sexta-feira, 19 de abril de 2013

O “Nascimento” do Contrato Administrativo

O contrato administrativo surgiu em França, como não poderia deixar de ser, e afirmou-se sobretudo em meados do século XX, no âmbito da mudança de paradigma no Direito Administrativo, nomeadamente com a passagem da Administração autoritária para a Administração prestadora, na medida em que se tornou cada vez mais inevitável a celebração de contratos entre a Administração Pública e os particulares, de forma a garantir a satisfação do cada vez maior acervo de necessidades públicas.
A doutrina tradicional alemã e italiana considerava que, pela própria definição conceptual de poder administrativo, não seria aceitável a existência de contratos de direito público, na medida em que os actos administrativos eram actos de carácter unilateral e imperativo. Este ponto de vista é facilmente entendido se tivermos em conta o elemento histórico, na medida em que a Administração desta fase era de cariz autoritário, com privilégios exorbitantes.
Curiosamente, a doutrina francesa conseguiu aceitar a existência dos contratos de direito público e manter o autoritarismo característico da Administração da época, o que, a meu ver, é uma visão inteligente do “problema” da existência de contratação pública. Assim, possuindo a Administração Pública poderes para praticar actos unilaterais e imperativos, poderia celebrar contratos com entes de direito privado mas aplicar um regime especial, de forma a garantir que esses poderes se mantivessem. O Professor Marcelo Rebelo de Sousa dá o exemplo de um contrato de concessão de iluminação pública a gás que, dada a evolução tecnológica, nomeadamente a possibilidade de haver um concessionário que fornecesse energia eléctrica, se tornava ineficiente. A doutrina francesa entendia que a Administração poderia proceder a uma modificação unilateral e autoritária do contrato de concessão em causa, de modo a adequá-la à alteração superveniente do interesse público, pelo que continuaria a Administração a beneficiar, na medida em que o concessionário é mais eficiente a produzir iluminação do que a Administração, pelas leis da Economia, e esta pode sempre impor a sua vontade, em nome da prossecução do interesse público.
Assim, em termos gerais, podemos concluir que a ideia dominante era a de que a Administração Pública não podia contratar da mesma forma do que os particulares, na medida em que estes entes se encontrariam em posições de desigualdade, pelo facto da administração ter o poder de unilateral e imperativamente modificar ou extinguir o contrato, pelo que o contrato administrativo teria logicamente de ser diferente do contrato privado. Ainda assim, doutrina minoritária refutava esta tese, alegando que no Direito Privado nem sempre as partes contratantes estariam em posição de igualdade, na medida em que um particular podia contratar com uma grande empresa e esta última estaria largamente em vantagem, na medida em que conseguia uma maior influência e envolvimento em lobbies, e imporia a sua vontade. Esta doutrina minoritária basicamente refutava o principio da igualdade entre as partes, apontado como uma das características do contrato pelos privatistas, defendendo então que a Administração Pública poderia contratar nos mesmos moldes do que os privados. Obviamente, esta tese não prossegue, na medida em que a Administração Pública tem características particulares, que justificam uma contratação diferente da contratação privada (desde logo pela prossecução do interesse público, embora este não seja o melhor critério) o que decorre do próprio princípio da igualdade, pelo que o igual deve ser tratado por igual, e o desigual de forma desigual.
Mais tarde, com o Estado social, em meados do século XX, tornou-se impossível à Administração Pública levar a cabo a sua actividade sem a contratação, na medida em que aumentaram substancialmente as necessidades públicas para esta satisfazer, daí que se assista a uma generalização da utilização do contrato por parte da administração. A grande questão que desde então se coloca é saber se, sendo a contratação pública distinta da contratação privada, qual o critério a seguir para proceder a essa distinção. Nesta fase, já nem se coloca em questão a existência da contratação pública, porque a Administração prestadora não subsiste sem esta figura. 


Mariana Baptista de Freitas.

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