O “Nascimento” do Contrato Administrativo
O contrato administrativo surgiu
em França, como não poderia deixar de ser, e afirmou-se sobretudo em meados do
século XX, no âmbito da mudança de paradigma no Direito Administrativo, nomeadamente
com a passagem da Administração autoritária para a Administração prestadora, na
medida em que se tornou cada vez mais inevitável a celebração de contratos entre
a Administração Pública e os particulares, de forma a garantir a satisfação do
cada vez maior acervo de necessidades públicas.
A doutrina tradicional alemã e italiana
considerava que, pela própria definição conceptual de poder administrativo, não
seria aceitável a existência de contratos de direito público, na medida em que
os actos administrativos eram actos de carácter unilateral e imperativo. Este
ponto de vista é facilmente entendido se tivermos em conta o elemento
histórico, na medida em que a Administração desta fase era de cariz
autoritário, com privilégios exorbitantes.
Curiosamente, a doutrina francesa
conseguiu aceitar a existência dos contratos de direito público e manter o
autoritarismo característico da Administração da época, o que, a meu ver, é uma
visão inteligente do “problema” da existência de contratação pública. Assim, possuindo a
Administração Pública poderes para praticar actos unilaterais e imperativos,
poderia celebrar contratos com entes de direito privado mas aplicar um regime
especial, de forma a garantir que esses poderes se mantivessem. O Professor
Marcelo Rebelo de Sousa dá o exemplo de um contrato de concessão de iluminação
pública a gás que, dada a evolução tecnológica, nomeadamente a possibilidade de
haver um concessionário que fornecesse energia eléctrica, se tornava ineficiente. A doutrina francesa entendia que
a Administração poderia proceder a uma modificação unilateral e autoritária do
contrato de concessão em causa, de modo a adequá-la à alteração superveniente
do interesse público, pelo que continuaria a Administração a beneficiar, na
medida em que o concessionário é mais eficiente a produzir iluminação do que a
Administração, pelas leis da Economia, e esta pode sempre impor a sua vontade,
em nome da prossecução do interesse público.
Assim, em termos gerais, podemos
concluir que a ideia dominante era a de que a Administração Pública não podia
contratar da mesma forma do que os particulares, na medida em que estes entes
se encontrariam em posições de desigualdade, pelo facto da administração ter o
poder de unilateral e imperativamente modificar ou extinguir o contrato, pelo
que o contrato administrativo teria logicamente de ser diferente do contrato privado. Ainda
assim, doutrina minoritária refutava esta tese, alegando que no Direito Privado
nem sempre as partes contratantes estariam em posição de igualdade, na medida em
que um particular podia contratar com uma grande empresa e esta última estaria largamente
em vantagem, na medida em que conseguia uma maior influência e envolvimento em lobbies, e imporia a sua vontade. Esta doutrina minoritária basicamente refutava o principio da igualdade entre as partes, apontado como uma das características do contrato pelos privatistas, defendendo então que a Administração Pública poderia contratar nos mesmos moldes do que os privados. Obviamente, esta tese não prossegue, na medida em que a Administração Pública tem características particulares, que justificam uma contratação diferente da contratação privada (desde logo pela prossecução do interesse público, embora este não seja o melhor critério) o que decorre do próprio princípio da igualdade, pelo que o igual deve ser tratado por igual, e o desigual de forma desigual.
Mais tarde, com o Estado social,
em meados do século XX, tornou-se impossível à Administração Pública levar a
cabo a sua actividade sem a contratação, na medida em que aumentaram
substancialmente as necessidades públicas para esta satisfazer, daí que se
assista a uma generalização da utilização do contrato por parte da
administração. A grande questão que desde então se coloca é saber se, sendo a
contratação pública distinta da contratação privada, qual o critério a seguir
para proceder a essa distinção. Nesta fase, já nem se coloca em questão a
existência da contratação pública, porque a Administração prestadora não
subsiste sem esta figura.
Mariana Baptista de Freitas.
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