O Procedimento Administrativo como
figura central do Direito Administrativo e a participação dos particulares
Na dogmática
tradicional, o que relevava era, como se sabe, o acto administrativo, uma vez
que estávamos perante uma Administração agressiva, “actocêntrica” e
autoritária, onde aos particulares não eram garantidos direitos perante a
máquina estatal. Neste contexto, o procedimento administrativo valia enquanto
instrumento ao serviço do acto administrativo e não autonomamente. O acto
administrativo, pelo contrário, era a figura central do Direito Administrativo,
pois, sendo um acto unilateral de autoridade praticado pela Administração para
decidir situações individuais em casos concretos, ou seja, um acto através do
qual a Administração, mediante o exercício de um poder público de autoridade,
impunha um dado comportamento ao particular, sendo que, para agir contra estes
actos existem garantias administrativas e garantias contenciosas dos
particulares.
A dogmática
tradicional foi, no entanto, posta em causa por parte da doutrina italiana, que
entendia que o procedimento administrativo (série de condutas de lógica interna
e orientados para a produção ou execução de uma decisão administrativa) devia
passar a ser visto como a figura central de Direito Administrativo. Entendia-se
que tal perspectiva apresentaria duas vantagens relativamente à doutrina
tradicional: a possibilidade de uniformização do tratamento dogmático de toda a
actividade administrativa e a possibilidade de entender a integralidade da actividade
da Administração. A primeira vantagem remete para o facto de que nenhuma
decisão da Administração se esgota com um único acto, a actuação da
Administração é o resultado da sequência de um procedimento. Já a segunda
vantagem significa que só o procedimento permite ter em conta todas as
actuações da Administração, possibilitando a análise da actuação no seu todo.
No cerne do
procedimento administrativo está a possibilidade da participação dada aos seus
intervenientes, o particular e as autoridades administrativas. O particular
pode intervir no processo de decisão da Administração, nomeadamente através de
institutos como a audiência prévia.
Refira-se,
porém, que neste sector da doutrina italiana, aquilo que é defendido é que é
importante que o particular participe no processo de decisão da Administração,
não para se defender, mas sim para poder trazer novos factos ao procedimento.
Esta orientação tende à objectivização do Direito Administrativo, pois apenas
atende à própria função administrativa.
Contudo, o
mesmo não se passa na doutrina alemã, pois os germânicos consideram que é a
relação jurídica que é a figura central de Direito Administrativo, havendo uma
subjectivização deste relativamente às posições jurídicas dos particulares e
das autoridades administrativas. É esta a posição defendida pelo Prof. Vasco
Pereira da Silva, que entende ser a mais adequada ao direito português.
E que dizer da
participação dos cidadãos no procedimento administrativo? Em primeiro lugar,
tal permite exercer o controlo do poder administrativo e a melhor qualidade das
decisões administrativas, constituindo um factor de legitimação da
Administração Pública (até porque esta hoje tem um maior campo de actuação em
todos os níveis por se ter tornado prestadora) e aperfeiçoamento do Estado de
Direito. A própria Constituição da República Portuguesa consagra este direito
aos particulares (267º, nº 5), tal como o Código do Procedimento Administrativo
(8º), que dá aos particulares a oportunidade de defenderem os seus interesses,
os seus direitos subjectivos. Os particulares colaboram, por conseguinte, com a
Administração, sendo que se estabelece uma relação jurídica procedimental entre
os dois que permite uma maior eficácia da decisão administrativa.
Também a
participação no procedimento pode ser entendida de maneira objectiva (privados
intervêem de modo a facilitar a tomada de decisões da Administração) e de
maneira subjectiva (privados intervêem como instrumento de defesa prévia das
suas posições jurídicas perante a Administração). O primeiro ponto de vista é o
adoptado pelo Prof. Rui Machete. O segundo é defendido pelo Prof. Gomes
Canotilho, que reforça a função da garantia dos direitos fundamentais.
Por fim,
importa referir que, segundo o Prof. Vasco Pereira da Silva, os direitos fundamentais
têm conteúdo substantivo e ainda garantias de procedimento, como tal, a não
audiência de um particular interessado viola o conteúdo essencial de um direito
fundamental, pelo que uma decisão tomada sem a audiência do particular deve ser
nula nos termos do 133º nº 2 do CPA. Em relação ao 103º nº 2 b), deve
interpretar-se que na dispensa de audiência dos interessados, os elementos do
procedimento já devem permitir deduzir se a decisão vai ser favorável ou
desfavorável, sendo que, quando for desfavorável, deverá ser fundamentada ao
particular.
Bibliografia:
Vasco Pereira da Silva “Em busca do acto administrativo
perdido”;
Diogo Freitas do Amaral “Curso de Direito Administrativo”
Volume II.
Diana Furtado Guerra
Nº 21984
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