A ilegalidade
dos actos administrativos deve ser entendida como uma ilegalidade ampla, que
engloba o respeito por todo o bloco legal que incide sobre o acto.
Um acto
administrativo pode sofrer de ilegalidade orgânica, formal ou material. Os
vícios (formas específicas que a ilegalidade pode assumir) que conduzem à
ilegalidade orgânica são os vícios de usurpação de poderes e de incompetência.
Os vícios resultantes em ilegalidades formais são precisamente os vícios de
forma, enquanto a ilegalidade material pode ocorrer por desvio de poder ou
violação da lei(em sentido estrito).
Alguma
doutrina, baseando-se no artigo 268º/4 da CRP, defende que é desnecessária a
especificação do vício, bastando a invocação da ilegalidade e a demonstração da
lesão.
O Professor
Freitas do Amaral, por sua vez, afasta-se desta posição na medida em que
considera a especificação dos vícios essencial por motivos de celeridade
processual, clareza e economia. O Prof. entende também que não cab à CRP se debruçar sobre questões técnicas a
não ser que as mesmas ofendam direitos fundamentais. Ora, quanto a esta
questão, estaríamos de facto perante um problema caso um erro inicial na
qualificação do vício não pudesse vir a ser sanado e pusesse em causa a
validade do procedimento da invocação da ilegalidade. Tal não acontece, logo,
não haveria motivo para retirarmos tal conclusão do dito artigo. Completando a
posição do Professor, temos os artigos 78º/2g, 85º/3 e 95º/2 do CPTA, os quais
estabelecem a exigência de exposição dos factos e razões que fundamentam a
acção e referem-se a “causas de invalidade”.
Afastando a
dúvida quanto à necessidade de qualificação específica, passemos à análise dos
5 vícios.
Usurpação de poder:
A usurpação de
poder consiste numa violação do princípio da separação de poderes, através da
prática por um órgão administrativo de um acto que caiba ao:
- Poder legislativo (ex: a
criação de um imposto por acto administrativo, em violação do artigo 165º/1g da
CRP)
- Poder moderador (ex: um
despacho do Primeiro-Ministro a demitir um funcionário da Presidência da
República)
- Poder judicial (ex: deliberação
de uma Câmara Municipal que declare a nulidade de um contrato civil)
Incompetência:
Estamos
perante um caso de incompetência quando um órgão administrativo pratica um acto
pertencente a outro órgão administrativo.
A
incompetência pode ser relativa ou absoluta conforme se reporte a actos
pertencentes a outro órgão da mesma pessoa colectiva ou a outra pessoa
colectiva ou ministério.
Outro critério
de distinção é o da incompetência em razão da hierarquia, da matéria, do lugar
e do tempo. Um exemplo da primeira é o caso de um subalterno praticar actos da
competência do superior. Temos incompetência em razão do lugar por exemplo no
caso de uma Câmara Municipal praticar actos da competência de outra. A
incompetência em razão da matéria resulta de actos praticados em desrespeito
pela distribuição das atribuições em função da natureza do assunto. A incompetência
em razão do tempo deriva da regra geral, segundo a qual os actos
administrativos são praticados em relação ao presente.
Os vícios de
incompetência e de usurpação de poderes têm conceitos próximos mas
distinguem-se no sentido em que usurpação de poderes implica invasão da esfera
de outro poder do Estado, enquanto incompetência só inclui actos pertencentes a
outra autoridade administrativa.
Vício de forma:
Este vício
consiste na carência de forma legal e na preterição de formalidades essenciais
anteriores à prática do acto (p.e: audiência prévia) ou relativas à prática do
acto (p.e: regras de votação). As formalidades posteriores geram apenas
ineficácia, visto que a validade do acto administrativo se afere consoante a
conformidade com o ordenamento jurídico no momento em que o acto é praticado.
Violação da lei:
Estamos
perante violação da lei quando existe uma discrepância entre o conteúdo ou
objecto do acto e a norma que lhe é aplicável. Existem várias modalidades de
violação da lei:
- falta de base legal
- erro na interpretação,
integração ou aplicação das normas
- incerteza, impossibilidade e
ilegalidade do conteúdo do acto
- incerteza, impossibilidade e
ilegalidade do objecto do acto
- inexistência ou ilegalidade dos
pressupostos relativos ao conteúdo ou objecto
- ilegalidade dos elementos
acessórios incluídos no acto (condição, termo e modo) desde que a ilegalidade
seja relevante
- qualquer outra ilegalidade que
não caiba nos restantes vícios
Desvio de poder:
Existe desvio
de poder quando no exercício de um poder discricionário, haja uma discrepância
entre o fim legal e o fim real. Para averiguar se há ou não desvio de poder, há
que apurar qual o fim visado pela lei ao atribuir tal poder (fim legal); qual o
fim de facto prosseguido com a prática do acto (fim real); se existe
coincidência ou não entre os dois. Não existindo, trata-se de desvio de poder.
Distingue-se
entre desvio de poder para fins de interesse público e para fins de interesse
privado. Para haver anulação com base no 1º caso, basta que haja erro, enquanto
a anulação no 2º caso exige a existência de dolo.
Esta distinção
é no mínimo bizarra na medida em que basta procedermos a uma análise partindo
do senso comum para concluirmos que o 2º caso é bem mais grave, devendo bastar
o erro para invocar a anulabilidade.
O desvio de
poder é um vício próprio do poder discricionário, enquanto a violação da lei,
contrariamente àquilo que se defendia até há pouco tempo, pode existir em
relação a poderes vinculados e a poderes discricionários, não obstante ser
logicamente mais comum nos primeiros. Existe violação de lei na prática de
poderes discricionários quando haja violação dos princípios gerais que
condicionam ou limitam o acto discricionário, como o princípio da imparcialidade,
da boa fé, da justiça, da igualdade e da proporcionalidade.
0 comentários:
Enviar um comentário