Nulidade ou Anulabilidade?
Desde sempre que as teses objectivistas e subjectivistas conflituam em relação ao funcionamento da administração pública, essencialmente os primeiros defendem que o fim da administração é prosseguir o interesse público e esta prossecução pode ou não beneficiar o particular. Os segundos defendem uma administração em que o fim seja o benefício do particular.
Sendo estas teses tao diferentes, conflituam em imensos aspectos do funcionamento da administração, este texto tem como fim modesto reflectir sobre qual a sanção a aplicar ao acto que no seu procedimento faltou a audiência prévia dos interessados ou ao acto que não foi fundamentado.
A audiência prévia dos interessados é a fase do procedimento em que é assegurado aos interessados num procedimento o direito de participarem na formação das decisões que lhes digam respeito.
Esta está prevista nos artigos 100º a 105º do código do procedimento administrativo, concretiza dois princípios formalizados neste código, o principio da colaboração da administração com os particulares ( art 7º, nº1, alínea b ) e o principio da participação (art 8º).
Este instituto tem ainda consagração constitucional no art 267º,nº5 “ O processamento da actividade administrativa (…) assegurará (…) a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito”
A audiência prévia tem funções subjectivas e objectivas: as primeiras são as de evitar decisões-surpresa para os particulares e de facultar aos particulares uma oportunidade para fazerem valer as suas posições e os seus argumentos no procedimento. As segundas as de auxiliar a administração a decidir melhor, de modo mais consensual e em conformidade com o bloco da legalidade.
A lei manda praticar as formalidades da audiência previa dos interessados, em regra, sempre que administração se incline para uma decisão desfavorável aos interessados ( art 103º,nº2, alínea b a contrario)
Contudo, existem situações em que não há lugar a audiência previa ( art 103º,nº1) ou em que esta pode ser dispensada(art 103ºn2)
Dever de fundamentação:
A fundamentação consiste na explicitação dos motivos de facto e de direito que levaram o autor do acto a sua adopção (art 125º,nº1?
Esta formalidade tem como funções:
-esclarecer os particulares,
-Conferir publicidade e transparência à actividade da administração publica,
-Incentivar a administração a que forme adequadamente as suas decisões,
-Permitir o controlo da administração pública
Em relação aos actos administrativos sujeitos a fundamentação, a constituição no art 268º,nº3 exige que os actos desfavoráveis sejam fundamentados. O cpa alargou substancialmente este elenco, para alem daqueles ( art 124º,a), os actos que decidam reclamação ou recurso ( art 124º,nº1, b), os actos que decidam em contrario de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial (art 124º,nº1, c) e os actos que decidam de modo diferente da pratica habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais (art 124º,nº, d, CPA)
A exigência de fundamentação não depende da forma do acto, pois os actos orais também devem ser fundamentados. O Particular pode contudo exigir a redução a escrito da fundamentação para efeitos de impugnação contenciosa ( art 126º,nº1 CPA)
A fundamentação tem de preencher vários requisitos:
-Tem de ser expressa (art 268º,nº3 CRP e 125º.nº1 CPA) no sentido de não ser admissível uma fundamentação que apenas se infira de outros aspectos do acto ou procedimento administrativo
-ser sucinta, o que proíbe fundamentações extensas ( art 125º,nº1 CPA)
-ser clara, o que proíbe fundamentações obscuras (art 125º,nº2 CPA)
-ser congruente, o que proíbe fundamentações contraditórias, quer em si mesmas, quer em relação à decisão contida no acto (art 125º,nº2 CPA)
-ser suficiente, os motivos aduzidos devem chegar para que o particular compreenda as razões da prática do acto (art 125º,nº2 CPA)
-acessível, no sentido de que designadamente nos casos de fundamentação por homologação, o acesso dos particulares à fundamentação não pode ser impedido ou dificultado em virtude da separação física entre o documento que contem a decisão e aquele que contem a fundamentação (art 268º,nº3 CRP)
Quais as consequências de um procedimento sem audiência prévia ou de um acto sem fundamentação?
Esta é mais uma querela que separa objectivistas e subjectivistas.
Para os primeiros, a falta de audiência prévia ou de fundamentação produz mera anulabilidade porque consideram que os direitos subjectivos públicos de audiência dos interessados e de fundamentação são direitos de grande importância no sistema de protecção dos particulares face a administração pública mas não se incluem no elenco de direitos fundamentais, que são direitos mais ligados à protecção da dignidade da pessoa humana.
Esta tese é defendida em Portugal pelo professor Diogo Freitas do Amaral e é seguida pelo supremo tribunal administrativo
Para os segundos a preterição destas formalidades deve ser cominada com a nulidade do acto com base no art 133º,n2, alínea b CPA)
A causa de nulidade prevista neste artigo decorre em regra da preterição de requisitos objectivos materiais, tratando-se então de casos de violação de lei, mas tratar-se-á de vicio de forma quando esteja em causa a preterição de formalidades essenciais que envolvam a violação de direitos fundamentais procedimentais.
Para estes autores a formulação legal é excessivamente ampla: por direitos fundamentais, para estes efeitos, deve entender-se apenas os direitos, liberdades e garantias e consideram demasiado restritivas as interpretações de objectivistas como o professor Freitas do Amaral.
Para reforçar a sua posição introduzem o argumento de que a expressão prevista no art 133ºnº2 alinea b CPA ) “conteúdo essencial” esta deslocada, na medida em que é utilizada no art 18º CRP para delimitar o âmbito de direitos fundamentais intocável pela actividade legislativa, não se afigurando como operativa para a protecção dos direitos fundamentais perante a administração.
Os defensores desta tese em Portugal são principalmente os professores Marcelo Rebelo de Sousa e Vasco Pereira da Silva.
Neste caso, parece-me que os defensores da tese subjectivista tem razão, pois estas duas formalidades são exemplos de uma administração prestadora e virada para o particular, sendo assim essenciais não podendo a sua ausência ser cominada com o desvalor de mera anulabilidade.
Para além disso o único factor que me deixava com duvidas em relação a segunda posição era mesmo integrar o direito a audiência e o direito a fundamentação no elenco de direitos fundamentais, interpretando esta expressão como direitos, liberdades e garantias as minhas dúvidas dissiparam-se.
Bibliografia:
Diogo Freitas Do Amaral "Curso de Direito Administrativo vol II"
Marcelo Rebelo de Sousa/ André Salgado De Matos " Direito Administrativo Geral, tomo III, actividade administrativa"
Nelson Esteves
nº21892, sub:1
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