sábado, 20 de abril de 2013



Acto administrativo tácito

Tour do instituto e considerações

O acto administrativo tácito surge no contexto do procedimento administrativo, numa fase em que a Administração se vê obrigada a responder, a agir face aos requisitos dos particulares como parte do seu dever de “resposta”(Princípio da decisão, artigo 9º, CPA), de celeridade (artigo 57º, CPA) e de boa administração, na defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (Princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, artigo 4º, CPA). O acto tácito surge, como explica o Professor Freitas do Amaral desta necessidade de resposta, da necessidade de existência de efeitos jurídicos mesmo fora do âmbito de um agir positivo. O acto tácito emerge para dar resposta ao silêncio da administração, na expressão poética de “agir silente”, algo que lembra, desde logo, os meandros do Direito Civil no tocante ao silêncio como meio declarativo ou como mecanismo de aceitação. No entanto, há que tecer, desde já, uma consideração como declaração de princípio: Qual a diferença entre o silêncio e a declaração tácita, ou melhor, entre a declaração silente e a declaração tácita. Têm as duas igual valor? Consomem-se numa dicotomia meramente aparente? Não chega a haver qualquer diferença relevante entre ambas? Deve haver aqui uma qualquer diferença, como aliás diz o Professor Pedro Pais de Vasconcelos: O agir tácito corresponde a um comportamento que permite extrair uma vontade que poderia ter sido expressamente veiculada, mas não foi; é, pois, perfeitamente compreensível, visando a produção de uma multiplicidade de efeitos jurídicos desejados; O silêncio é a ausência de um comportamento, é uma não acção, uma não tomada de posição que pretende a produção de efeitos jurídicos, que se subsumirão sempre ao mesmo resultado: a quebra de confiança e o abortar da relação antes estabelecida. Já os efeitos do agir tácito podem ter dois resultados diferentes, indo ou não ao encontro das pretensões de quem desencadeia o processo a que o acto se vai referir e reconduzir. Parece que só o acto tácito nos interessa, um acto administrativo que não é nem pode ser silente, não se pode identificar com o silêncio porque o silêncio não é acto, é um não acto, um anti-acto, uma ausência de vontade de agir. Quando o silêncio corresponde a um agir por omissão ele não é já silêncio, é acção. Assim, se conclui que acto administrativo tácito só por conveniência de linguagem poderá ser chamado de acto silente ou de acção silenciosa da Administração Pública. A Administração não é um agente stealth, nem furtivo que busca agir nas sombras.    
Feita esta ressalva que esperamos ter levantado um pouco de poeira confundido, ou pelo menos posto a pensar o leitor, reflitamos agora sobre o ponto que ajudará a contextualizar a discussão que temos em diante. Pensemos, pois, sobre a tutela dos interesses dos particulares face à Administração Pública, mormente no quadro da procedimentalização do direito administrativo. Esta tutela começou por ser feita segundo uma lógica impugnativa, se quisermos, nas malhas do contencioso administrativo. A Administração age, dando deferimento ou não às pretensões dos particulares, e é essa acção que os particulares poderão, a posteriori, contestar. Aqui a palavra certa é acção, agir de forma positiva. É, aliás, o que decorre dos artigos do CPA (Código de Procedimento Administrativo) que procuram definir o acto administrativo. Não é muito clara a orientação seguida pelo artigo 120º, que parece conseguir apontar quer para o acto expresso, quer para o acto tácito. Apenas se refere a decisões da Administração Pública ao abrigo de normas de direito público que visem a produção de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (os Professores André Salgado de Matos e Marcelo Rebelo de Sousa dissecam esta definição por isso remetemos para lá as mais importantes considerações sobre o assunto). No entanto, os artigos subsequentes, quando se referindo à necessidade de fundamentação parecem remeter para uma lógica de acção positiva e não para a omissão já que obrigam a Administração a fundamentar o porquê da orientação da decisão (artigos 123º e seguintes).
Do que dissemos decorre, desde logo, uma preferência lógica da lei pelo acto expresso. Se por nada mais, por uma necessidade de ir ao encontro do princípio da prossecução do interesse público (indissociável de uma noção de dever de boa administração), que obriga a Administração Pública a agir e a fundamentar a sua actuação. Mais ainda, cabe referir certos momentos do procedimento administrativo que contribuem para vincar esta ideia de actos administrativos expressos, mormente no que à participação dos particulares diz respeito, sobretudo na sua função fiscalizadora da actividade administrativa.
Mas então qual o lugar do acto administrativo tácito no quadro da Administração Pública? Vejamos a sua evolução, onde se encontra este instrumento de “actuação” e qual o seu papel no seio da moderna Administração Pública.
Então como surge esta “omissão indevida de um acto administrativo cuja emissão foi solicitada, à qual a lei associa efeitos sucedâneos dos que resultariam da prática do acto administrativo omitido”- in Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos (Direito Administrativo Geral)? Esta figura aparece numa fase intermédia do tratamento das questões ligadas às omissões administrativas, assente na lógica do privilège du préalable, de Maurice Hauriou. Este comporta, de forma sintética, dois elementos principais. Em primeiro lugar, o facto da administração beneficiar da possibilidade de impor a sua vontade segundo prerrogativas de autoridade, pelos seus próprios meios sem ter de recorrer a autorização judicial. Em segundo lugar, essa actuação produz efeitos jurídicos finais tendo carácter executório. Assim, não se admite, mesmo perante a omissão, a pura e simples condenação jurisdicional da administração à sua emissão, por se entender que isso violaria o principio constitucional da separação de poderes. O que sucederia é que a lei permitiria ao particular a utilização dos trâmites legais normais de impugnação do acto administrativo para que se iniciasse nova fase procedimental que poderia culminar com a condenação da Administração à prática de um acto com o conteúdo previsto na sentença anulatória. Assim, sucedia que a omissão para efeitos de decisão administrativa operava como um indeferimento do requerimento do particular, ou seja, haveria lugar a um indeferimento tácito. Não se tolerava um vazio de direito, antes se previa que nesse buraco negro, perigoso, surgisse como que por um passo de mágica, um acto administrativo de valor negativo, que negaria as pretensões do particular mas ao menos dar-lhe-ia maior segurança do ponto de vista jurídico. Este processo tinha utilidade por conferir à Administração o direito e dever de, em caso de anulação daquele acto por sentença judicial, reabrir o processo por forma a rever a sua atitude e produzir um acto de facto e de iure, respondendo ao pedido inicial do particular de forma mais proactiva. É o momento do Indeferimento Tácito.
Mais tarde, evoluiu-se para outro momento, um momento caracterizado pela previsão de situações de facto em que, à omissão da prática administrativa, ou seja, à falta da emissão de um acto administrativo, se associa um significado positivo de permissão, atribuindo ao particular exactamente o que este procurava no desencadeamento do procedimento administrativo. No fundo, a Administração, consciente ou inconscientemente, atribuía ao particular a faculdade de levar por diante a sua pretensão sem nunca interagir com a Administração. É a aplicação prática do provérbio popular, feito princípio procedimental, “Quem cala consente! E quem não sente não é filho de boa gente”. Todos sabemos, por certo, a pureza da ascendência da Administração Pública, que não é, por isso, condizente com uma abordagem fria da tarefa de resposta aos particulares. A diferença mais gritante entre a primeira e a segunda figuras é no plano dos efeitos, já que, o indeferimento tácito é sobretudo eficaz a nível procedimental, chamando o particular a propor a sindicância das suas posições jurídicas exigindo a revisão da “decisão” administrativa no patamar do gracioso ou do contencioso; Já o deferimento tácito vê os seus mais relevantes efeitos materializados no plano substantivo, já que atribui ao particular a faculdade de iure e de facto de agir em conformidade com a “decisão” tomada (v.g. através do inicio da construção de um empreendimento).  
Na esteira do que vinha sendo a tradição legislativa, o fazedor de leis português consagrou como regra geral no CPA o indeferimento tácito (artigo 109º/1), abrindo espaço para o deferimento tácito nos casos expressamente previstos na lei (artigo 108º/1 e 3). Sem querer dizer qual a solução que faz mais sentido, compreende-se a solução propugnada pelo legislador luso. A insegurança para a Administração, decorrente da atribuição de uma faculdade ao particular de materializar o conteúdo subjacente ao seu requerimento, seria enorme. Sem saber, a Administração Pública concede autorizações para a desvirtuação do meio jurídico e ambiental, aceitando que o particular tenha poder para o alterar. Daí que se entenda a preferência, talvez conservadora, pelo indeferimento tácito como regra geral. 
No entanto, surge um problema decorrente da reforma do CPTA (Código de Processo nos Tribunais Administrativos) de 2004, com os  artigos 46º/2, b) e 66º a 71º, a consagrarem a possibilidade de condenação da Administração Pública à prática de actos devidos, revogando na opinião dos Professores Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, os artigos 109º e 175º do CPA. Desta forma, torna-se o deferimento tácito a regra geral. Sinceramente, não se vê razão para que haja aqui qualquer revogação. Parece haver, tão somente, a confirmação da possibilidade de exigir à Administração Pública a prática de um comportamento, caso o indeferimento seja ilícito. Dai a afirmar-se com tanta certeza da revogação do preceito vai uma grande distância que não estamos, respeitosamente, preparados para correr. Até porque esta parece ser a solução consagrada na lei alemã, confirmando apenas, na nossa opinião, uma mecanismo alternativo ao particular, que peca pelos mesmos motivos que o instituto do indeferimento ou deferimento tácitos: o tempo. Se o objectivo desta reforma era o de criar uma tramitação mais acelerada então ela vai, pelo menos no princípio do procedimento, falhar, já que, é necessário para a sua efectivação que se extinga o tempo máximo permitido para que a Administração actue, esfumaçando-se, desta feita, o propósito da reforma. Não há, pois, uma tão grande diferença entre um processo e outro pela simples razão de ambos partirem da procrastinação da Administração. Apenas farão sentido se utilizados em conjunto, já que o resultado da acção de condenação poderem ser mais justos para o particular, podendo, contudo colocar problemas no campo da separação de poderes… 
Vejamos o que se faz lá fora. João Almeida da Silveira, faz um retrato daquela que é a situação em alguns centros jurídicos da Europa. 
Em França, o regime geral é o do indeferimento tácito, já desde o longínquo ano de 1864, quando um decreto de 2 de Novembro, desse ano, consagrou tal entendimento, como forma de atribuir aos particulares um mecanismo que lhes permitisse em tempo útil reagir contra a Administração Pública, preenchendo de alguma forma o silêncio da máquina administrativa. Este preceito foi sofrendo sucessivas alterações criando uma esfera mais abrangente de situações que cabem na previsão da norma. Curiosamente, foi o deferimento tácito a ser primeiramente consagrado na lei francesa. Foi em 1927 que surgiu o primeiro exemplo da consagração do instituto referindo-se a questões de delimitação do direito de propriedade em relação aos vizinhos. Hoje em dia o direito francês vem considerando, mais ou menos de forma unívoca, duas situações: Actos referentes à aprovação ou rejeição de outros actos, entendendo-se que em caso de silêncio por parte de outros órgãos da Administração o acto dava-se como aprovado; Determinados tipos de autorização consagrados de forma avulsa pela legislação, como pedidos de construção, de demolição, de autorização para estacionamento ou loteamento, à semelhança do que sucede com o direito português mas de modo mais difuso, em Códigos do Urbanismo, por exemplo, sem uma consagração de ordem genérica.       
CONTINUA


Ricardo Lira Gonçalves
21964,

PEREIRA, André Gonçalves, O Erro e Ilegalidade no Acto Administrativo, Ática 1952
MACHETE, Rui de, O acto confirmativo de acto tácito de indeferimento e as garantias de defesa contenciosa dos administrados, Ática 1973
AMARAL, Diogo Freitas do, Curso de Direito Administrativo II, Almedina, 2ª Edição, 2011
SOUSA, Marcelo Rebelo de; MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral III, Actividade Administrativa, Dom Quixote, 1ª Edição 2007
SILVEIRA, Tiago Almeida de, O Deferimento Tácito, Tese de Mestrado, Outubro de 1999
CAETANO, Marcello, Poderá o Acto Tácito ser alvo de Impugnação Contenciosa?in Revista o Direito, ano 68, 1936

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