A discussão sobre qual será o conceito base de toda a actividade administrativa não é nova. Com efeito, desde o seu "berço", que o direito administrativo procura delimitar a sua actuação com base num conceito central, que encerre em si a realidade da Administração. E podemos dizer que temos dois conceitos que se candidatam ao título: o acto administrativo e a relação jurídica administrativa.
O acto administrativo é o principal instrumento de trabalho da
Administração, isto porque para prosseguir o interesse público a Administração
faz escolhas e opções, que se concretizam com decisões, que são tomadas
precisamente através de actos. Perante esta noção, não será difícil compreender
porque é que os liberais optaram pelo acto administrativo como ponto central do
Direito Administrativo. O acto administrativo encaixava na perfeição na
ideia de exercício de poder e de autoridade, tão apreciada pelos revolucionários,
em nome da separação de poderes. Com efeito, o acto administrativo começou por
delimitar o espaço de acção da Administração, no qual ninguém poderia intervir,
incluindo os tribunais comuns. Contudo,
é certo que, aquando da criação de tribunais administrativos, após o famoso
conselho de Estado francês de 1799, o acto administrativo passou igualmente a
ter uma função definidora do direito administrativo, vinculando a Administração
ao direito. Começa aqui um “milagre”, que permitirá que o direito
administrativo se vá lentamente afirmando com o fim, não de proteger a próprio
administração, mas sim os particulares face à administração. Resumindo, o acto
administrativo começou primeiro por ser uma garantia da administração, e só
depois uma garantia para os particulares.
Perante esta evolução, em que aos poucos e poucos a Administração vai
perdendo o seu “trauma” liberal, e ficando cada vez mais próxima do Estado
prestador dos dias de hoje, o acto administrativo vai perdendo força, e o peso
da actividade administrativa demasiado para ser carregado pelo acto. Torna-se
urgente substituir o acto como conceito central, para algo mais amplo. Em
Itália fala-se no procedimento, e na Alemanha a relação jurídica. Entre estes
dois, claramente, se queremos um conceito que abarque a nova estrutura mais
aberta e complexa da Administração, não há dúvida de que a relação jurídica é
mais abrangente do que o procedimento, conforme veremos mais adiante. A relação
jurídica é, segundo Bauer uma “ligação constituída pelo direito entre dois ou
mais sujeitos”, neste caso, especificamente, constituída pelo direito
administrativo. Vemos então que é um conceito capaz de abarcar a realidade
actual da administração prestadora, onde os particulares têm um maior
envolvimento com a Administração Pública. O instituto da relação jurídica vence
assim as limitações do acto administrativo, adptando-se ao novo formato da
administração e, por outro lado, sem trazer grandes cortes uma vez que integra
em si mesma o acto administrativo, e o próprio procedimento administrativo.
Mas há quem sustente que, de facto sendo a relação jurídica o conceito
mais indicado para se estruturar o Direito Administrativo, isto é, para ser o
seu centro, que, nos dias de hoje já não faz sentido falar de um centro para o
direito administrativo. Isto porque se é verdade que no Direito Administrativo
a evolução se fez em direcção a uma lógica cada vez mais relacional, a verdade é
que essas relações se afirmam cada vez mais como relações jurídicas
multifacetadas, e multilaterais, e tudo isto revela uma postura aberta da nova
ciência do Direito Administrativo. Portanto, para os defensores desta nova
tese, já não faz sentido falar-se num centro para um direito administrativo com
visões amplas e atitudes de abertura em relação, nomeadamente a outros ramos do
direito, por exemplo, direito do urbanismo, ou do ambiente. Seja como for, a
verdade é que isto não invalida nem diminui o papel da relação jurídica no
Direito administrativo que, não sendo central, de acordo com estes autores é,
no mínimo, imprescindível para toda e qualquer actuação administrativa.
Concluindo, e respondendo à pergunta
inicial, a Administração é relação, ou seja, a sua actividade consiste essencialmente
em estabelecer relações com outros sujeitos de direito, agora, em que grau e até
que ponto faz sentido continuarmos a insistir num conceito central de relação
jurídica administrativa é o que se discute na actualidade.
Luísa Mendonça, nº 22000
- AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2012
- SILVA, Vasco Pereira da, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, colecção teses, 2003
0 comentários:
Enviar um comentário