segunda-feira, 29 de abril de 2013

Contratos Administrativos


Contratos administrativos

                Contrato administrativo é aquele pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa. Esta figura aparece-nos regulada pelo CCP nos seus artigos 278º e seguintes, surgindo-nos como modo de gestão pública. É uma figura discutida e controversa na doutrina, discute-se o facto da sua autonomia face ao contrato público. Temos apoiantes dos dois lados, o Professor Freitas do Amaral defende a sua autonomia e a Professora Maria João Estorninho defende que não há autonomização deste meio de actuação da Administração Pública, entre outras opiniões.
                 Só são contratos administrativos os previstos por lei e não afastados pelas partes. Tendo um regime de subordinação do particular à administração (o que acontece nos próprios contractos privados), sendo os poderes da administração: o poder de fiscalização, de modificação unilateral e o poder de aplicar sanções. Devendo também, como sempre, a administração actuar em vista da prossecução do interesse publico, não pondo interesses particulares à sua frente. Ora, o contrato tem tanta legitimidade como um acto administrativo, é um modo de actuação da administração, válido para os fins a que se destina.

                São aplicáveis as disposições em especial do artigo 280º. Por conseguinte aplica-se o disposto no CCP, com maior relevância no Título I do Capítulo I, do presente código. Bem como os artigos 181º e seguintes do CPA. Com a relevância da revogação infringida aos artigos 178º, 179º e 180º do CPA. Que daí advêm uma possível perda de independência do contrato administrativo.

                As principais espécies de contractos administrativos são:
·         Empreitada de obras públicas: é o contrato administrativo pelo qual um particular se encarrega de executar uma obra pública, mediante retribuição a pagar pela Administração;

·         Concessão de obras públicas: é o contrato administrativo pelo qual um particular se encarrega de executar e explorar uma obra pública, mediante retribuição a obter directamente dos utentes, através do pagamento por estes de taxas de utilização;

·         Concessão de serviços públicos: é o contrato administrativo pelo qual um particular se encarrega de montar e explorar um serviço público, sendo retribuído pelo pagamento de taxas de utilização a cobrar directamente dos utentes.

·         Concessão de uso privativo do domínio público: é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública faculta a um sujeito de Direito Privado a utilização económica exclusiva de uma parcela do domínio público para fins de utilidade pública;

·         Concessão de exploração de jogos de fortuna e azar: é o contrato administrativo qual um particular se encarrega de montar e explorar um casino de jogo, sendo retribuído pelo lucro obtido das receitas dos jogos;

·         Fornecimento contínuo: é o contrato administrativo pelo qual um particular se encarrega, durante um certo período, de entregar regulamente à Administração certos bens necessários ao funcionamento regular de um serviço público;

·         Prestação de serviços: abrange dois tipos completamente diferentes um do outro: contrato de transporte é o contrato administrativo pelo qual um particular se encarrega de assegurar a deslocação entre lugares determinados de pessoas ou coisas a cargo da Administração; e o contrato de provimento que é o contrato administrativo pelo qual um particular ingressa nos quadros permanentes da Administração Pública e se obriga a prestar-lhe a sua actividade profissional.

               Há também uma influência (normal no panorama actual) da União Europeia sobre o direito administrativo. Esta evolução pretendia traduzir-se numa dissolução ou aproximação entre o contrato administrativo e o contrato público, onde houvesse um regime comum entre os dois contratos. No entanto o próprio CCP prevê na sua Parte III, Título I, Capítulo I, a distinção desta figura. O contrato administrativo também não foi banido na Reforma de 2002, logo permanece como um dos modos de actuação da Administração, mantendo, desde logo, a sua autonomia.

Ana Rita Dias, nº 21976

domingo, 28 de abril de 2013

O Princípio do Aproveitamento do acto administrativo e os respectivos princípios que o corroboram.


Segundo o Princípio do Aproveitamento do acto, o procedimento administrivo tem como função garantir os direitos dos administrados através de medidas tomadas pela Administração com vista à satisfação plena do interesse geral.

Porém, o procedimento administrativo não tem apenas a função de garantir a satisfação do interesse geral. Para a doutrina subjectivista, o princípio do aproveitamento do acto constitui uma garantia para a prossecução do interesse do particular que não deve ser prejudicado apenas pelos vícios de forma do procedimento administrativo.
A forma tem um carácter instrumental, isto é, os requisitos de forma só serão indispensáveis para a validade do acto administratvio quando de outro modo não seja possivel alcançar o objectivo pretendido.
Se for entendida de maneira rigorosa, a forma, deixará de ser uma garantia e passará a constituir um verdadeiro obstáculo à desburocratização das relações administrativas e à prossecução do interesse público. 

Desde que o acto final não prejudique o interesse do particular não há lugar a um vício de forma que inquine o acto administrativo.

É este o entedimento que prevalece em Portugal onde, para justificiar a aplicação do aproveitamento dos actos, a jurisprudência se tem apoiado na distinção entre formalidades essenciais e não essenciais.
Todas as formalidades previstas pela lei são essenciais. No entanto, estas não o são quando a lei o diga ou quando o interesse e os direitos dos administrados estejam efectivamente garantidos, apesar da inobservância da formalidade exigida.

Existem ainda três princípios que corroboram o Princípio do Aproveitamento do Acto Administrativo e são eles: o princípio da conservação, o princípio da economia e o princípio da eficiência.
No que ao princípio da conservação diz respeito, referimos a existência de dois grandes requisitos que permitem ao Direito aproveitar os actos administrativos:
-  o fim tem de ser  considerado pelo direito como digno de protecção, isto é, a conservação tem de ser conforme ao direito ;
- necessidade de existência de um interesse na prossecução dessa finalidade.
A validade está, assim, relacionada com os fins e não com o acto em si mesmo.
O principio da conservação assim traduzido, expressa a necessidade de conservar os actos capazes de cumprir os fins para os quais foram idealizados.

Por sua vez,  a aplicação do principio da Economia no procedimento também exige dois grandes requisitos:
- desnecessidade de repetição do trâmite legal;
-  respeito  pelos direitos das partes.
O principio da economia só poderá ser aplicado nos actos cuja invalidade o Direito considere capaz de produzir efeitos juridicamente protegidos, tal como acontece com o princípio da Conservação. Ou seja, desde que a invalidade não afecte nenhum direito ou interesse do particular, o acto deve ser aproveitado.

Intimamente relacionado com o princípio do aproveitamento do acto está, também, o principio da Eficiência.
A Constituição da República Portuguesa não prevê explicitamente este princípio mas o seu artigo 267º nrº1 permite à doutrina relacionar o princípio da Desburocratização  da Administração Pública com o princípio da Eficiência administrativa.
Deste modo, a Administração deve funcionar em termos de eficiência, de forma a prosseguir o interesse público e a facilitar a vida dos particulares, tal como patenteado no artigo 10º do CPA: “ A Administração Pública deve ser estruturada de modo a aproximar os serviços das populações e de forma não burocratizada, a fim de assegurar a celeridade, a economia e a eficiência das suas decisões”.

sábado, 27 de abril de 2013


Codificação do Processo Administrativo em Portugal

Como resulta do artigo 267º da Constituição da República Portuguesa, a regulamentação jurídica do procedimento administrativo visa vários objectivos: certeza e clareza das normas que regulam o procedimento administrativo, a racionalização dos meios (eficiência da administração), garantia da tutela dos direitos subjectivos e interesses legítimos dos particulares e assegurar a participação dos particulares na formação das decisões que lhes digam respeito.
          Em Portugal, tal desejo foi pela primeira vez fixado pela Lei de Meios de 1962, tendo ainda sido elaborado um anteprojecto de código em 1968, mas que nunca chegou a ter frutos. Só após a Constituição de 1976, que impunha a codificação legal da matéria de procedimento administrativo geral (267º nº5), é que depois de duas tentativas falhadas (em 1980 e em 1982), foi finamente aprovado um terceiro anteprojecto elaborado pela Comissão Freitas do Amaral, em 1991, dando origem ao Código de Procedimento Administrativo, que entrou em vigor em 1992. Terminava, assim, a inconstitucionalidade por omissão que provinha do disposto no artigo 267º nº 5 da CRP. A Comissão Freitas do Amaral foi constituída em 1988, por iniciativa do Dr. Mário Raposo, Ministro da Justiça de então, com o propósito de proceder a uma reforma do contencioso administrativo, visto que havia a convicção de que as leis de 1984 e 1985 (ETAF e LEPTA) haviam actualizado apenas modestamente aquele contencioso.
         Estes acontecimentos resultaram num intenso debate doutrinário. O Prof. Rogério Soares, por exemplo, manifestou-se contra a codificação do procedimento administrativo, pois entendia que uma tal regulação deveria ser reduzida ao mínimo, deveria limitar-se ao direito administrativo formal. Para além disso, entendia ainda que a lógica necessária a um código poderia por em causa as soluções adoptadas e que havia uma tendência do legislador em invadir a esfera do direito material. Este autor fez ainda um balanço das vantagens e dos benefícios da elaboração de um código do procedimento administrativo, do que concluiu: a maior disciplina da Administração poderia trazer uma maior burocratização; a maior eficácia da Administração poderia conduzir à diminuição da qualidade das decisões; a intensa defesa dos interesses dos particulares podia resultar na concepção errada de que o particular se situa perante uma Administração agressiva, o que não seria verdade, tendo em conta a Administração ser prestadora; o incentivo à participação dos particulares poderia ser demasiadamente formalizada.
             Pelo contrário, o Prof. Freitas do Amaral demonstrou-se a favor da codificação em causa, uma vez que a regulação do procedimento era uma exigência constitucional resultante do artigo 267º nº5, a protecção dos privados em face da Administração era um dos fins da codificação e tal fim só seria alcançado através da regulamentação, afirmando ainda que só assim se iria, finalmente, praticar em Portugal o princípio da audiência prévia dos interessados e que a existência do código iria favorecer a evolução doutrinária.
         O Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, por sua vez, apresentou-se cauteloso, sendo favorável à codificação, mas não esquecendo os seus eventuais perigos.
          O Prof. Vasco Pereira da Silva deu razão ao Prof. Freitas do Amaral, afirmando que o procedimento administrativo é um meio de defesa dos particulares perante a Administração Pública ou das autoridades administrativas, umas relativamente às outras, sendo que a codificação iria destacar o procedimento como fenómeno autónomo, complementar da tutela judicial no que concerne à protecção dos particulares.
        Todavia, algumas críticas ao Código do Procedimento Administrativo são lançadas pelo Prof. Marcelo Rebelo de Sousa: o relevo desproporcional do tratamento do acto administrativo, a insistência em soluções há muito criticadas pela doutrina, a omissão da disciplina de algumas matérias, a insensibilidade de problemas da administração infra-estrutural, a falta de uniformidade na redacção e a existência de normas repetidas.

Bibliografia:
Vasco Pereira da Silva “Em busca do acto administrativo perdido”;
Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos “Direito Administrativo Geral – Actividade Administrativa” Tomo III;
João Caupers “Introdução ao Direito Administrativo”.

Diana Furtado Guerra
Nº 21984

O Procedimento Administrativo como figura central do Direito Administrativo e a participação dos particulares

Na dogmática tradicional, o que relevava era, como se sabe, o acto administrativo, uma vez que estávamos perante uma Administração agressiva, “actocêntrica” e autoritária, onde aos particulares não eram garantidos direitos perante a máquina estatal. Neste contexto, o procedimento administrativo valia enquanto instrumento ao serviço do acto administrativo e não autonomamente. O acto administrativo, pelo contrário, era a figura central do Direito Administrativo, pois, sendo um acto unilateral de autoridade praticado pela Administração para decidir situações individuais em casos concretos, ou seja, um acto através do qual a Administração, mediante o exercício de um poder público de autoridade, impunha um dado comportamento ao particular, sendo que, para agir contra estes actos existem garantias administrativas e garantias contenciosas dos particulares.
A dogmática tradicional foi, no entanto, posta em causa por parte da doutrina italiana, que entendia que o procedimento administrativo (série de condutas de lógica interna e orientados para a produção ou execução de uma decisão administrativa) devia passar a ser visto como a figura central de Direito Administrativo. Entendia-se que tal perspectiva apresentaria duas vantagens relativamente à doutrina tradicional: a possibilidade de uniformização do tratamento dogmático de toda a actividade administrativa e a possibilidade de entender a integralidade da actividade da Administração. A primeira vantagem remete para o facto de que nenhuma decisão da Administração se esgota com um único acto, a actuação da Administração é o resultado da sequência de um procedimento. Já a segunda vantagem significa que só o procedimento permite ter em conta todas as actuações da Administração, possibilitando a análise da actuação no seu todo.
No cerne do procedimento administrativo está a possibilidade da participação dada aos seus intervenientes, o particular e as autoridades administrativas. O particular pode intervir no processo de decisão da Administração, nomeadamente através de institutos como a audiência prévia.
Refira-se, porém, que neste sector da doutrina italiana, aquilo que é defendido é que é importante que o particular participe no processo de decisão da Administração, não para se defender, mas sim para poder trazer novos factos ao procedimento. Esta orientação tende à objectivização do Direito Administrativo, pois apenas atende à própria função administrativa.
Contudo, o mesmo não se passa na doutrina alemã, pois os germânicos consideram que é a relação jurídica que é a figura central de Direito Administrativo, havendo uma subjectivização deste relativamente às posições jurídicas dos particulares e das autoridades administrativas. É esta a posição defendida pelo Prof. Vasco Pereira da Silva, que entende ser a mais adequada ao direito português.
E que dizer da participação dos cidadãos no procedimento administrativo? Em primeiro lugar, tal permite exercer o controlo do poder administrativo e a melhor qualidade das decisões administrativas, constituindo um factor de legitimação da Administração Pública (até porque esta hoje tem um maior campo de actuação em todos os níveis por se ter tornado prestadora) e aperfeiçoamento do Estado de Direito. A própria Constituição da República Portuguesa consagra este direito aos particulares (267º, nº 5), tal como o Código do Procedimento Administrativo (8º), que dá aos particulares a oportunidade de defenderem os seus interesses, os seus direitos subjectivos. Os particulares colaboram, por conseguinte, com a Administração, sendo que se estabelece uma relação jurídica procedimental entre os dois que permite uma maior eficácia da decisão administrativa.
Também a participação no procedimento pode ser entendida de maneira objectiva (privados intervêem de modo a facilitar a tomada de decisões da Administração) e de maneira subjectiva (privados intervêem como instrumento de defesa prévia das suas posições jurídicas perante a Administração). O primeiro ponto de vista é o adoptado pelo Prof. Rui Machete. O segundo é defendido pelo Prof. Gomes Canotilho, que reforça a função da garantia dos direitos fundamentais.
Por fim, importa referir que, segundo o Prof. Vasco Pereira da Silva, os direitos fundamentais têm conteúdo substantivo e ainda garantias de procedimento, como tal, a não audiência de um particular interessado viola o conteúdo essencial de um direito fundamental, pelo que uma decisão tomada sem a audiência do particular deve ser nula nos termos do 133º nº 2 do CPA. Em relação ao 103º nº 2 b), deve interpretar-se que na dispensa de audiência dos interessados, os elementos do procedimento já devem permitir deduzir se a decisão vai ser favorável ou desfavorável, sendo que, quando for desfavorável, deverá ser fundamentada ao particular.

Bibliografia:
Vasco Pereira da Silva “Em busca do acto administrativo perdido”;
Diogo Freitas do Amaral “Curso de Direito Administrativo” Volume II.

Diana Furtado Guerra
Nº 21984

Invalidade do acto administrativo


Após num post anterior se ter explicado o conceito de acto administrativo, passemos agora a discutir a validade do mesmo. Por invalidade, podemos dizer que a mesma é o valor jurídico negativo que afecta o acto administrativo em virtude da sua inaptidão para a produção dos efeitos jurídicos que devia produzir. Portanto, um acto administrativo que viola a lei é um acto administrativo ilegal. Apesar de uma conexão histórica da invalidade com a ilegalidade, podemos na situação actual afirmar que há outras situações de invalidade que não são situações de ilegalidade. Em relação à invalidade por ilegalidade do acto administrativo, podemos afirmar que quando se atribui que um acto administrativo é ilegal porque é contrário à lei, está-se a utilizar a palavra “lei” num sentido amplo. Esta amplitude da palavra “lei” justifica-se por se enquadrar na mesma a constituição, a lei ordinária, os contratos administrativos, os actos administrativos constitutivos de direitos.
As ilegalidades do acto administrativo podem assumir várias formas. Essas formas são apelidadas de “vícios do acto administrativo” e esses mesmos vícios representam as formas específicas que a ilegalidade do acto administrativo pode revestir. Esses vícios são a usurpação de poder e incompetência que se enquadram na ideia de ilegalidade orgânica. O vicio de forma que se enquadra numa ilegalidade formal, e a violação de lei e desvio de poder que se ligam à ideia de ilegalidade material.
Em relação à usurpação de poder devemos começar por referir que a mesma é o vicio que consiste na prática por um órgão administrativo de um acto incluído nas atribuições do poder legislativo, do poder moderador ou do poder judicial, tratando-se portanto de um vicio que assenta na violação do principio de separação de poderes contemplada no artigo 111º da CRP. Para o Prof. Marcelo Caetano o vício de usurpação de poderes estava incluído na prática pela administração de um acto incluído nas atribuições do poder judicial. Contudo, o Prof. Freitas do Amaral tem uma perspectiva diferente, para ele, o mesmo contempla três modalidades, sendo elas a usurpação do poder legislativo onde podemos dar como exemplo a criação de um imposto por acto administrativo. A usurpação do poder moderador, onde temos como situação que serve de exemplar, o Primeiro-Ministro demitir um funcionário da Presidência da Republica. E, em terceiro e último lugar, uma deliberação de uma câmara Municipal que declare a nulidade de um contrato civil.
Outro vicio que devemos referir é o da incompetência. Podemos definir incompetência como um vício que consiste na prática, por um órgão administrativo, de um acto incluído nas atribuições ou na competência de outro órgão administrativo. Acima de tudo para que haja incompetência, é necessário que o órgão administrativo que praticou o acto invada a esfera própria de outra autoridade administrativa sem sair do poder administrativo contemplado. A incompetência pode revestir várias modalidades. A incompetência absoluta verifica-se quando um órgão administrativo pratica um acto fora das atribuições da pessoa colectiva a que pertence. A incompetência relativa, processa-se, quando se verifica que um órgão administrativo pratica um acto fora da sua competência, mas que pertence à competência de outro órgão da mesma pessoa colectiva. Na incompetência relativa, podemos identificar incompetência em razão da matéria, em razão da hierarquia, em razão do lugar e em razão do tempo. Existe em razão da matéria quando um órgão administrativo invade os poderes conferidos a outro órgão administrativo em função do conteúdo dos assuntos. Verifica-se em razão da hierarquia quando se invadem os poderes conferidos a outro órgão em função do grau hierárquico. E existe em razão do lugar, quando um órgão administrativo invade os poderes conferidos a outro órgão em função do território em causa.
Um terceiro vicio que conseguimos identificar é o vício de forma como supra indicado. Como definição podemos dizer que é um vício que consiste na preterição de formalidades essenciais ou na carência de forma legal. O mesmo admite três modalidades, a preterição de formalidades anteriores à prática do acto onde temos o exemplo da falta de audiência prévia dos interessados num procedimento administrativo, quando não tenha havido requisição de dispensa. A preterição de formalidades relativas à prática do acto, onde se pode apresentar como exemplo as regras sobre votação em órgão colegiais. E como última modalidade, a carência de forma legal onde se pode apresentar como exemplo um despacho de actos sobre o qual a lei exija a forma de portaria ou decreto. Para o Prof. Freitas do Amaral a eventual preterição de formalidades posteriores à prática do acto administrativo não produz ilegalidade. Esta situação acontece, porque segundo o Professor a validade de um acto administrativo se aferes sempre pela conformidade desse acto com o ordenamento jurídico no momento em que é praticado. Logo, o Professor retira como conclusão que no momento em que um acto administrativo é praticado, ele pode ser inválido, por estar em contradição com a lei, ou porque antes da sua prática foram cometidas outras ilegalidades. Mas, se a preterição das formalidades ocorrer depois de o acto ser praticado, o acto não fica inválido por causa do que se passou depois dele, ou seja, não à repercussão para trás, Aquilo que se passa depois da prática do acto não o invalida.
Outro vicio que se identifica, é a violação de lei. Podemos definir violação de lei como o vício que consiste na discrepância entre o conteúdo ou o objecto do acto e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis. Repare-se, que no vício de violação de lei produz-se normalmente quando, no exercício de poderes vinculados, a administração decida coisa diversa do que a lei estabelece ou nada decide quando a lei a vincula a decidir. Mas também pode existir um vicio de violação de lei, no exercício de poderes discricionários, quando sejam infringidos os princípios gerais que limitam ou condicionam os princípios constitucionais, sendo estes mesmos princípios limitadores do poder discricionário. Isto leva-nos à conclusão de que se pode verificar um desvio de poder no exercício dos poderes discricionários, algo que não acontece caso estejamos perante uma violação de lei, onde a mesma não é contemplada mesmo no exercício de poderes discricionários. O vicio de violação de lei é contemplado por vários tipos, sendo eles, quando existe uma falta de base legal ou quando estamos perante uma incerteza, ilegalidade ou impossibilidade do conteúdo ou objecto do acto administrativo. Outra modalidade persiste quando estamos perante uma inexistência ou ilegalidade dos pressupostos relativos ao conteúdo do acto administrativo. E por fim quando estamos perante a ilegalidade de elementos acessórios incluídos pela administração ou quando a ilegalidade é insusceptível de ser reconduzida a outro vicio.
       O último vício referente à invalidade por ilegalidade do acto administrativo é o desvio de poder. O desvio de poder é o vício que consiste no exercício de um poder discricionário por um motivo principalmente determinante que não condiga com o fim que a lei visou ao conferir tal poder. Este vídeo impõe portanto uma relação entre o fim legal e o fim real. Para se estar perante um vicio desta natureza tem de se apurar qual o fim visado pela lei ao conferir a certo órgão administrativo um determinado poder discricionário, também tem de se averiguar qual o motivo principalmente determinante da prática do acto administrativo em causa e tem de se determinar se este motivo principalmente determinante condiz ou não com aquele fim legalmente estabelecido.
        Verifica-se também que o acto administrativo pode ser ilegal por concorrer nele mais do que um vicio. Para além da ilegalidade também existem outras fontes de invalidade do acto administrativo, como a ilicitude e os vícios da vontade.

João Augusto Gomes Ramos, nº20605

Bibliografia:
Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado Matos- Direito Administrativo Geral- atividade administrativa;
Diogo Freitas do Amaral- Curso de direito administrativo volume II

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Princípios fundamentais


O procedimento para a emissão de actos administrativos é dominado por quatro princípios fundamentais: o princípio do inquisitório, o princípio da celeridade, o princípio da publicidade, o princípio do carácter escrito dos actos e formalidades procedimentais e o princípio da colaboração dos particulares. Trata-se de projecções procedimentais das características essenciais da administração pública em sentido orgânico e dos princípios fundamentais da actividade administrativa (supra, I).
a) O princípio do inquisitório significa que é à administração pública que cabe o impulso do procedimento administrativo. Ou seja, a administração pode iniciar oficiosamente o procedimento administrativo (art. 5.º CPA) e, mesmo quando este seja instaurado por iniciativa particular, pode proceder às diligências procedimentais que considere convenientes, mesmo que não tenham sido requeridas ou que incidam sobre matérias não mencionadas pelos particulares, bem como decidir em termos diferentes ou mais amplos do que o pedido (art. 56.º CPA). Este princípio decorre da natureza activa da administração na prossecução do interesse público, em contraste com a natureza passiva dos tribunais, cuja actividade está sujeita ao princípio antagónico do dispositivo, segundo o qual o impulso processual cabe às partes (supra, t. I, 2-33).
            b) O princípio da celeridade, numa formulação genérica, não se distingue substancialmente do princípio da eficiência. Contudo, o art. 57.º CPA vai mais além e, para além de afirmar que os órgãos administrativos devem providenciar pelo rápido e eficaz andamento do procedimento, densifica o princípio mediante a atribuição aos órgãos administrativos dos poderes de recusar e evitar tudo o que for impertinente ou dilatório, bem como de ordenar ou promover tudo o que for necessário ao seguimento do procedimento e à justa e oportuna decisão; neste último aspecto, o princípio da celeridade cruza-se com o princípio do inquisitório.
            c) O princípio da publicidade não se encontra expressamente consagrado no CPA, mas infere-se das normas dos arts. 61.º e seguintes, que conferem aos particulares direitos de informação procedimental (direito de informação em sentido estrito: art. 61.º CPA; o direito à consulta do processo e à passagem de certidões: arts. 62.º e 63.º CPA; princípio da administração aberta: art. 65º CPA; sobre isto, supra, t. I, 7-30).
            d) O princípio do carácter escrito dos actos e formalidades procedimentais implica que, em regra, todos os actos e formalidades procedimentais devem ser praticados ou cumpridos por escrito e que, quando a lei permita que não o sejam, devem necessariamente ser reduzidos a escrito. O carácter escrito do procedimento administrativo infere-se da exigência de reunião de todos os actos e formalidades procedimentais num conjunto documental designado por processo administrativo (art. 1.º, 2 CPA) e resulta mesmo expressamente quanto a determinados actos (quanto aos actos administrativos, art. 122.º, 1 CPA; quanto aos contratos administrativos, art. 184.º CPA). São inúmeras as disposições que obrigam à redução a escrito dos actos e formalidades orais (por exemplo, arts. 27.º, 28.º, 75.º, 102.º, 3, 122.º, 2 CPA).
e) O princípio da colaboração dos interessados implica para estes a proibição de formular pretensões ilegais, articular factos contrários à verdade e requerer diligências meramente dilatórias (art. 60.º, 1 CPA), bem como o dever de prestar a sua colaboração para o conveniente esclarecimento dos factos e para a descoberta da verdade (art. 60º, 2 CPA)

Antonio Fernandes Nº21979 Sub:1

Administração: Acção ou Relação? - Qual o conceito central da actividade Administrativa?



A discussão sobre qual será o conceito base de toda a actividade administrativa não é nova. Com efeito, desde o seu "berço", que o direito administrativo procura delimitar a sua actuação com base num conceito central, que encerre em si a realidade da Administração. E podemos dizer que temos dois conceitos que se candidatam ao título: o acto administrativo e a relação jurídica administrativa.
O acto administrativo é o principal instrumento de trabalho da Administração, isto porque para prosseguir o interesse público a Administração faz escolhas e opções, que se concretizam com decisões, que são tomadas precisamente através de actos. Perante esta noção, não será difícil compreender porque é que os liberais optaram pelo acto administrativo como ponto central do Direito Administrativo.  O  acto administrativo encaixava na perfeição na ideia de exercício de poder e de autoridade, tão apreciada pelos revolucionários, em nome da separação de poderes. Com efeito, o acto administrativo começou por delimitar o espaço de acção da Administração, no qual ninguém poderia intervir, incluindo os tribunais comuns.  Contudo, é certo que, aquando da criação de tribunais administrativos, após o famoso conselho de Estado francês de 1799, o acto administrativo passou igualmente a ter uma função definidora do direito administrativo, vinculando a Administração ao direito. Começa aqui um “milagre”, que permitirá que o direito administrativo se vá lentamente afirmando com o fim, não de proteger a próprio administração, mas sim os particulares face à administração. Resumindo, o acto administrativo começou primeiro por ser uma garantia da administração, e só depois uma garantia para os particulares.

Perante esta evolução, em que aos poucos e poucos a Administração vai perdendo o seu “trauma” liberal, e ficando cada vez mais próxima do Estado prestador dos dias de hoje, o acto administrativo vai perdendo força, e o peso da actividade administrativa demasiado para ser carregado pelo acto. Torna-se urgente substituir o acto como conceito central, para algo mais amplo. Em Itália fala-se no procedimento, e na Alemanha a relação jurídica. Entre estes dois, claramente, se queremos um conceito que abarque a nova estrutura mais aberta e complexa da Administração, não há dúvida de que a relação jurídica é mais abrangente do que o procedimento, conforme veremos mais adiante. A relação jurídica é, segundo Bauer uma “ligação constituída pelo direito entre dois ou mais sujeitos”, neste caso, especificamente, constituída pelo direito administrativo. Vemos então que é um conceito capaz de abarcar a realidade actual da administração prestadora, onde os particulares têm um maior envolvimento com a Administração Pública. O instituto da relação jurídica vence assim as limitações do acto administrativo, adptando-se ao novo formato da administração e, por outro lado, sem trazer grandes cortes uma vez que integra em si mesma o acto administrativo, e o próprio procedimento administrativo.

Mas há quem sustente que, de facto sendo a relação jurídica o conceito mais indicado para se estruturar o Direito Administrativo, isto é, para ser o seu centro, que, nos dias de hoje já não faz sentido falar de um centro para o direito administrativo. Isto porque se é verdade que no Direito Administrativo a evolução se fez em direcção a uma lógica cada vez mais relacional, a verdade é que essas relações se afirmam cada vez mais como relações jurídicas multifacetadas, e multilaterais, e tudo isto revela uma postura aberta da nova ciência do Direito Administrativo. Portanto, para os defensores desta nova tese, já não faz sentido falar-se num centro para um direito administrativo com visões amplas e atitudes de abertura em relação, nomeadamente a outros ramos do direito, por exemplo, direito do urbanismo, ou do ambiente. Seja como for, a verdade é que isto não invalida nem diminui o papel da relação jurídica no Direito administrativo que, não sendo central, de acordo com estes autores é, no mínimo, imprescindível para toda e qualquer actuação administrativa.

Concluindo,  e respondendo à pergunta inicial, a Administração é relação, ou seja, a sua actividade consiste essencialmente em estabelecer relações com outros sujeitos de direito, agora, em que grau e até que ponto faz sentido continuarmos a insistir num conceito central de relação jurídica administrativa é o que se discute na actualidade.


Luísa Mendonça, nº 22000


  • AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2012
  • SILVA, Vasco Pereira da, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, colecção teses, 2003

quinta-feira, 25 de abril de 2013

A Interpretação do Acto Administrativo



 Através da interpretação podemos apurar o sentido e o alcance dos actos administrativos. Ao contrário do que estabelece o Código Civil nos artigos 9º a 11º e nos artigos 236º a 239º (relativamente aos negócios jurídicos), não existem normas jurídicas que regulem especificamente a interpretação dos actos administrativos.
        Como esclarece MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, a interpretação do acto administrativo é diferente da interpretação da lei e dos restantes actos normativos. A interpretação do acto administrativo é individual e concreta e, deste modo, encontra-se intimamente ligada ao destinatário e à situação a que diz respeito. Além disso, como defendem estes autores, o acto administrativo cumpre sempre um programa que lhe é exógeno, mesmo que tenha sido emitido durante a margem de livre decisão. Por outro lado, a interpretação da lei e dos restantes actos normativos é geral e abstracta, envolvendo uma grande margem de liberdade da actividade legislativa, limitada apenas pela Constituição. Apesar de a interpretação do acto administrativo e a interpretação do negócio jurídico e da sentença terem em comum um carácter não normativo, as suas funções são distintas e o acto administrativo não emite actos semelhantes à autonomia privada, como acontece nos negócios jurídicos. Além disso, os actos administrativos são uma manifestação de autotutela e são de carácter imperativo.
       Ao analisar o fim dos actos administrativos, impõem-se duas concepções: a concepção subjectivista e a concepção objectivista.
A concepção subjectivista, defendida por MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, procura apurar o sentido que o autor do acto lhe quis dar. Estes autores defendem que esta é a concepção correcta pelo facto de o acto administrativo ser uma conduta unilateral e imperativa, originária da autotutela declarativa da administração na prossecução do interesse público, sendo da legitimidade e da responsabilidade do seu autor. Assim, a atribuição de um sentido diferente daquele que o seu autor pretendia, ainda que justificado por uma interpretação objectiva, frustraria a legitimidade da administração na prossecução do interesse público. Todavia, de notar, que estes autores defendem que a interpretação subjectivista deve ser mitigada, ou seja, o seu resultado tem de ser compreendido por uma “pessoa média” colocada na posição de destinatário do acto, não podendo ir, portanto, além dessa compreensão expectável.
Visto que a interpretação do acto administrativo é um resultado, existem determinados meios que facilitam a chegada a uma conclusão. Particularmente em relação aos actos administrativos são importantes: os elementos linguísticos, genéticos e sistemáticos e todos os outros derivados do comportamento posterior da administração e do destinatário do acto. De salientar que, o acórdão do STA de 3 de Março de 1999 revela a importância jurisprudencial dada à interpretação e aos elementos do acto administrativo.
Assim sendo, podemos concluir pela importância da interpretação no apuramento do sentido e do alcance dos actos administrativos.


Bibliografia Utilizada:

- REBELO DE SOUSA, Marcelo e SALGADO DE MATOS, André. Direito Administrativo Geral, tomo III.



Joana Rodrigues da Silva;  nº 21880

E se em Lisboa caísse um míssil ?



        E se em Lisboa caísse um míssil proveniente da Coreia do Norte com destino aos Estados Unidos da América ?
        Ou se, simplesmente, no concelho X situado no interior Português, ocorrer uma cheia que danifique infra-estruturas importantes às populações residentes ?
      Como resolver as situações ? Como tratar dos danos e lutar por um rápido retorno à normalidade ? Decerto que essas serão as prioridades de todos os afectados. É dado garantido que, em situações de normalidade, a Administração Pública tem legitimidade de acção, suportada, em primeira instância pela CRP e, em segunda instância pelo CPA. Mas, como poderá a Administração Pública agir, quando não existem previsões legais de acção ?
                      É o que me proponho a analisar.
                  Partindo do artigo 3º/2 do CPA encontramos a figura do estado de necessidade. Facilmente fazemos as primeiras considerações sobre a mesma. Como sabemos, esta figura nasceu no seio do direito privado, mas, hoje em dia generalizou-se e está presente em inúmeros ramos do direito.
                   Será importante realizar um sintético estudo sobre o estado de necessidade no direito civil, para, posteriormente, o contrapormos ao seu “descendente”, o estado de necessidade administrativo.
                     No direito civil, artigo 339º do Código Civil, age em estado de necessidade aquele que, com o objectivo de remover um perigo actual (1º requisito), que ameace a pessoa ou património do agente ou de terceiro (2º requisito), provoque danos manifestamente inferiores aos que seríam causados pelo perigo (3º requisito). Reunidos estes requisitos, a actuação do agente não será considerada ilícita, mas, a obrigação de indemnizar aquele que sofre danos nem sempre estará excluída. Em princípio, aquele que provoque danos, indemniza.
                  Desta figura nasceram, nos diversos ramos do direito, figuras muito próximas, como por exemplo o estado de necessidade no direito penal, o estado de necessidade em direito constitucional e, a figura em estudo, o estado de necessidade no direito administrativo.
                Antes de passarmos ao direito administrativo, será importante também, fazer algumas considerações desta figura no âmbito do direito constitucional, dada a estreita ligação primeiro, entre os dois ramos de direito (“ o direito administrativo é direito constitucional concretizado”) e, segundo, entre as duas figuras, o estado de necessidade constitucional e o estado de necessidade administrativo.
                Estamos agora no coração do direito público, o direito constitucional, e dadas as imensas especificidades deste, parece concebível imaginar esta figura em situações de guerra, calamidades públicas, desordens sociais, fenómenos meteorológicos adversos, e afins... Actuações do poder que pretendam ligar com esta extraordinariedade de acontecimentos, e que violem direitos subjectivos dos cidadãos poderão não ser consideradas ilegais, reunidos os pressupostos do estado de necessidade. O caminho a realizar é o mesmo do direito privado, mas, há que atentar a especificidades pertinentes: enquanto no direito privado nos centramos na actuação de um sujeito ou grupo de sujeitos, aqui analisamos a actuação do Estado sobre os seus cidadãos ( há um maior fosso entre as duas “partes”, que, para a segurança da parte mais “fraca”, deve ser meticulosamente legitimado.).
                     O objectivo do instituto será o de permitir o direito da necessidade. Logo, vigorando o estado de necessidade, certos comportamentos do poder político que, em situações de normalidade seriam ilícitos, são considerados lícitos.
                  Que razões suficientemente fortes “autorizarão” o poder político a violar a própria Constituição? Que razões sustentam a existência do artigo 19º CRP ?
                A doutrina considera que os detentores do poder político estão legitimados para agir em estado de necessidade quando a “alma” do estado está em perigo e,portanto, em nome da salvaguarda dos princípios basilares do Estado, é legítimo, em casos, colocar em segundo plano certos direitos fundamentais individuais. Esta ideia remonta so século XVI. 
               Em Inglaterra, na corte, foram enunciados do seguinte modo os poderes do Rei: “ The King of England exercises two powers, the ordinary and legal and the one royal and absolute”. Os defensores da existência da figura em questão, adoptam esta teoria como teoria de base, obviamente transpolada para o Estado de Direito Democrático do século XXI. Desse modo, nasce da aplicação de um direito aparentemente inconstitucional mas, dadas as circunstâncias do caso, considerado constitucional, um direito específico – o direito da necessidade.  
               Embora este direito da necessidade seja um direito excepcional apenas aplicado em circunstâncias anormais, é importante ter em consideração que não se actua nem à margem do direito nem à margem da Constituição; a nossa CRP prevê tais situações de excepção no seu artigo 19º. Para além de tipificar as situações de estado de necessidade admitidas na nossa ordem jurídica, a CRP também tipifica os fenómenos passíveis de desencadear tais mecanismos, como forma de garantir a excepcionalidade do seu recurso. A nossa lei fundamental considera a agressão efectiva ou iminente por forças estrangeiras, a perturbação da ordem constitucional democrática e a calamidade pública como únicos fundamentos da activação do mecanismo constitucional em estudo.
                Durante a vigência do direito da necessidade, a que princípios estará o Estado imperativamente obrigado a obedecer ?       
                A doutrina enumera alguns como: o princípio da tipicidade dos pressupostos do estado de necessidade, o princípio da intangibilidade de certos direitos fudamentais, o princípio da proporcionalidade, o princípio do controlo da constitucionalidade do estado de excepção bem como o princípio do controlo jurisdicional das medidas tomadas.
                Sinteticamente estudado o regime e âmbito do estado de necessidade constitucional cabe fazer uma pequena apreciação crítica, antes de partir para a análise do estado de necessidade no direito administrativo.
                Como notámos, o direito da necessidade tem como principal finalidade reger situações de excepção, tornando, à luz da CRP, lícitas as actuações dos orgãos de soberania que violem princípios constitucionais. Mas, será realmente muitíssimo complicado prever todas as situações de excepcionalidade, prever todos os procedimentos e actuações , como se de situações de normalidade se tratasse. Isso sería, na minha opinião, uma subversão do objectivo da figura do estado de necessidade. Há que notar que não é só direito legítimo aquele que é infimamente positivado, também é direito legítimo aquele baseado em princípios, valores e bom senso. Portanto, não será correcta a existência de uma margem de manobra por parte do poder político, para, nestas situações, poderem, respeitando os princípios basilares do nosso Estado, agir o mais rapida e eficazmente possível ? Sou da opinião que sim. 
               Nestas situações considero que a prevalência da espontaneidade de acção em detrimento da segurança jurídica, originada pela densa positivação normativa, será o mais benéfico para todo o Estado. Só esta inversão de hierarquias poderá tornar a acção estatal mais rápida e eficaz, sem prejuízo de sindicância a posteriori.
                No direito administrativo Português, o estado de necessidade foi, à algumas décadas teorizado por MARCELLO CAETANO.
                Partindo do princípio da legalidade como princípio estruturante do direito administrativo nacional, o Professor considerou casos em que : “(...) se opera à extinção de direitos validamente, apesar de se ter suprimido todo o processo que a lei reputava essencial para que se produzissem tais efeitos na ordem jurídica: esses casos são aqueles em que a vida jurídica decorre do estado de necessidade”. Foi teorizado o estado de necessidade como causa da exclusão da ilicitude de acções da Administração, à semelhança do que notámos para o estado de necessidade no direito privado e no direito constitucional.
                O Prof. MARCELLO CAETANO viu tal figura como uma clara preferência do fim a atingir, urgente e legal, em detrimento dos meios, inadequados e burocráticos dada a excepcionalidade da situação. Chamou-lhe o "princípio do valor maior do fim a atingir".
                É agora possível teorizar o estado de necessidade num patamar um pouco diferente daquele considerado pelos constitucionalistas: não estará (apenas) em causa a violação da Constituição formal, estará, para além disso, em causa uma colisão de interesses em que, prevalecerá, momentaneamente, o interesse público. Tal prevalência dá-se por uma, passo a redundância, legal excepção ao princípio da legalidade administrativa.
                 Como pressupostos desta figura, o Prof. considerava a existência de um perigo iminente e actual ( 1º pressuposto), a ameaça de interesses colectivos que importa esconjurar ou atenuar ( 2º pressuposto) e, por fim, a urgência das medidas a tomar (3º pressuposto).
                  E,até onde irá a competência da Administração Pública, agindo em estado de necessidade? 
            O Prof. MARCELLO CAETANO apenas previu, que esta, agindo de acordo com os pressupostos, possa desrespeitar regras procedimentais no exercício das suas competências. Não se previu uma excepcional competência legislativa subsidiária, nem a elaboração de actos administrativos violando normas de competência, nem tão pouco, previu a sujeição das medidas de excepção a um conjunto de princípios como os teorizados a propósito do estado de necessidade constitucional. 
                 Não terá sido esta teorização demasiado limitada, dado a génese da figura? 
               Haverá alguma influência do período histórico em que o Prof. teorizou o estado de necessidade administrativo, revelando uma desnecessidade efectiva em procedimentalizar as situações de excepção? À frente tentaremos responder a estas perguntas mas, podemos antecipar a ideia subjacente ao problema muito bem reflectida na frase de MARNOCO E SOUSA: “Se o antigo regime não conheceu o estado de sítio foi porque não conheceu o estado de liberdade”
            Mais recentemente e, acolhendo os ensinamentos de MARCELLO CAETANO, EHRADT SOARES teoriza o estado de necessidade, com a interessantíssima particularidade de prever a assumpção de actividades administrativas por parte dos particulares.
                Teorizada a base deste direito da necessidade, regressamos ao artigo 3º CPA, de onde partimos. Que ideias retirar?
                A primeira consideração a fazer será que, embora o CPA preveja expressamente a preterição do procedimento administrativo, quando a Administração Pública aja em estado de necessidade, considerar-se-ão tais actos válidos, com o suporte constitucional do artigo 266º/2 CRP.
          Outro sector da doutrina, nomeadamente o Prof. MARCELO REBELO DE SOUSA, vê consignado, neste art.3º, o princípio do direito da necessidade da Administração Pública e considera-o mesmo como a base legitimadora para as actuações da Administração Pública que não respeitem o procedimento administrativo.       
    Destas considerações concluímos que, por força, em primeiro lugar do art.266º CRP e, em segundo lugar do art.151 CPA, está consagrado que o direito administrativo está vinculado, em primeiro lugar à CRP e, só depois, à legislação ordinária sobre procedimento. Logo, parece que a CRP se torna a primeira base legitimadora da existência do direito da necessidade.
    O mesmo artigo 3º CPA não estabelece os pressupostos a obedecer para a verificação do instituto,mas, doutrinariamente estão consagrados. 
    Corresponderão, hoje em dia, aos mesmos teorizados pelo Prof. MARCELLO CAETANO?
    Actualmente aceita-se a urgência da decisão (1º pressuposto), sendo, de outro modo impossível cumprir as formalidades procedimentais; a obediência ao princípio da proporcionalidade (2º pressuposto), como garante que os resultados atingidos são adequados às circunstâncias.
   Numa primeira conclusão, parece que o sistema de pressupostos é menos completo e diverge do apresentado pelo Prof. MARCELLO CAETANO. Diverge essencialmente em dois pontos: não prevê um conjunto de acontecimentos que leve à excepcionalidade da situação mas, por outro lado, faz uma importante referência ao princípio da proporcionalidade. É de aplaudir esta referência, tal prova que, mesmo em situações de suspensão da legalidade ( de um ponto de vista formal), a Administração Pública não está autorizada a preterir princípios básicos e essenciais do nosso Estado de Direito. Garante-se o máximo de controlo possível, dada a anormalidade de circunstâncias.
   Embora o CPA não elenque os acontecimentos que motivarão o estado de necessidade administrativo, como elenca a CRP, o decreto de lei nº 48.051 de 21 de Novembro de 1967, regula a responsabilidade do Estado e das demais pessoas colectivas públicas por danos resultantes de actuações em estado de necessidade que, considera como pressuposto, para além dos demais referidos, o facto de a situação ser motivada por imperioso interesse público. Deste modo, é visível a aproximação do sistema actual de pressupostos ao proposto, há décadas, pelo Prof.CAETANO.
   Na minha opinião, tal pressuposto, uma vez que estabelece o ponto de partida para a actuação administrativa em estado de necessidade, não deve ser desconsiderado, embora, seja passível de fundamentação a sua presença (implicita) no art.3 do CPA.
   Tendo em conta tudo o considerado, há ainda um reparo a fazer, desta vez pelas vozes dos Profs. MARIA DA GLÓRIA GARCIA e FREITAS DO AMARAL: não haverá que referir excepcionalidade da situação ?
  Como se viu, no direito constitucional a excepcionalidade é pressuposto da actuação em estado de necessidade. Os Profs. consideram pertinente estabelecer aqui um paralelo com o direito constitucional, dada a estreita ligação entre os dois institutos. A excepcionalidade da situação deverá resultar de um deficiente funcionamento do aparelho administrativo (normal) em “combater” a situação, justificando a aplicação do já referido, direito da necessidade.
Embora já explicitado, não é demais destacar que todo o processo em estudo se desenrola no âmbito da excepcionalidade. Isto permite destacar o estado de necessidade de figuras próximas como a urgência; que muito sucintamente pode ser definida como a actuação da administração resultante de processo especial, previsto especificamente para ser mais expedito que o normal. Não será correcto confundir a especialidade deste instituto com  a excepcionalidade do estado de necessidade, estamos em patamares diferentes. O procedimento urgente insere-se ainda dentro da situação de normalidade, e todo o seu procedimento está previsto. No estado de necessidade o procedimento não está previsto, é difícil prevê-lo ( pelo menos, eficazmente para todas as hipotéticas situações excepcionais) e, de extrema importância, não é do interesse público prevê-lo. Parece-me que o espírito do instituto tem lutado pela permanência de uma área de maleabilidade, que não deve nunca ser suprimida.         
 A maleabilidade acima referida, na minha opinião, deve ser considerada o núcleo do direito da necessidade. Desta decorre que o este direito viole normas procedimentais, sem violar a legalidade do espírito da lei ( há aqui uma aproximação ao estado de necessidade do direito constitucional). Para além do mais, a maleabilidade em questão também pode ser apresentada como a causa da divergência de pressupostos para verificação do instituto, pelos diversos doutrinadores, nomeadamente o Prof. MARCELLO CAETANO, na questão que, em cima, deixei por responder. Respondo aqui: Considero que a preocupação do poder político, nos anos 60/70 não sería a de explorar pouco o instituto como forma de o utilizar conforme o seu proveito mas, penso que MARCELLO CAETANO considerou este instituto como importantíssimo para a Ciência Administrativa, dada a sua vocação para ultrapassar, legalmente, as previsões procedimentais burocráticas, que, em situações de emergência apenas se revelem prejudicais.
Parece estarmos aqui a considerar a existência “de dois pesos e duas medidas”, mas, será mesmo esse o espírito do instituto! Não é demais referir, o instituto do direito da necessidade tanto no direito civil, como no penal, constitucional ou administrativo previligia o alcance dos fins pretendidos, sacrificando os meios, caso a situação de excepcionalidade assim o verifique.
Concluindo e, abstraíndo-nos um pouco do “mundo jurídico”, se, de facto tivesse caído um míssil Norte-Coreano em Lisboa, o interesse de todo o povo Português não sería o de acorrer ao salvamento das vítimas, averiguação dos danos e , reconstrução da cidade ? E para tal sería mais importante certificarmo-nos que o bombeiro apaga fogos na área para a qual foi destacado, que a ambulância leve apenas um doente por maca e que os civis não interfiramm nas tarefas conferidas aos meios de socorro ou que, ao fim do dia, se conseguiu salvar o maior número de vidas possíveis ?

Bibliografia

CAETANO, MARCELO , Manual de Direito Administrativo
GARCIA, MARIA DA GLÓRIA e FREITAS DO AMARAL, PEDRO,  Parecer presente na revista " O Direito" de Abril de 1999.


                                                                                                    Afonso Costa Gomes
                                                                                                        2ºANO, SUB 1