Analisemos agora, as formas de extinção da delegação. O artigo 40º destaca três formas de extinção nas alíneas a) e b). A primeira surge-nos como a mais obvia: uma vez delegado o poder de praticar certos atos, a delegação extingue-se quando a pratica desses atos terminar. A precariedade da delegação constitui a principal causa da segunda forma de extinção através da livre revogação  do delegante a qualquer altura (disto, como já se disse, se distingue a delegação de poderes da transferência legal de competências). A terceira e ultima forma de extinção prende-se com a mudança da pessoa titular do órgão delegante ou delegado, o que demonstra também o carater pessoal baseado na confiança da delegação de poderes. Empossado que está o novo titular de um órgão delegado, por exemplo, não fará sentido que continue vinculado a uma decisão tão pessoal como a de uma delegação. A confiança institucional não permanece com a mudança de titulares de órgãos ou agentes.

Recuando no regime legal da delegação, no artigo 36º do CPA, encontramos a figura da subdelegação, constituída por um ato com origem derivada. Esta figura passou, na história da Administração pública portuguesa, de uma exceção á própria delegação para passar a ser uma figura com autonomia própria e acolhimento legal. Existe hoje em dia uma habilitação genérica para subdelegar, o principio é o de que se poderá subdelegar sempre, exceto quando a lei preveja o contrario. Porém, este principio funcionará apenas, á partida, para as subdelegações de primeiro grau, ou seja, a delegação que é conferida pelo primeiro delegado. Mas este processo, continua a ter na figura do delegante, original, a sua base, uma vez que a subdelegação de primeiro grau, deve, ser por este, autorizada. Acontece que o Delegante tem de autorizar o órgão a quem ele próprio delegou certos poderes a delegar, também, esses mesmo poderes a outro. Já nas subdelegações consequentes ( as de segundo grau e por ai adiante) passam a não precisar de autorização do primeiro delegante. No que respeita a requisitos, validades, formalidades e poderes subjacentes, a relação subdelegante e subdelegado e a respetiva subdelegação é equiparada á delegação, o regime é o mesmo, exceto naquilo que a lei estipular somente para as subdelegações. Torna-se claro, que, a lei é mais exigente na primeira subdelegação do que nas restantes.

Discute-se, na doutrina, a natureza administrativa e jurídica da delegação e poderes. Em Portugal, apresentam-se quatro conceções, de maior importância, á cerca da natureza da figura: a primeira é a tese da alienação onde a delegação de poderes, não passaria de uma alienação dos poderes por parte do delegante, que simplesmente os aliena unilateralmente a favor do delegado. É a tese defendida pelo Prof. Rogério Soares. Choca no entanto, esta tese, com o poder de avocação, que permite que os poderes possam voltar para a esfera do delegante. A verdadeira alienação não permite retorno, pelo menos nestes termos, daquilo que se alienou; a segunda tese é a tese da autorização defendida, historicamente, pelos professores André Gonçalves Pereira e Marcello Caetano, que consistia numa lei de habilitação que conferisse poderes a dois órgãos distintos, o que desencadearia uma verdadeira competência simultânea a partir do momento em que se desse a autorização do órgão delegante. Para estes autores, o delegado tinha, uma competência condicionada pela autorização. O atual regime legal não permite uma competência simultânea, mas não será de descartar todo o conteúdo desta tese; Outra tese, mais atual por sinal, é a do Prof. Freitas do Amaral, que distingue, dentro da competência para exercer poderes, a titularidade do exercício. A lei de habilitação não conferia uma transferência de titularidade dos poderes delegados, pelo que a titularidade permanecia sempre na esfera do órgão delegante. Já o exercício, com o ato de delegação, passaria para a esfera do delegado. Titularidade e exercício estariam em esferas diferentes. O atual regime legal do CPA, parece encontrar na tese deste professor a resposta quanto á natureza jurídica da delegação. O poder de avocação e o de revogação, são exemplificativos  da distinção aqui em causa. Alguns autores defendem que seria impossível , em Direito público, uma cisão entre a titularidade e o exercício de poderes legais, como no nosso caso, o da delegação. Diz-nos o autor desta tese, em jeito de resposta, e com alguma razão de que a cisão, não só é possível como tem um exemplo emblemático- a Democracia representativa;  O prof. Paulo Otero, formula a ultima tese, e em jeito de critica á tese anterior, encontra a natureza jurídica da delegação numa transferência de exercício e de titularidade.

Todas estas teses, ainda que choquem com a atual realidade da figura, demonstram bem a importância da delegação de poderes e a de uma delimitação da sua natureza jurídica. Para se considerar a natureza jurídica de uma figura, seja de que ramo for, deve-se ter sempre em conta o regime legal e a forma, como na prática, essa figura se mecaniza. Na delegação de poderes, existe uma transferência de titularidade e exercício condicionada á vontade de um órgão a quem foram atribuídos os poderes sujeitos a delegação. Transferência há, como se comprava pelo ato de delegação. De titularidade, também, uma vez que o órgão delegado, iria ser o verdadeiro responsável pelos seus atos e só ele, em principio será. Pense-se na delegação não hierárquica, onde o delegante apenas emites diretivas sem qualquer vinculação por parte do delegado. Sobra então a este, uma grande margem de atuação, na forma como deve praticar tais atos. A transferência é de exercício, uma vez que, e após o ato de delegação, o delegado terá toda a legitimidade legal para a pratica dos poderes que lhe foram delegados. Toda esta transferência, está altamente condicionada a uma realidade tão corrente como a simples vontade do órgão delegante. Através da revogação ou avocação, podem os poderes, e com elas a titularidade e o exercício, regressarem a esfera jurídica anterior. Obviamente, tudo isto, leva a concluir pela precariedade da figura, mas o exercício e a titularidade poderão  pela simples vontade de um órgão, mudar de esfera. Conclui-se então, que a delegação de poderes, é então indiscutivelmente uma figura de grande importância na organização de poderes e nas diferentes competências da Administração pública em Portugal.  A introdução de um regime legal, veio delimitar o campo de atuação desta figura. Com a multiplicação das atribuições administrativas, com a evolução da administração publica e coma  constante burocratização dos serviços e órgão da Administração, ganha destaque, cada vez maior a delegação de poderes.
Bibliografia:
Marcelo Rebelo de Sousa, lições de Direito Administrativo, Lisboa, 1994;
Paulo Otero, A competência Delegada, AAFDL, 1984;
Paulo Otero, O Poder de Substituição em Direito Administrativo;
João Caupers, Direito Administrativo, Editorial Noticias,1996;
Diogo Freitas do Amaral, Cusro de Direito Administrativo, Vol I, 3ª edição

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